Estudo alerta para o problema da dupla carga
de má nutrição em crianças da Amazônia
Um estudo coordenado pela Fiocruz Amazônia
sobre o problema da dupla carga de má nutrição em crianças das zonas rural e
urbana de municípios com difícil acesso do Amazonas acende um alerta para a
situação de crianças menores de 5 anos, especialmente das mais vulneráveis em
contexto de crise climática, pois são esperados impactos diretos sobre o
crescimento e desenvolvimento dessas crianças, além de efeitos negativos
tardios na vida adulta. O estudo, publicado recentemente pela revista
científica Frontiers Public Health, foi realizado por pesquisadores de diversas
instituições, a exemplo da Universidade de Lancaster (Reino Unido),
Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (Arábia Saudita),
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e
Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com o epidemiologista e pesquisador
da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana, o trabalho teve como foco, de um lado, a
avaliação da dupla carga de má nutrição em crianças menores de 5 anos de zonas
remotas da Amazônia brasileira, bem como a aplicação de um método para estimar
problemas de saúde de baixa ocorrência (prevalência) e em populações
relativamente pequenas, tal como recorrentemente observado, na realidade de
municípios do interior do estado do Amazonas – Jutaí, Ipixuna, Maués e
Caapiranga – e em dezenas de comunidades rurais.
“O foco do artigo foi no conceito de dupla
carga de má nutrição, ou seja, quando uma criança tem, ao mesmo tempo, excesso
de peso e baixa estatura para a idade. Em outras palavras, gordinha e baixinha,
ao mesmo tempo. Além do diagnóstico nutricional inédito do problema, inovamos
na análise dos dados, pois usamos modelos que ajudaram a superar um conhecido
problema em populações de menor porte, o de estimar eventos cuja ocorrência populacional
é baixa em termos proporcionais”, explica Orellana, que é chefe do Laboratório
de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (LEGEPI) da
Fiocruz Amazônia, com sede em Manaus.
De acordo com o artigo científico, a dupla
carga latente de má nutrição (DCLMN) no mesmo indivíduo é uma preocupação de
saúde pública negligenciada, especialmente em países de baixa e média renda
(LMICs) e que tende ao agravamento com o aprofundamento da crise climática e da
mudança de estilo de vida das crianças, especialmente sobre os mais
vulneráveis. “A DCLMN está associada a riscos aumentados de doenças não
transmissíveis, complicações no parto e custos de saúde relacionados à
obesidade na idade adulta. No entanto, avaliar desfechos (problemas/condições de
saúde) de baixa prevalência em populações relativamente pequenas segue sendo um
desafio difícil de superar, usando estatísticas frequentistas convencionais.
Por este motivo, nosso estudo usou modelos bayesianos latentes para estimar a
prevalência de DCLMN em pequenas populações de cidades remotas e comunidades
rurais na Amazônia brasileira”, evidencia o estudo.
• Crianças
de 6 a 59 meses
A pesquisa se constituiu em um abrangente
estudo transversal, realizado com crianças urbanas e rurais de 6 a 59 meses de municípios
remotos e geograficamente distantes entre eles, “iniciativa não tão comum na
Amazônia brasileira, devido, sobretudo, aos seus elevados custos operacionais,
de financiamento e, mais recentemente, de segurança das equipes de pesquisa,
devido à presença cada vez mais intensa de criminosos, como piratas de rio,
grileiros e garimpeiros ilegais, por exemplo”, observa o pesquisador. Foram
avaliados quatro municípios dependentes de rios, recrutando crianças em
domicílios selecionados aleatoriamente em cada cidade e um total de 60
comunidades ribeirinhas nos municípios selecionados. “Por meio da modelagem
bayesiana, estimamos a prevalência de dupla carga latente de má desnutrição
(DCLMN) e seus intervalos de credibilidade (IC), bem como probabilidades de excedência
para certos valores de DCLMN”, pontua a publicação.
Como resultado, a pesquisa apontou que a
prevalência rural de DCLMN foi significativamente maior em Jutai (3,3%; IC:
1,5% a 6,7%), em comparação com Maués e Caapiranga. A probabilidade de a prevalência
rural de DCLMN exceder 1% foi muito alta em Jutai (99,7%) e alta em Ipixuna
(63,2%). As probabilidades de a DCLMN superar o valor de 1% variaram amplamente
entre as subpopulações urbanas, com valores indo de 6,7% em Maués a 41,2% em
Caapiranga. Por outro lado, a probabilidade de a DCLMN superar os 3,0% foi alta
na zona rural de Jutaí (59,7%).
Segundo Orellana, a abordagem inovadora usada
no artigo tem implicações importantes, entre elas a possibilidade de permitir
estimativas mais precisas sobre problemas de saúde diversos com baixa
prevalência e em populações relativamente reduzidas, além de fortalecer o
monitoramento da DCLMN, especialmente onde a saúde e o estado nutricional são
frequentemente mais precários, e os esforços de saúde pública costumam focar na
desnutrição.
Fonte: Por Júlio Pedrosa, Fiocruz Amazônia
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