segunda-feira, 24 de março de 2025

Paulo Henrique Arantes: Desde o A.I. 5, emparedar o Judiciário é arma da extrema-direita brasileira

Ao direcionar ao Judiciário seu bombardeio retórico, Jair Bolsonaro e seus débeis seguidores, os filhos entre eles, repetem uma tática comum a ditaduras e entre potenciais ditadores. Quando decidiu responsabilizar previamente as urnas eletrônicas pela derrota eleitoral, foi no Tribunal Superior Eleitoral que Bolsonaro bateu. Para seu azar, deu de cara com uma corte tecnicamente qualificada e a cara feia de Alexandre de Moraes. Depois, denunciada a conspiração que pretendeu derrubar o governo eleito, inclusive mediante três assassinatos, as armas bolsonaristas continuam a apontar para a Justiça, agora o Supremo Tribunal Federal, mais especificamente para a figura de Moraes, relator do caso e alvo de intensa campanha destruidora de reputação.

O discurso patético de perseguição e cerceamento de liberdades que bolsonaristas levam às ruas não gerará nada de concreto em termos judiciais – só barulho e cortina de fumaça. A fuga de Eduardo Bolsonaro para os Estados Unidos visa a encontrar, em outras terras, apoios de gente que compartilha dos mesmos princípios, ou da mesma falta de princípios. Lembre-se de que o filho zero-três, nos primeiros minutos do governo do pai, disse que para fechar o STF bastavam um soldado e um cabo. Sempre foi essa a vontade deles.

Nos Estados Unidos, bolsonaristas fujões encontram sobretudo um presidente que compartilha de igual volúpia anti-Justiça. O caráter imperial do governo americano não poderia ser mais claro. Não existe imperialismo que se sujeite à lei. Trump ignorou ordens de juízes federais que bloqueavam suas políticas, como a deportação de cidadãos venezuelanos. Solicitou o impeachment de juízes federais, como no caso do magistrado que bloqueou suas ordens de deportação. O presidente americano atacou publicamente magistrados que emitiram decisões contrárias aos seus interesses, como o juiz Arthur Engoron, responsável por um processo de fraude fiscal contra ele, qualificando-o como "agente democrata" e afirmando que o caso era uma "vergonha". As vias legais de contestação de decisões judiciais não estão no repertório de Trump.

Se nos regimes democráticos em inflexão autoritária o Poder Judiciário é o primeiro inimigo a ser abatido, ainda que por meios aparentemente legais, nas ditaduras escancaradas é a primeira instituição alvejada pela pena repressora. O Brasil do golpe de 1964 constitui exemplo acabado. O Ato Institucional número 5 cuidou disso com denodo. Editado em 13 de dezembro de 1968, o A.I.5 concedeu ao presidente da República poder de cassar mandatos e aposentar compulsoriamente juízes, sem necessidade de justificativa ou julgamento. Além disso, tornou as decisões do governo inalcançáveis por qualquer revisão judicial, ou seja, qualquer ato baseado no AI-5 não poderia ser contestado nos tribunais.

Donald Trump tem no A.I. 5 brasileiro uma fonte de inspiração, se quiser. Já os Bolsonaros nunca disfarçaram seu apreço àquela medida que tornou a vida dos brasileiros um inferno.

•                            "A extrema direita quer o Senado para controlar o STF", alerta João Cezar de Castro Rocha

No programa Boa Noite 247, o professor e pesquisador João Cezar de Castro Rocha analisou o ato promovido por Jair Bolsonaro em Copacabana, no dia 16 de março, e destacou os sinais de esgotamento da mobilização bolsonarista. Além da baixa adesão ao evento, ele chamou a atenção para a radicalização do discurso e a tática da extrema direita de tentar pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o pesquisador, há um plano claro de poder: "A extrema direita quer o Senado para controlar o Supremo. Esse é o verdadeiro projeto para 2026".

O evento, que havia sido anunciado como uma grande demonstração de força, reuniu um público muito abaixo do esperado. Bolsonaro, no entanto, seguiu com sua estratégia de ataque ao STF, reforçando sua narrativa de vitimização dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Durante o discurso, ele pediu aos seus apoiadores: "Me deem 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo os destinos do Brasil".

<><> A derrocada da mobilização bolsonarista

Castro Rocha apontou que o fracasso da manifestação revela um enfraquecimento da capacidade de mobilização do ex-presidente. "Quem vê flop não vê reação", ironizou, referindo-se ao esvaziamento do ato. Segundo ele, a energia vista em eventos passados, como as manifestações de setembro de 2021, já não se repetiu. "A Avenida Atlântica já foi tomada por 14 ou 16 quarteirões de manifestantes. Desta vez, havia apenas dois. O número é significativo, mas o mais importante é a mudança na atmosfera: não há mais aquele fervor de ‘tudo ou nada’ pelo Bolsonaro".Para ilustrar o cenário, ele mencionou a foto capturada pelo fotojornalista Alexandre Cassiano, do jornal O Globo, que mostra uma bandeira dos Estados Unidos sobreposta à do Brasil. "Esse detalhe reforça o que eu chamo de 'patriotismo da terra alheia'. Muitos desses grupos bolsonaristas idolatram símbolos estrangeiros enquanto atacam as instituições nacionais", criticou.

<><> O aprisionamento ideológico dos bolsonaristas

Outro tema abordado foi a recusa dos presos do 8 de janeiro em aceitar acordos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderiam amenizar ou extinguir suas penas. Para Castro Rocha, isso demonstra o grau de radicalização dessas pessoas. "É impressionante imaginar que alguém abra mão do convívio com os filhos por radicalidade ideológica", afirmou. "Esses indivíduos foram moldados pelo discurso de Bolsonaro de tal forma que não conseguem enxergar a realidade. Eles negam qualquer responsabilidade do ex-presidente nos atos que cometeram e repetem um discurso robotizado", acrescentou.

Ele comparou a alienação dos bolsonaristas ao conto O Alienista, de Machado de Assis. "Bolsonaro é o Simão Bacamarte dessa tragédia política, aprisionando seus seguidores dentro de uma narrativa que os mantém mais presos do que qualquer cela física", argumentou. O pesquisador sugeriu, inclusive, que os detentos do 8 de janeiro lessem a obra para refletirem sobre sua própria condição. "Quem sabe alguns teriam a epifania de que foram usados e manipulados?".

<><> A criação do "alexandrismo" e o ataque ao STF

Durante o ato, Flávio Bolsonaro acusou o ministro Alexandre de Moraes de ser responsável pela morte de um dos detentos do 8 de janeiro, alegando que a decisão judicial teria sido "deliberada" para impedir que ele recebesse tratamento médico. A multidão respondeu com gritos de "assassino" contra Moraes. Castro Rocha alertou para o perigo desse discurso: "A extrema direita precisa construir inimigos para manter sua base mobilizada. Agora, eles tentam transformar Moraes em símbolo de uma suposta 'ditadura da toga'".

Além disso, destacou a criação do termo "alexandrismo" para reforçar a narrativa de que há perseguição política contra Bolsonaro e seus aliados. "Essa retórica serve para justificar ações antidemocráticas e criar uma falsa necessidade de um ‘contragolpe’", analisou.

<><> A estratégia para 2026: domínio sobre o Legislativo

Castro Rocha apontou que Bolsonaro já sinalizou seu verdadeiro objetivo para as eleições de 2026: garantir maioria no Congresso para controlar o Judiciário. "O que eles querem é subjugar o STF, como Victor Orbán fez na Hungria. Uma vez que a Suprema Corte esteja sob controle, não há mais barreiras institucionais para um governo autocrático".

Ele ressaltou que essa tática já vem sendo implementada pela extrema direita em várias instâncias do poder. "Eles avançam ocupando conselhos tutelares, o Conselho Federal de Medicina e até a OAB, que já tem sessões dominadas por bolsonaristas. Agora, o foco é o Senado, pois é lá que se define a composição do STF".

Diante desse cenário, Castro Rocha defendeu que o campo progressista não pode se concentrar apenas na disputa presidencial. "Se Lula for reeleito, mas o Senado e a Câmara forem tomados pela extrema direita, o governo ficará refém do Congresso. É fundamental eleger parlamentares comprometidos com a democracia", alertou.

<><> O desafio: combater o caos cognitivo

Para o pesquisador, a extrema direita prospera no caos e, por isso, sua estratégia se baseia na produção constante de desinformação. "Eles criam um ambiente onde fatos objetivos deixam de importar. O bolsonarismo não sobrevive em um ambiente de normalidade, porque precisa do caos para se sustentar".

Ele reforçou que a resposta ao bolsonarismo não pode ser apenas reativa. "Temos que analisar o caos, mas sem permitir que ele monopolize nosso imaginário. Precisamos retomar a normalidade e reconstruir o compromisso com a verdade. Quando a mentira se torna a base da política, a democracia entra em risco".

Castro Rocha concluiu sua análise com um alerta: "A extrema direita perdeu força, mas segue sendo uma ameaça real. Se não enfrentarmos esse projeto de poder com estratégia e seriedade, 2026 pode ser um ponto de ruptura para a democracia brasileira".

•                            Ministros do STF não descartam plano de fuga de Bolsonaro em andamento com Eduardo nos EUA

Para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos, a ida de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os Estados Unidos pode trazer algo a mais nas entrelinhas do que a declarada narrativa de perseguição política: a preparação para uma fuga do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Esses ministros não descartam essa hipótese, diante da inevitável condenação pela tentativa de golpe de Estado.

“É um cálculo político: possuem palco fora, nos EUA, e podem preparar a fuga do pai, que vão chamar de exílio”, avalia um ministro da corte.

Para integrantes do STF, o fracasso do protesto em Copacabana, em que o apelo por anistia mostrou que não mobiliza as massas, foi um divisor de águas na estratégia da família Bolsonaro.

De acordo com a investigação da Polícia Federal (PF), Bolsonaro iria aguardar a tentativa de golpe morando nos EUA, no final de 2022, como o blog revelou. Antes de viajar para lá, o ex-presidente fez uma transferência de R$ 800 mil para os EUA, apontou a quebra de sigilo bancário feita pela PF. Agora, se for condenado, ministros e investigadores não descartam que ele possa investir nessa saída.

Aliados próximos do núcleo bolsonarista afirmam que a decisão de Eduardo foi tomada por impulso e que até o pai foi pego de surpresa, discordando da ideia.

Segundo fontes, a mudança de rota foi improvisada por Eduardo após ele passar uma semana nos EUA. "Ele não tinha nem roupa para esse período de mudança", relatou um aliado do núcleo.

Em conversa com o blog, aliados bolsonaristas admitem que a ida do deputado -- agora licenciado -- também tem o objetivo de tentar pressionar por medidas contra Alexandre de Moraes, que enfrenta questões jurídicas nos Estados Unidos.

Eduardo Bolsonaro também temia perder o passaporte, assim como o pai. Ele, assim como aliados, veem em Trump uma tábua de salvação para a família. “Bolsonaro não tem saída jurídica. Só tem saída se Trump se comover e decidir embarcar em alguma defesa política dele”, avalia um dos mais próximos interlocutores político de Bolsonaro.

Em entrevista à revista Oeste na última quarta-feira (19), Bolsonaro afirma que não irá sair do país. "A imprensa especulando agora que vou fugir para a Embaixada dos Estados Unidos, não vou fugir, não vou sair do Brasil", afirma o ex-presidente.

 

Fonte: Brasil 247/g1

 

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