Podem as Novas Tecnologias em Saúde unir
Brasil e China?
A relação entre o Brasil e a China começa a
dar sinais de que, enfim, entraremos em uma promissora fase de entendimento
para troca de conhecimentos e transferência de tecnologia na área da saúde.
Sabemos que as últimas duas décadas selaram o reposicionamento da China como
nosso principal investidor e parceiro comercial, independentemente da participação
no bloco dos BRICS, destacando sua ascensão de forma evidente como nova
potência tecnológica e econômica mundial.
Essa mudança atingiu também os países da
África e da América Latina sendo, em grande medida, impulsionada nos últimos
anos pelo vigor financeiro do programa da Nova Rota de Seda,
ou Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). No
nosso caso, no entanto, cabe observar que houve uma grande concentração de
investimentos na área de infraestrutura de energia, mineração, transporte
e commodities do agronegócio (como detalha o excelente
levantamento desse período pela equipe da FGV-Rio). Porém, foram pouco
expressivos, até o advento da pandemia do covid-19, as parcerias para o
desenvolvimento de vacinas, os investimentos e transações comerciais entre
nosso parque hospitalar e nossa indústria biomédica e de insumos de saúde com a
China, o país que vem liderando o desenvolvimento das Novas Tecnologias de
Saúde (NTS).
Vimos que nos primeiros dois anos do atual
governo, foram firmados acordos estratégicos para projetos de inovação
tecnológica na saúde já no início de 2023, quando da primeira visita oficial do
presidente Lula à China; e uma nova rodada de acertos para um grande plano de
cooperação entre os dois países, na recente visita do presidente Xi Jiping ao
Brasil, em novembro de 2024. Nesse período, lançamos a ideia da Reforma
Sanitária Digital em alguns artigos: uma projeção dos históricos objetivos de
nossa Reforma Sanitária, em transformações sociais mais profundas a partir da ação
ampliada na saúde, incluindo a questão climática e ambiental e o combate à
pobreza. Também idealizamos a condução pelo governo federal de ações
coordenadas, interministeriais, de grande abrangência em todo o território
nacional, mas alavancadas pelo estratégico domínio e tratamento da informação
pelas tecnologias de Inteligência Artificial (IA). Além de um projeto
sanitário, há uma necessidade urgente de nos posicionar em outro nível de
independência tecnológica no futuro próximo que se anuncia, o da Era Digital.
<><> Está próxima a chegada das
NTS ao país?
Assim, soa como um sinal de chegada das NTS a
notícia de que o novo ministro da saúde, Alexandre Padilha planeja solicitar
financiamento ao Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos
BRICS) para implantação de um hospital digital na cidade de São Paulo. No
mesmo momento, Padilha enviou para uma visita à China a responsável pela
Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI) do seu ministério, Ana
Estela Haddad, acompanhada de uma equipe de médicos da Universidade de São
Paulo. O que se promete, no anúncio dessa empreitada, é uma nova etapa no
amadurecimento do Programa de Saúde Digital do Sistema Único de Saúde (SUS),
agora com a transferência de tecnologia chinesa em um mais forte e declarado alinhamento
geopolítico.
No curso dos últimos anos, a China se tornou
um dos principais polos mundiais na pesquisa e desenvolvimento das NTS,
notadamente a genômica, a robótica e os modelos de inteligência artificial
(IA); não apenas na assistência à saúde, a dinâmica de implementação das
tecnologias de IA tem-se demonstrado revolucionária na resolução de
problemas macroeconômicos e sistêmicos, como o combate à fome e pobreza
extrema, o que torna sua parceria ainda mais atraente para o Brasil, pela declarada
prioridade da atual política de Estado. Sendo assim, complementando os
diversos acordos já existentes e em andamento entre os nossos países, esperamos
que o ingresso de fato das NTS seja algo inexorável. Mas ressaltamos que se
trata de tema da maior urgência o acerto da perspectiva de sua implementação no
nosso sistema de saúde, considerando que, por si, já esperamos grande impacto
para as mesmas, principalmente nos conflitos advindos do uso de IA. Não
lidaremos com a materialidade de minérios, eletricidade, vagões de trem ou
produtos agrícolas; mas com as nuances das relações intersubjetivas, com
ferramentas cognitivas, com instrumentação do afeto, do sofrimento e de valores
históricos e sociais, que se complementam e interagem no complexo campo da
saúde. Logo, devemos buscar as bases em nossas distintas culturas
para a formulação de uma abordagem bioética comum entre Brasil e China, no
intuito de fundamentar o aporte dessas NTS no florescimento da Era Digital no
SUS.
Apontaremos uma lista de motivações para
buscar reunir em um mesmo corpo teórico – mas de aplicação prática, como cabe à
bioética – fundamentos que tomem um corpo justificado e comum aos dois países,
para a reflexão, a crítica e a prescrição ou normatização das NTS. Essa
justificativa é o somatório ou, mais propriamente, a confluência de fatores
históricos e sociais que se agregam na geopolítica atual, não só abrindo a
possibilidade de novos encontros e rearranjos sociotécnicos, mas exigindo a
rápida adaptação sociocultural às transformações deste contexto. Assim,
enumeramos alguns apontamentos para iniciar um trabalho que possa trazer
orientações para as aplicações na área da saúde:
>>> 1. Uma parceria hoje modesta,
mas de enorme potencial
Como já explicitado, observamos a situação
histórica de notável crescimento nas relações econômicas, culturais e
comerciais entre o Brasil e a China nas últimas duas décadas. No entanto, nessa
avaliação, constatamos que é ainda modesta a participação da área da saúde e
quase inexistente a parceria para o ingresso das NTS, processo esse que é de
grande interesse para o desenvolvimento da Saúde Digital no SUS. Isso embora a
China já se apresente como nova potência mundial, demonstrando os requisitos
para se posicionar como liderança em investimentos econômicos e tecnológicos
para atrair os interesses do nosso incipiente ingresso na era digital. A
questão geopolítica que envolve a participação de forma explícita e declarada
do Brasil na BRI tem relação direta com a rivalidade e disputa pela hegemonia
entre a China e os EUA. Embora nossa relação diplomática tenha amadurecido com
a consistência do BRICS e esboce novas possibilidades de expansão política e
comercial, declarada ou não, com a política chinesa da BRI, Pautasso defende
que “compete ao Brasil conduzir o interesse chinês de inserir o conjunto da
América Latina nos projetos da Nova Rota da Seda na direção de seus objetivos
na região. […] sendo uma oportunidade para impulsionar iniciativas de
integração regional e superar gargalos no setor de infraestrutura, que há mais
de 40 anos tem menos de 2% do PIB em investimentos”.
>>> 2. O notável salto chinês
O que se anuncia na perspectiva da China tem
se destacado no mundo. Em importante publicação recente, de imprescindível
leitura, o professor Evandro Carvalho nos apresenta um extenso panorama da
história recente da China(14); desde sua
evolução socioeconômica após o “século das humilhações”, as guerras
do século XX e, por fim, a revolução socialista de Mao Zedong, até as reformas
inovadoras de Deng Xiaoping, que conduziram ao momento atual, com um modelo
próprio de economia de mercado socialista. A complexidade do sistema de
governança baseado na gigantesca estrutura partidária que traça as diretrizes
para a gestão administrativa dos órgãos de governo, de forte caráter
republicano, vem empreendendo “uma transformação do socialismo com
características chinesas para um sistema político tipicamente chinês com
características socialistas”.
Toda uma terceira parte do livro é dedicada à
avaliação do momento atual da China, onde o país se apresenta como a nova
potência para o futuro, sob a liderança de Xi Jinping, onde ficamos com a
impressão de que a tradição da sabedoria milenar chinesa se equipare ou mesmo
já supere a força do recente marxismo. A primeira, enraizando o conceito de
“Estado-família”; o segundo influenciando as ideias socialistas da “República
Popular”.
Um projeto de desenvolvimento socioeconômico
que consegue retirar da linha de pobreza um contingente de 800 milhões de
cidadãos em quatro décadas é um feito que deve ser
analisado e entrar para a história em sua devida proporção, algo que a mídia
ocidental ainda não realizou. Esse foi o resultado alcançado pela China, a
partir do “acúmulo de todo um novo acervo em matéria de planificação econômica,
organização e racionalização da produção em grande escala”, que o economista
Elias Jabbour conceituou como Nova Economia do Projetamento.
Para alguns, esse salto equivaleria a uma segunda revolução. Após um período de
grandes dificuldades na sua industrialização, com uma política de reforma e
abertura da economia, a gestão socialista do mercado apresentou resultados
incontestáveis de sucesso. Entre 1952 e 2018, conseguiu elevar o PIB em 174
vezes, tornando-se o segundo maior do mundo. O cálculo do PIB per
capita da sua imensa população registrou um aumento de 70 vezes, a
receita fiscal aumentou, em média, 12,5% ao ano e o valor agregado industrial
aumentou 970 vezes, com aumento do comércio de mercadorias na ordem de 2.380
vezes.
Paralelamente, no desenvolvimento social,
além do resultado inédito de quase erradicação da pobreza extrema, observou-se
redução da taxa de mortalidade infantil de 48% para 6,1%; aumentou a
expectativa de vida de 35 para 77 anos; a taxa de conclusão da escolaridade
obrigatória de nove anos atingiu 94,2% da população, com taxa bruta de
matrícula no ensino superior em torno de 48%. Em 2023, o PIB ajustado pela
paridade do poder de compra atingiu 18,82%, o maior do mundo.
>>> 3. Avanços também na área da
Saúde
Na área da saúde, a organização do sistema de
informação, que já vinha sendo implantado há mais de uma década, demonstrou sua
eficiência ao mundo por ocasião da pandemia de covid-19. Com as medidas de
controle adotadas, a China teve uma das menores mortalidades per capita entre
todos os países, sendo 100 vezes menor do que a dos Estados Unidos. Esse foi um
dos resultados mais expressivos da grande Reforma Sanitária que se iniciou há
mais de uma década. Como consequência da rápida industrialização da virada do
século, da elevação da taxa de população urbana e da demanda por cuidados e
assistência médica de maior complexidade, chegou-se à percepção de que havia
grande limitação no acesso aos serviços. Essa situação vinha impondo, com
grande frequência, gastos catastróficos e empobrecimento a uma faixa
significativa da população.
Mas foi outra epidemia que acendeu o alerta
do governo, ainda na presidência de Hu Jintao a do surto de Síndrome
Respiratória Aguda Grave (em inglês, SARS) em 2003, que se espalhou da
China para grande parte do mundo e causou grandes perdas econômicas. Após uma
sequência de grandes debates nacionais, o governo apontou para um programa que
começava pela expansão do seguro de cobertura universal, aumentando o subsídio
público aos hospitais, priorizando a oferta de serviços básicos parta todos;
estabeleceu uma lista nacional de medicamentos essenciais, facilitando também o
financiamento da oferta; aumentou a rede de assistência de atenção primária e
iniciou um amplo processo de reformas dos grandes hospitais públicos.
O acesso à cobertura básica de saúde
subsidiada pelo Estado chegou então a atingir 1,3 bilhão de pessoas nos
primeiros anos após o lançamento da Reforma de 2009. Entre 2008 e 2017, as
despesas governamentais com saúde em assistência médica quadruplicaram de ¥ 359
bilhões para ¥ 1,52 trilhão, aumentando sua participação nos gastos totais do
governo, de 5,7% para 7,5%, e a participação do PIB, de 1,1% para 1,8%;
demonstrando um aumento real da participação na economia. A Reforma trouxe
grande parte dos frutos esperados em suas principais metas:
(1) expandiu a rede de cobertura pelo seguro
subsidiado pelo governo, reduzindo o risco de gastos catastróficos;
(2) aumentou a utilização de serviços
essenciais, por um contingente maior da população de baixa renda; e
(3) priorizou a transformação de recursos em
serviços eficazes por meio da reforma sistêmica da prestação de assistência
médica.
Ao final de pouco mais de uma década,
conseguiu-se indicadores semelhantes aos de outros países de economia avançada,
como a expectativa de vida média de 77 anos, a mortalidade materna de 18,3 por
100.000 nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos de 6,1 por
1.000 nascidos vivo. As lacunas no programa da Reforma, no entanto, ainda
parecem tão grandes quanto as dimensões do país. A situação da assistência
sanitária, desde a atenção primária, no entanto, vem demonstrando dificuldade
em oferecer serviços de saúde com equidade. A China conta com grande
contingente populacional onde há grande disparidade no desenvolvimento
regional; sua extensão continental, que conta com zonas remotas e rurais, e com
áreas de intensa concentração populacional e tecnológica, ainda são um desafio
para a gestão do sistema. Somado a isso, a urbanização da população, o modelo
de vida da industrialização com ainda altos índices de tabagismo, dieta
inadequada e poluição tem mantido elevadas as taxas de morbimortalidade por
doenças cardiovasculares. A permanência de fatores agravantes para as Doenças
Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) associada ao envelhecimento e urbanização da
população exige medidas e ajustes que estão dentro do plano de metas Healthy
China 2030, lançado em 2016 pela gestão de Xi Jinping.
>>> 4. Pode a Saúde Digital
destravar impasses nos sistemas de saúde?
Nesse contexto, é do nosso interesse trazer
para a reflexão as dificuldades encontradas pelos nossos países com seus
respectivos projetos de Reformas dos sistemas de saúde. Assim, ambos temos
dimensões continentais, mas com grandes populações e grandes disparidades de
desenvolvimentos regionais; enfrentamos um processo de industrialização mais
recente, com semelhança na taxa de envelhecimento da população e na carga de
DCNT. Embora devamos atentar que haja diferenças cruciais na formação do
governo e controle do Estado, no nível de desenvolvimento econômico (que já foi
o inverso há cinco décadas!), e em tradições histórico-culturais que nos
definem, podemos argumentar a favor de dois pontos importantes de interesse
comum: primeiro, nossa comunhão política em oferecer um sistema de saúde com
equidade, voltado primordialmente para os interesses da coletividade; e, neste
momento, na importância que vemos na capacidade e potência das NTS para a
revolução tecnológica que projetamos para os nossos sistemas de saúde.
O acesso às tecnologias de IA e seu emprego
nas diversas áreas da produção e da vida em comunidade vem transformando
rapidamente não somente o processo do trabalho, mas todos os aspectos das
relações sociais e intersubjetivas como ocorre sempre nas interações
sociotécnicas. A particularidade que se apresenta nesse estágio de
desenvolvimento tecnológico, no entanto, está relacionada à primazia que os
dados e a informação vêm exercendo sobre a realidade, tensionando a
subjetividade e seus valores em direção a uma completa redução analítica da
vida e do humano à leitura da realidade objetiva. As possibilidades de
expansão das nossas capacidades pela proteticidade e recursividade de nossos
artefatos técnicos não é fato novo na história tecnológica da humanidade; mas
as tensões causadas pela substituição da nossa cognição, pela fragmentação
informacional do sujeito e pela aclamada possibilidade de destruição ou
superação de nossa distinção ontológica, são marcos da Era Digital que suscitam
um forte estímulo ao questionamento filosófico.
O debate ético, em torno das questões
levantadas pelas tecnologias de IA, também tem características semelhantes no
ambiente do pensamento acadêmico chinês. As mesmas questões que têm motivado os
argumentos regulatórios no ocidente, como a privacidade, a segurança, a
transparência, a equidade, a autonomia, as relações de trabalho e a
responsabilidade também são as mais frequentes nas publicações de pesquisas com
as tecnologias de IA. Nesse ponto, a China desenvolveu uma estrutura forte de
regulamentação e normatização do uso de IA, que vem observada como modelo pelas
agências europeias e demais ocidentais. No entanto, fundamentos
importantes e inexpugnáveis da filogênese de sua civilização, como as milenares
éticas advindas do confucionismo, do taoísmo e do budismo sustentam uma raiz
moral que não é centrada propriamente na percepção ocidental do humano; o que
expõem por que os chineses demonstram menos temor e receio nos processos de
simbiose com as tecnologias de IA e na aceitação desta como agente moral,
resultando em um ambiente mais receptivo para o emprego das NTS do que no
ocidente.
>>> 5. Solução para um imbróglio
geopolítico
Por fim, mas não menos importante, está o
imbróglio geopolítico que se apresenta entre nossos países, frente às disputas
econômicas que embaralham os acordos diplomáticos que buscam fugir do domínio
imperialista histórico das potências do Norte para um multilateralismo. Nossa
relação, particularmente entre Brasil e China, encontra-se fortalecida dentro
do grupo do BRICS, mas destaca-se com certa obviedade a preponderância da China
e a pujança de sua economia, como polo de tecnologia e fonte de
investimento. De sua parte, parece claramente haver um maior interesse em
fortalecer acordos através de seu novo programa da BRI. O argumento
para o multilateralismo e o respeito entre as particularidades de cada país é
um dos pilares fundamentais de sua estrutura, onde se pretende erigir um novo
modelo de “comunidade global de futuro compartilhado” abandonando “o velho caminho
do hegemonismo e do imperialismo”. Conglomerados de Estados-nações
compartilhando o futuro, sem hegemonia exploradora por nenhuma das partes,
materializam o conceito de Tiānxià, associado à civilização e ordem
na filosofia chinesa clássica. Tem como objetivo maior na política “a garantia
da ordem universal […] e o respeito à noção de soberania dos demais países, uma
vez que a harmonia é a condição ontológica para a existência […] e um conceito
de um desenvolvimento compartilhado e anti-imperialista”. Esse conceito pode
embasar o modelo de relacionamento que perpassa as transações comerciais tanto
dos BRICS quanto da BRI.
No caso do primeiro, no entanto, há tensões e
diferenças nos embates políticos de países que ainda partilham do comportamento
de liderança hegemônica e alianças ocasionais com o imperialismo, com é o caso,
respectivamente da Rússia e da Índia. A óbvia centralidade no palco das
relações na condução da BRI pela China pode ter o sentido de ser o eixo central
de uma grande teia, onde se busca a harmonia e não o domínio. Se já nos
encontramos no momento histórico em que podemos pensar para além da
configuração dos Estados-nação modernos e buscar uma planetarização é a grande
questão que o filósofo da tecnologia, o chinês Yuk Hui, esmiúça em seu mais
recente livro, uma “tentativa de busca por um Tractatus
Politico-Technologicus” (24).Logo no início de sua
introdução, ele se questiona qual seria o papel do pensamento não ocidental
nesse processo de planetarização. Embora Hui não defenda explicitamente os
modelos do BRICS e da BRI, soa estimulante como projeto político pensarmos
hoje, na possibilidade de superação do Estado-nação por conjunturas planetárias
alicerçadas nas relações comerciais e na harmonia – uma conjunção entre o
universalismo kantiano e a Tiānxià.
- Por
uma “bioética do encontro” entre Brasil e China
Ao nosso ver, necessitamos de uma agenda
ética unificada às duas culturas que, propriamente pela herança sócio-histórica
marcadamente distinta, demarque os limites para o emprego das NTS, visando o
cuidado e proteção do humano, que é o nosso fundamento comum; a chegada de
tecnologias que são apresentadas pelo mercado e ao senso-comum como “sujeitos
cognitivos” nos inspira a reunir argumentos que possam reforçar a defesa
ético-política dos valores humanos que se pretendem universais, quiçá
retornando até mesmo ao debate sobre os direitos fundamentais. Surge assim a
possibilidade, então, de uma “bioética do encontro”
– na linha do conceito de uma abordagem global que avance além das
questões biomédicas, na busca do equilíbrio entre a ética ecológica e a
dominação econômica; com a validação da perspectiva de saúde como direito
humano fundamental; mas sem pretender abarcar em um acordo programático a
totalidade de um conglomerado que soaria utópico no momento atual, mas sim
focalizando nas possibilidades reais que teremos nesse “encontro” entre Brasil
e China.
No espaço dessa discussão, os encontros de
saberes, culturas e visões de futuro: do Marxismo com o Confucionismo, das
tecnologias digitais na medicina ocidental com as medicinas tradicionais, o
ingresso das NTS que impulsionam o modelo chinês na nascente cultura em
formação do SUS-Digital; num ambiente de desenvolvimento econômico e científico
que caminhe na complexa diversidade humana, mas voltado para o valor coletivo
do comum. Saudamos, assim, a desafiadora possibilidade de desenvolvimento do
SUS a partir da cooperação entre esses dois sistemas de saúde de grandes
populações, com a integração de práticas com as NTS, através de abordagens
ético-filosóficas alicerçadas em sabedorias e culturas milenares – a de origem
greco-ocidental que nos conformou e a sabedoria clássica chinesa.
Fonte: Por Luiz Vianna Sobrinho, em
Outra Saúde

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