O que presidente de El Salvador ganha ao
receber deportados de Trump?
Contidos
por dois agentes, encurvados e com a cabeça baixa, mãos e pés algemados e
acorrentados.
Assim desceram
do avião, em El Salvador, mais de duas centenas de pessoas deportadas procedentes
dos Estados Unidos, na noite de sábado
para domingo passado (15-16/03). Alguns foram colocados em veículos blindados,
outros em ônibus.
Todos
foram transportados para o Centro de Confinamento do Terrorismo
(Cecot),
a megaprisão símbolo da luta contra as gangues criminosas do governo do
presidente salvadorenho Nayib Bukele.
Lá,
eles tiveram o cabelo cortado e a barba aparada, trocaram suas roupas por
bermuda e camiseta branca e posaram juntos para a fotografia, antes de serem
colocados nas suas celas correspondentes.
Com
estas imagens dignas de um filme de ação, compartilhadas na rede social X,
antigo Twitter, o próprio presidente Bukele anunciou
a chegada dos deportados ao seu país – uma operação levada a cabo poucas horas
depois que um juiz americano suspendeu a deportação pelo governo Donald Trump.
Posteriormente,
veio a informação de que, no voo, haviam chegado 261 imigrantes sem documentos,
238 supostos membros da gangue criminosa venezuelana Trem de Aragua e 23 supostos
membros da gangue salvadorenha Mara Salvatrucha (MS-13).
Mas,
até o momento, apesar da foto onde é possível ver os rostos dos prisioneiros,
suas identidades não foram divulgadas, nem foram exibidas provas da vinculação
dessas pessoas com as gangues criminosas.
"Estes
são monstros enviados para o nosso país pelo corrupto Joe Biden e pelos
democratas radicais de esquerda. Como eles se atreveram?", questionou
Trump no X.
"Obrigado
a El Salvador e, particularmente, ao presidente Bukele, por compreender esta
horrível situação à qual chegamos nos Estados Unidos, pela incompetência da
liderança democrata. Não o esqueceremos!", acrescentou o presidente
americano.
Mas o
que Bukele ganha oferecendo uma "Guantánamo da América Central" para
Trump, como descreveram os especialistas consultados pela BBC?
·
US$ 6 milhões
A
resposta mais óbvia é que El Salvador irá ganhar uma compensação econômica,
como já adiantou o próprio Bukele.
"Os
Estados Unidos pagarão uma tarifa muito baixa por eles, mas alta para
nós", por mantê-los durante um ano no Cecot – um prazo
"renovável", conforme destacou o presidente salvadorenho no X.
"Com
o tempo, estas ações [os pagamentos], combinadas com a produção que já estão
gerando os mais de 40 mil presos em diversas oficinas e trabalhos, como parte
do programa Zero Ócio, irão ajudar nosso sistema penitenciário a se tornar
autossustentável", explicou Bukele.
"Atualmente,
seu custo soma US$ 200 milhões [cerca de R$ 1,1 bilhão] por ano",
acrescentou ele, sem especificar qual seria o valor da compensação americana.
A troca
de presos por dinheiro foi um acordo firmado entre Bukele e o secretário de
Estado americano, Marco Rubio, durante sua visita a El Salvador, como parte da
sua viagem pela América Central e região
do Caribe, no mês passado.
"É
um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo", descreveu, na
época, o chefe da diplomacia americana.
Rubio
destacou que El Salvador se ofereceu a receber "criminosos perigosos"
que estivessem sob custódia ou cumprindo condenação, "mesmo que sejam
cidadãos americanos ou residentes legais".
Bukele
e Rubio discutiram os detalhes das possíveis deportações durante uma reunião
que durou mais de três horas.
Segundo
documentos internos do governo americano, obtidos pela agência de notícias
Associated Press (AP), o acordo incluiria um pagamento anual de US$ 20 mil
(cerca de R$ 113,4 mil) por preso. Este valor totalizaria cerca de US$ 6 milhões
(cerca de R$ 34 milhões) para as pessoas deportadas no fim de semana.
Os
relatórios em mãos da AP também indicam que o Departamento de Estado reservaria
até US$ 15 milhões (cerca de R$ 85,1 milhões) para pagamento a El Salvador por
este "serviço".
·
O 'favor de Trump'
"Bukele
consolidou sua aliança com Trump, que o descreveu quase como seu filho
favorito, um modelo em nível regional", declarou à BBC News Mundo (o
serviço em espanhol da BBC) o pesquisador Christopher Sabatini, do Programa da
América Latina, Estados Unidos e Américas do think tank (centro de pesquisa e
debates) Chatham House, quando questionado sobre o acordo para receber pessoas
deportadas de outros países.
Bukele
é "o líder mais forte em segurança da nossa região", declarou Marco
Rubio no domingo (16/3), depois de materializado o acordo. Ele o descreveu como
"um grande amigo dos Estados Unidos".
Para
Sabatini, o presidente salvadorenho também "conquistou o silêncio" do
governo americano sobre suas controvertidas políticas de segurança, que
reduziram dramaticamente os homicídios no país, à custa de colocar El Salvador
entre os países com índices de detenção mais altos do mundo, além de um estado
de exceção que já dura três anos.
"Iremos
ouvir poucas críticas ao modelo Bukele, vindas dos Estados Unidos",
declarou à BBC News Mundo o diretor do Programa América Latina do Centro
Wilson, Benjamin Gedan. "Não se irá falar de democracia ou direitos
humanos em El Salvador, questões que incomodavam o governo Biden."
"Com
toda a certeza, Bukele conquistou o favorecimento do governo americano",
concorda Juanita Goebertus, diretora da Divisão Américas da organização Human
Rights Watch (HRW).
"Mas
também e mais amplamente, ele se consolida como parte de uma aliança
geopolítica, na América Latina e nos Estados Unidos, de governos de
direita, que restringem claramente os direitos humanos e apresentam tendência
autoritária, que apostam na criação de políticas à margem da independência do
Poder Judiciário, até mesmo desconhecendo suas ordens", declarou ela à
BBC.
Ela se
refere à forma em que, poucas horas antes que o voo com deportados aterrissasse
em El Salvador, o juiz do Distrito de Columbia, James Boasberg, bloqueou
temporariamente a aplicação da Lei de Inimigos Estrangeiros aos cidadãos
venezuelanos supostamente vinculados com o Trem de Aragua.
Dos 261
migrantes sem documentos que chegaram ao território salvadorenho, 137 foram
deportados com base naquela legislação do século 18, que permite a expulsão de
inimigos dos Estados Unidos, em tempos de guerra.
Outros
101 eram venezuelanos deportados de acordo com o Título 8 (uma regra
migratória) e outros 23 salvadorenhos eram supostamente integrantes da MS13.
O juiz
Boasberg também determinou verbalmente, no sábado, o regresso imediato dos voos
que já tivessem saído dos Estados Unidos. Mas a Casa Branca declarou que a
ordem do magistrado chegou quando o avião já havia abandonado o espaço aéreo
americano.
A
secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, divulgou esta
informação e acrescentou, em um comunicado emitido no domingo, que a suspeita
de que o poder Executivo americano teria decidido desafiar o Judiciário
"não tem base legal".
Segundo
ela, os tribunais federais "não possuem jurisdição" sobre as decisões
do presidente sobre política externa.
"Um
único juiz, de uma única cidade, não pode determinar o rumo de uma aeronave
repleta de terroristas estrangeiros, expulsos fisicamente do solo
americano", destacou a porta-voz.
Por
outro lado, o governo venezuelano repudiou energicamente a deportação com base
na Lei de Inimigos Estrangeiros, considerando que a decisão é
"anacrônica" e "viola os direitos humanos".
"A
República Bolivariana da Venezuela rejeita, de forma categórica e contundente,
a decisão do governo dos Estados Unidos, que criminaliza, de forma infame e
injusta, a migração venezuelana, em um ato que evoca os episódios mais obscuros
da história da Humanidade, desde a escravidão até o horror dos campos de
concentração nazistas", diz o comunicado.
·
'Guantánamo da América Central'
Paralelamente,
a Human Rights Watch denuncia que nenhum dos dois governos, americano e
salvadorenho, divulgou a identidade dos cidadãos expulsos, nem exibiu nenhuma
evidência de sua suposta vinculação a atividades criminosas. A organização
afirma que este já é um "padrão" entre as deportações ordenadas por
Donald Trump.
"No
caso dos venezuelanos enviados para Guantánamo [em Cuba], que
depois foram devolvidos para a Venezuela, conseguimos comprovar que pessoas
acusadas de serem criminosos, na verdade, não tinham nenhum tipo de antecedente
penal", declarou Juanita Goebertus.
Este
tipo de procedimento parece se repetir de forma generalizada no interior dos
Estados Unidos.
A rede
de TV americana NBC noticiou que, dos 4.422 cidadãos presos pelo Serviço de
Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês) nas duas
primeiras semanas de fevereiro, 1,8 mil (cerca de 41%) não receberam
condenação, nem possuem acusações pendentes perante a Justiça.
"E,
neste caso concreto, é muito preocupante que eles estejam sendo enviados para
El Salvador, um país no qual já pudemos documentar que, durante os três anos do
regime de exceção sob o governo Bukele, o sistema penitenciário e carcerário
comete violações massivas dos direitos humanos", alerta Goebertus.
"Bukele
está se oferecendo como uma espécie de Guantánamo da América Central",
denuncia Juan Pappier, subdiretor da Divisão Américas da HRW.
"As
pessoas que são enviadas para os centros de detenção de El Salvador perdem toda
a comunicação com o mundo exterior e não têm acesso real aos recursos
judiciais", segundo ele.
Sua
organização já documentou mais de 300 casos de morte sob a custódia do Estado
salvadorenho durante o regime de exceção. Eles garantem que 83 mil pessoas
foram detidas sem processo devido.
Os
relatos de outras entidades de defesa dos direitos humanos, nacionais e
internacionais, relatam esta mesma realidade. O governo salvadorenho nega as
acusações.
As
investigações mencionam detenções sem mandado de prisão e evidências de
torturas, tratos cruéis e degradantes, isolamento e falta de acesso a advogados
e familiares.
"E,
agora, receamos que estas condições estejam também se estendendo aos deportados
venezuelanos", alertam os diretores da Human Rights Watch.
·
'Silenciar os líderes da MS13'
Para
Pappier, haveria mais um ganho para Bukele na operação definida entre os dois
países, que estaria passando despercebido. Ele se refere às deportações de
supostos membros da Mara Salvatrucha.
"É
claro que as atrocidades cometidas pela MS13 devem ser judicializadas e que
deve haver justiça para suas vítimas", esclarece o subdiretor da Human
Rights Watch. "Mas as extradições teriam o efeito de silenciar os líderes
da MS13 que poderiam testemunhar sobre os acordos da gangue com o governo de
Bukele."
O
comentário de Pappier remonta a março de 2022, quando El Salvador sofreu 76
assassinatos em apenas 48 horas. Investigações dos meios de comunicação, como o
portal El Faro, indicaram que a onda de homicídios foi resultado da ruptura de
um suposto pacto entre o governo e a MS13.
A
própria promotoria dos Estados Unidos, quando o democrata Joe Biden estava à
frente do governo, mencionou este diálogo em uma acusação contra os líderes da
gangue. Mas o Executivo salvadorenho sempre negou ter levado a cabo qualquer
negociação.
¨
Claudia Sheinbaum denuncia guerra digital contra governo
mexicano
Com a intenção de promover a ideia de que o
México é um narcoestado, uma guerra digital está sendo travada, após a
descoberta de um campo de extermínio em Teuchitlán, Jalisco, para vincular
Claudia Sheinbaum e o governo mexicano ao crime organizado, denunciou a
presidente.
A oposição ao governo assumiu a tarefa de
espalhar uma tendência falsa por meio da “compra de bots”, ou seja, contas que
não pertencem a pessoas reais e recursos de origem incerta.
Após a descoberta do caso Teuchitlán, tanto a
presidente quanto o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador foram alvo de uma
série de ataques cibernéticos entre os dias 12 e 17 de março.
Os criminosos cibernéticos investiram quase
20 milhões de pesos em uma guerra por meio de contas automatizadas de mídia
social.
“A realidade é que as pessoas no nosso país
são muito conscientes e ninguém mais acredita nelas. No entanto, devemos
continuar a reportar os fatos, declarou Sheinbaum.
Tudo isso foi revelado pela presidente que
apresentou um relatório detalhado sobre todos os movimentos nas redes sociais e
que, além disso, 20% dos cidadãos mexicanos usam a plataforma X, o que valida o
fato de que é uma minoria a responsável pela campanha cibernética.
“O caso Teuchitlán foi manipulado com o uso
de bots para gerar uma narrativa inorgânica que busca envenenar a conversa,
atacando a mandatária e o presidente López Obrador”, acrescentou.
“A este panorama devemos acrescentar que a
promoção por parte da oposição tem sido, no mínimo, extrema, como é o caso do
filiado desta posição Xóchitl Gálvez; figuras internacionais de extrema direita
como o espanhol Agustín Antonetti e o venezuelano Eduardo Menoni; bem como
contas da Colômbia, Espanha e EUA, todas apoiadas por um orçamento que, ao
longo de quatro dias, desperdiçou um milhão de dólares em atividades
antigovernamentais no ambiente digital”, denunciou ela.
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Além do pronunciamento sobre um narcoestado,
também surgiram notícias falsas sobre a realidade da América Latina e do
Caribe, disse a presidente.
Fonte: BBC News Mundo/Opera Mundi
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