quarta-feira, 19 de março de 2025

Lula propõe ao Congresso dar isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso nesta terça-feira (18) o projeto de lei que dá isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil por mês e prevê desconto parcial para quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil mensais, o que reduzirá o valor a ser pago. As medidas, se aprovadas, valem a partir de 2026.

Ainda este ano, o governo quer aumentar para R$ 3.036 (dois salários mínimos) a faixa de isenção do IR, que atualmente está em R$ 2.824. A mudança também precisa passar pelo Congresso.

No caso da isenção, se aprovada, cerca de 10 milhões de contribuintes devem deixar de pagar IR a partir de 2026.

🔎Veja o que deve mudar:

•        Renda mensal de R$ 5 mil: desconto de 100%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 312. Com o desconto, o pagamento é zero.

•        Renda mensal de R$ 5,5 mil: desconto de 75%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 436,79. Com o desconto, R$ 203,13.

•        Renda mensal de R$ 6 mil: desconto de 50%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 574,29. Com o desconto, R$ 417,85.

•        Renda mensal de R$ 6,5 mil: desconto de 25%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 711,79. Com o desconto, R$ 633,57.

•        Renda mensal de R$ 7 mil: desconto de zero. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 849,29. Nessa faixa de renda, esse valor terá de ser pago na íntegra.

🔎E quem ganha mais de R$ 7 mil?

Pela proposta do governo, quem está entre os R$ 7 mil e os R$ 50 mil mensais continuará seguindo a tabela do Imposto de Renda nos moldes atuais.

Ou seja, não terá direito aos novos benefícios – mas também não será alvo da taxação adicional.

O texto do governo não altera os valores atuais da tabela do IR. Apenas prevê que a faixa de isenção volte a ser de dois salários mínimos ainda este ano.

🔎Mudança para os super-ricos

Para compensar a perda de arrecadação, estimada em R$ 27 bilhões em 2026, a proposta prevê taxar quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano. A alíquota será gradual até 10% para quem ganha R$ 1,2 milhão ou mais por ano.

O valor inclui salário, aluguéis, dividendos de empresas pagos a acionistas e outros rendimentos.

E exclui do cálculo poupança, títulos isentos, herança, aposentadoria, pensão de moléstia grave, venda de bens, outros rendimentos mobiliários isentos, indenizações.

A proposta de aumentar impostos dos super-ricos sofre resistência de parlamentares.

🪜A tributação será em "escadinha":

•        Renda anual entre R$ 600 mil e R$ 750 mil: alíquota de 2,5%, imposto mínimo a pagar de R$ 18.750

•        Renda anual entre R$ 750 mil e R$ 900 mil: alíquota de 5%; imposto mínimo a pagar de R$ 45 mil

•        Renda anual entre R$ 900 mil e R$ 1,05 milhão: alíquota de 7,5%, imposto mínimo a pagar de R$ 78,75 mil

•        Renda anual entre R$ 1,05 milhão e R$ 1,2 milhão: alíquota de 10%, imposto mínimo a pagar de R$ 120 mil

🔎De olho na classe média

O aumento da isenção do IR, que beneficia a classe média, é uma aposta do governo para tentar melhorar a popularidade do presidente Lula.

O presidente assinou o texto na solenidade e entregou, simbolicamente, ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) – por onde o projeto deve começar a tramitar.

Ministros e líderes do governo também participaram do evento. Esperado no ato, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), estava em uma solenidade em homenagem aos 40 anos da redemocratização e não compareceu.

"Muita gente criticou a proposta, considerou inexequível, mas estamos seguros de que estamos no caminho para começar a reverter a péssima distribuição de renda do país", afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Em discurso, Lula disse que o projeto é como "dar um presente para uma criança" e que "não vai machucar ninguém, não vai deixar ninguém pobre".

"Não vai fazer com que os que contribuem deixem de comer sua carne, sua salada, seu camarão, sua lagosta, seu filé mignon. Mas vai permitir que o pobre possa comer um pouco de carne, seja músculo, alcatra, contrafilé ou fígado", disse Lula.

Haddad afirmou que o projeto, se aprovado como está, deve "afetar" negativamente 100 mil pessoas – são aquelas com rendas mais altas, que passarão a pagar mais impostos. Em compensação, o texto vai beneficiar 20 milhões de pessoas, que pagarão menos imposto.

"Coloca um enfrentamento decisivo para nós brasileiros, queremos estar também entre as nações mais justas", afirmou o ministro da Fazenda

🔎'Congresso fará alterações'

Em discurso após a fala de Haddad, Hugo Motta afirmou que o Congresso terá "lealdade" com o governo – mas não deixará de fazer mudanças no texto e de cobrar responsabilidade fiscal.

"O senhor terá de nós a lealdade na tramitação da matéria, mas sempre buscando trazer a verdade nessa relação. O Congresso, na sua diversidade, fará alterações nessa matéria. Alterações que com certeza visarão melhorar a proposta", disse Motta.

O projeto foi anunciado no fim de novembro do ano passado, junto com medidas de cortes de gastos, porém repercutiu mal no mercado financeiro, auxiliando na disparada da cotação do dólar.

O governo optou por segurar o envio ao Congresso. Esperou a troca do comando da Câmara e do Senado, refez cálculos e decidiu enviar formalmente o projeto nesta terça.

🔎Aumento da faixa de isenção

Segundo a advogada trabalhista Paula Borges, da Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, o trabalhador beneficiado pela lei deverá passar a receber um salário líquido maior quando a nova faixa de isenção entrar em vigor, já que não sofrerá o desconto do Imposto de Renda.

Em geral, o Imposto de Renda é recolhido na fonte – ou seja, descontado direto no salário. O trabalhador já recebe o valor líquido, sem o imposto.

A cada ano, o contribuinte ajusta esse cálculo ao declarar o imposto à Receita Federal. Nesse processo, pode receber uma restituição (se tiver recolhido imposto a mais) ou ter que complementar o imposto retido.

•        Possíveis impactos

O governo federal estimou a perda de arrecadação com a isenção do IR para rendimentos em R$ 27 bilhões em 2026.

Na prática, o que as pessoas vão deixar de pagar em imposto deve significar uma injeção adicional de recursos na economia, com efeito sobre o consumo das famílias, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a inflação e a taxa de juros, observaram os economistas da MCM Consultores, em um estudo divulgado na semana passada.

Segundo a equipe da MCM, como a economia brasileira já está atualmente superaquecida, o choque esperado no consumo das famílias pode resultar em que o Banco Central não tenha espaço para reduzir a taxa básica de juros em 2026 ou pode até ter que ajustar um pouco para cima a taxa, para combater os efeitos da injeção de recursos na economia sobre a inflação.

Isso porque, com mais dinheiro no bolso, as famílias vão às compras, pressionando a demanda e os preços dos produtos.

Estudos realizados pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) antes da proposta do governo ser encaminhada ao Congresso mostraram que a isenção do IR até R$ 5 mil beneficia grupos já privilegiados da sociedade.

Segundo os pesquisadores, é preciso que a medida de fato seja combinada com uma maior tributação do topo para que não haja uma piora na desigualdade do país.

"Atualmente, temos mais ou menos 22% da população pagando Imposto de Renda, e com a mudança da regra vai ter só 8%", destacou Luiza Nassif Pires, diretora do Made-USP e professora do Instituto de Economia da Unicamp, em entrevista à BBC News Brasil em dezembro.

"Então, tem um problema que, apesar da sensação de que aumentar a isenção até R$ 5 mil é algo que distribuiria renda para a base, na verdade, isso é uma distribuição de renda para uma classe média já mais no topo da pirâmide", completou a pesquisadora.

Também em entrevista à BBC, Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, criticou o fato de a mudança do IR ter sido anunciada junto ao pacote fiscal do governo.

"O ministro [Haddad] tem dito que tem como objetivo fazer uma grande reformulação dos impostos de renda, com vistas a reduzir o grau de regressividade e talvez tornar os impostos de renda brasileiros mais progressivos. O ministro está absolutamente correto. Agora, isso demandaria uma revisão mais ampla de todos os impostos de renda. Não é isso que foi feito", observou Pessôa, em conversa com a BBC em novembro.

"O que foi feito é uma medida que, no meu entender, é eleitoreira para que o presidente consiga que uma parte da população, cuja maioria não votaria com ele, passe a votar com ele em 2026", acrescentou o economista.

Para Pessôa, será fundamental acompanhar a tramitação do projeto no Congresso.

"O grande medo que fica é o Congresso aprovar a isenção, o aumento da tabela do Imposto de Renda, e não aprovar o imposto sobre os ricos. Aí cria um desequilíbrio fiscal, agrava o problema", observou o economista.

 

Fonte: g1/BBC News Brasil

 

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