Os passos à frente em equidade racial na
saúde
Uma
maior participação de movimentos sociais nas políticas voltadas à equidade
racial dentro do Ministério da Saúde (MS) era uma reivindicação antiga, que
encontrou força no momento de transição do governo Lula 3. Após a devastação de
Bolsonaro na pasta havia muito a se reconstruir, em especial em relação à
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Empossada, a
ministra Nísia Trindade percebeu a relevância do tema e instituiu, em seu
próprio gabinete, a Assessoria para Equidade Racial em Saúde.
Luís
Eduardo Batista, liderança do movimento negro que já havia participado da
construção do plano de governo da candidatura de Lula, foi o convidado para
chefiar a assessoria. “Desde a sua criação, a tarefa da assessoria é
transversalizar a temática da saúde da população negra em todos os programas,
políticas e ações do Ministério da Saúde”, explicou ele ao Outra Saúde.
“Então, o que a gente faz é incluir a temática da equidade racial seja nas
propostas de assistência, seja nas de promoção de equidade.”
“A
criação da assessoria foi um grande avanço”, ressaltou Hilton Pereira
Silva, que é médico, professor da Universidade Federal do Pará e da
Universidade de Brasília e membro do Grupo Temático Racismo e Saúde da Abrasco.
Ele explica que o movimento negro teve um papel importante, durante a tomada de
posse do Ministério da Saúde por Nísia e sua equipe, para oferecer informação
sobre o que havia sido desmontado na pasta e quais as necessidades e
prioridades para a saúde negra no SUS.
O
primeiro lugar na lista de urgências, pode-se dizer, é a implementação da
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Promulgada em
2009, ela demora a ser posta em prática. Na verdade, é possível dizer que nos
últimos anos ela anda para trás. Segundo os dados do assessor Luís Eduardo, em
2018, mais de mil municípios haviam feito sua implementação – ou seja, adotado
medidas e ações específicas para garantir a equidade no acesso à saúde da
população negra, seguindo as diretrizes estabelecidas pela política nacional.
Hoje, são apenas 371.
Nestes
dois anos e três meses de reconstrução do MS, passos estão sendo dados, com a
ajuda da assessoria de equidade racial. Em artigo de coautoria de
Hilton, publicado no Outra Saúde, foi feito um mapeamento desses
avanços. “Desde que [Luís Eduardo] foi empossado, ele e sua equipe têm
conduzido diversas iniciativas nacionais e internacionais para promover a
equidade racial na saúde, como o Encontro Nacional de Equidade no Trabalho e
Educação no SUS, a Oficina Técnico-Científica sobre Mudanças Climáticas, Saúde
e Equidade, e o Seminário Saúde sem Racismo”, escrevem os autores.
Mas
esse progresso está sob ameaça, teme Hilton. A complexidade do momento
político, com o avanço global da ultradireita, é o principal risco, para ele:
“A gente tem visto um movimento internacional de desmonte de políticas de ações
afirmativas, de políticas voltadas para a inclusão, e aqui no Brasil isso
também é muito forte. Nós temos determinados setores do Congresso e da política
que são muito reacionários a esse tipo de atuação e de intervenção”.
Para o
professor, o momento é de ação do movimento negro e dos movimentos sociais para
defender a política – somente dessa forma as conquistas poderão ser mantidas e
terão a visibilidade que precisam. Garantir a permanência da equipe da
assessoria, segundo Hilton, é importante nesse sentido. O novo ministro Alexandre
Padilha deve ser sempre relembrado da importância de dar continuidade a essas
iniciativas que foram tomadas durante a gestão de Nísia.
- Relação com os
movimentos sociais
Segundo
relata Maria Zenó Soares da Silva, coordenadora da Federação Nacional das
Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), as portas da nova
assessoria de equidade racial sempre estiveram abertas para os movimentos
sociais. Para ela, após tempos muito difíceis para a saúde da população negra,
a equipe de Luís Eduardo Batista “fez muita diferença, porque é um local para
tratar de temas que antes não eram pautados”.
A
federação que ela integra luta pelos direitos de pessoas com anemia falciforme, uma doença genética que tem maior
prevalência entre pessoas negras, devido à herança genética associada a
ancestrais africanos. Estima-se que cerca de 95% dos casos de doença falciforme
ocorrem nessa população. Maria conta que, devido ao racismo institucional, os
avanços no cuidado de pessoas com a doença ocorrem, historicamente, com uma
lentidão inaceitável.
Ainda
hoje, “é de grande dificuldade o acesso ao tratamento adequado, ao cuidado
integral”. Mesmo atingindo uma população em grande vulnerabilidade, e sendo uma
doença grave, com alta mortalidade e morbidade, não é considerada uma
deficiência – o que barra o acesso dessas pessoas ao Benefício de Prestação
Continuada (BPC), por exemplo, mas também o acesso a cotas de vários tipos,
segundo Maria.
Ela
conta que o diálogo com a assessoria é muito aberto. “A gente sabe que não é
fácil estar neste lugar, mexer no vespeiro do racismo. E quando o ministério
cria essa assessoria, já assumindo que o racismo existe e que alguma coisa deve
ser feita, é algo muito importante”, defende. Maria acredita que é preciso dar
continuidade a esses trabalhos, para que os movimentos não tenham que “começar
do zero” mais uma vez. “Ainda temos muito em que avançar.”
- Política de
saúde quilombola
Luís
Eduardo Batista conta que, entre os atores com quem se reuniu, estavam as
comunidades quilombolas. “Lideranças disseram: faz sentido termos a Política de
Saúde da População Negra (PNASQ), mas as populações quilombolas têm demandas
específicas”, e isso foi acolhido pela ministra, segundo ele. Uma série de
estratégias começam a ser desenvolvidas, e hoje está aberta uma consulta pública para a Política
Nacional de Saúde Integral da População Quilombola.
Segundo
o plano de ação da assessoria, essa política deve ser publicada até o meio do
ano. Hoje, seu texto destaca a importância de reduzir as iniquidades, ampliar o
atendimento por meio da telessaúde, valorizar as práticas culturais e
tradicionais das comunidades quilombolas, combater o racismo ambiental e
garantir a participação no controle do SUS. A consulta pública fica aberta para
contribuições até dia 31/3.
Entre
os objetivos da assessoria para 2025, além de PNASQ, estão a revisão da
Política Nacional das Pessoas com Doença Falciforme; a instalação de Comitês de
Equidade na Rede de Atenção Psicossocial (Raps); o acompanhamento da Rede
Alyne, novo nome da iniciativa que busca reduzir as mortes maternas e ampliar o
acesso a saúde de mães e bebês; além de planos para a educação na saúde, a
resposta a desastres climáticos e a requalificação da Saúde Indígena.
“Ter
ações afirmativas na contratação de pessoal do Ministério da Saúde é estratégico”,
reflete Luís Eduardo, “mas ter a medicação para as pessoas com doença
falciforme é fundamental; ter uma primeira infância antirracista é fundamental;
garantir o respeito às religiões afro-brasileiras nos institutos e nos
hospitais federais é fundamental”.
E nada
disso se concretizará sem a ação da sociedade, reforça Hilton Silva: “Somente
com a mobilização social, com a organização dos movimentos, como tem sido
sempre, é que essas pautas vão continuar a ter a visibilidade que precisam.” E,
sobre o ministro Padilha, ele tem esperança de que haja continuidade: “Eu
acredito que ele tem compromisso com a saúde da população negra, mas é muito
necessário que a gente se mobilize” para continuar demonstrando para ele a
importância da continuidade das iniciativas, defende Hilton.
Fonte:
Por Gabriela Leite, em Outra Saúde

Nenhum comentário:
Postar um comentário