Cortina
verde e educação ambiental: as soluções para o calor extremo nas escolas
AS
TARDES de calor insuportável transformaram o Centro Educacional Agrourbano Ipê,
escola de ensino médio e fundamental no Distrito Federal. Em busca de soluções
sustentáveis para amenizar as altas temperaturas, alunos e professores se
envolveram na instalação de “cortinas verdes” contra o sol. A iniciativa não
apenas trouxe conforto para as aulas, como reforçou a importância da educação
ambiental.
“Além
de ficar bonito, funcionou. Tanto que hoje estamos começando outra cortina
verde para amenizar o calor na biblioteca”, conta a diretora Sheila Pereira da
Silva Mello.
Os
recordes de calor no Brasil e no mundo têm levantado questionamentos sobre como
as escolas estão preparadas para enfrentar essa realidade. O ano passado
registrou as temperaturas mais altas da história, condição que compromete o
trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos. Mas a maioria das
instituições de ensino brasileiras carece de infraestrutura para garantir o
conforto térmico.
Para
mitigar esse problema, especialistas e educadores defendem soluções que vão
além da instalação de aparelhos de ar-condicionado. Alternativas como a
implementação de áreas verdes, menos alunos por sala de aula, arquitetura que
priorize a circulação natural de ar, fornecimento de água potável e o uso de
cortinas verdes podem contribuir para um ambiente escolar mais agradável e
sustentável.
A
climatização artificial das escolas, embora eficaz, também tem impactos
ambientais relevantes. Estudos do National Renewable Energy Laboratory e do
Observatório Regional de Energias Renováveis da Cepal apontam que o uso massivo
de ares-condicionados é responsável por 4% a 8% das emissões globais de gases
de efeito estufa. Assim, investir em soluções naturais e de longo prazo é
fundamental para equilibrar conforto e sustentabilidade. E a educação ambiental
é central nesse processo, segundo os educadores ouvidos pela Repórter Brasil.
No
centro educacional Ipê, a ideia das cortinas verdes surgiu em 2018, a partir de
uma demanda dos estudantes do sexto ano do fundamental, que buscavam atenuar o
calor na escola, cuja rede elétrica não suporta a instalação de
ares-condicionados e ventiladores. Depois de pesquisas e discussões, eles
decidiram plantar tumbérgias-azuis, uma espécie de trepadeira, em alambrados de
três metros de altura próximos às janelas de duas salas de aula.
O
resultado superou as expectativas. Com um ano, já era possível perceber a
diferença, e, dois anos depois, quando as plantas cobriram totalmente os
suportes, a temperatura no interior das salas ficou, em média, 5ºC menor. As
medições eram realizadas durante as aulas de matemática.
A
diretora observa que a educação ambiental tem desenvolvido uma consciência
sustentável entre os estudantes. “É possível perceber isso pela maneira como
eles cuidam da escola, como se organizam para dar continuidade aos projetos,
como pensam no sentido de que, se não fizermos alguma coisa, o futuro não vai
ser legal.”
A
localização da escola em uma unidade de conservação é uma das motivações para
incorporar projetos ecológicos no cotidiano escolar, segundo Sheila. Há 15 anos
a escola entrou para o Programa Escolas Sustentáveis do governo federal. Desde
então, várias iniciativas saíram do papel.
“Deu
tão certo que, a cada ano, a escola inicia um projeto ambiental diferente, com
a participação de toda a comunidade escolar”, diz a diretora.
Um
deles foi a implementação de uma agrofloresta, sistema que combina vegetação
florestal e culturas agrícolas, conciliando conservação e produção com base em
princípios agroecológicos. O adubo usado é feito a partir dos restos de
alimentos da merenda escolar, processados em uma composteira e um minhocário.
“Plantamos árvores e semeamos culturas como mandioca, banana, limão e laranja”,
explica a diretora. A iniciativa se estendeu para o entorno, apoiando
familiares dos alunos e outros pequenos agricultores a implementarem
agroflorestas em suas propriedades.
• Educação ambiental nos mangues de
Vitória (ES)
A
escola municipal de educação infantil Jacyntha Ferreira de Souza, em Vitória
(ES), promove há muito anos educação ambiental para seus alunos. Situada no
bairro de Goiabeiras, a unidade fica próxima ao manguezal do rio Santa Maria,
cuja preservação é foco de um dos projetos desenvolvidos pela professora
Fabíola Fraga.
Em
2012, Fabíola e seus alunos visitaram o local e se depararam com muito lixo e
esgoto. Então, decidiram fazer algo a respeito. “Eram crianças de cinco anos,
mas já com uma criticidade muito aflorada. Eu escrevi uma parte das ideias, com
base no que eles falavam. Alguns quiseram escrever eles próprios, embora ainda
estivessem aprendendo, e outros fizeram desenhos.”
Elas
afixaram placas com mensagens de conscientização na beira do rio e elaboraram
uma carta de seis metros de comprimento, apresentada na Rio+20 (Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável). Mas, ao fim do mesmo ano,
ainda havia lixo no manguezal.
Os
estudantes quiseram enviar a carta à presidente da República na época, mas a
professora propôs acionar os vereadores de Vitória. “Expliquei o que os
vereadores faziam e as crianças responderam: ‘Então vamos fazer uma lei!” Após
Fabíola peregrinar atrás dos políticos, em dezembro de 2013 foi aprovada na
Câmara uma lei que instituía o Dia Municipal do Manguezal. Todo 26 de julho,
são realizados eventos e ações pedagógicas sobre o tema.
Para a
professora, ao incluir a realidade do território na educação, as crianças
começam a ampliar seus horizontes. “O manguezal se interliga com os rios e os
mares. Em Vitória, é um ecossistema que compõe a Mata Atlântica. Se você
trabalha com o manguezal, trabalha todos os ecossistemas. Isso é educação
ambiental”, reflete a professora. “E quando você envolve uma comunidade
escolar, está plantando uma semente. Muitos anos depois, voltei com outras
crianças lá e encontrei a orla revitalizada.”
Para
ela, a educação ambiental proporciona uma visão de longo prazo a partir do
olhar da criança, que vai evoluindo, o que permite tratar do problema do calor
em sala de aula para além do ar-condicionado. “Será que a gente resolve somente
climatizando? A criança que está atuando no manguezal, que entende que aquele
caranguejinho não pode ser capturado, vai entender que um cachorrinho passando
na rua e morrendo de sede por causa desse calor insuportável não é algo que se
possa ignorar, que é preciso que sejam feitas políticas, mas com olhar
abrangente”, defende.
• Projetos de lei propõem soluções para
além da climatização
A
incorporação da educação ambiental no currículo nacional é um dos pontos
defendidos pelo PL (Projeto de Lei) 1.022/2024 que tramita na Câmara dos
Deputados e propõe a criação de um programa de enfrentamento à crise e
emergência climática nas unidades de ensino públicas de todos os níveis.
Protocolado
em março de 2024 pela deputada federal Luciene Cavalcante (Psol-SP), o projeto
defende ainda a readequação arquitetônica dos prédios, a cobertura de quadras
poliesportivas, a arborização das áreas escolares, o abastecimento universal de
água potável e o limite de 25 alunos por sala, entre outros pontos.
“Se as
escolas fossem adaptadas com outra infraestrutura, talvez não se precisasse
tanto de ar-condicionado, que, até de forma contraditória, demanda certo uso de
energia. Precisamos trabalhar na urgência, mas a refrigeração não pode ser algo
tido como ideal”, argumenta Cavalcante.
A
parlamentar defende uma educação que ensine outro tipo de relação com o meio
ambiente, para mudar a maneira “como consumimos e vivemos no nosso planeta.”
Ela diz que seu mandato vem cobrando do MEC (Ministério da Educação) a criação
de um plano emergencial de enfrentamento à crise climática nas escolas.
Questionada,
a pasta respondeu que tem trabalhado na implementação de políticas e ações “para
lidar com as variações climáticas e o consequente aumento das temperaturas
médias”, incluindo apoio técnico e financeiro “para reorganização curricular em
contextos de emergência climática”. Veja a nota na íntegra aqui.
A
incorporação das mudanças climáticas nos currículos é foco também do PL
2963/2023, da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), e do PL 4749/2023, da
deputada federal Ana Pimentel (PT-MG).
Para
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, os professores têm papel fundamental nesse debate e precisam ter
acesso à formação continuada sobre o tema. Por outro lado, eles devem “integrar
a justiça climática em suas práticas pedagógicas”, incorporando, por exemplo,
as práticas e conhecimentos dos povos tradicionais e indígenas, que possuem
“relação histórica de respeito e preservação do meio ambiente.”
“Essas
comunidades são vistas como agentes essenciais na educação ambiental e na
promoção de uma sociedade mais justa. O Brasil, especialmente, deve muito a
esses grupos e deve valorizá-los em suas políticas públicas, inclusive
educacionais”, defende.
• Ventilação natural e a ‘sauna’ das
‘escolas de lata’
A
adequação estrutural das unidades de ensino diante das mudanças climáticas é um
dos objetivos do promotor de Justiça Bruno Orsini Simonetti, do Geduc (Grupo de
Atuação Especial de Educação), do MP-SP (Ministério Público do Estado de São
Paulo).
Com
apoio do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o grupo vai avaliar a
construção de novas escolas e as condições das unidades já existentes no
estado.
Um dos
alvos da iniciativa é substituir as “escolas de lata”. Chamadas oficialmente de
“padrão Nakamura” pela Secretaria da Educação de São Paulo (Seduc-SP), essas
unidades são construídas com chapas de aço, tornando-se verdadeiras “saunas”
nos dias mais quentes.
Elas
foram adotadas em 1998 pelo governo Mário Covas (PSDB) e deveriam ser
provisórias, mas em 2023 ainda havia 65 delas no estado, segundo informações da
pasta na época.
Naquele
ano, o MP paulista recomendou ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos)
um plano de substituição, pois essas escolas não são acessíveis a pessoas com
deficiência nem possuem espaços como bibliotecas, salas de informática,
laboratório de ciências e quadras poliesportivas, além de não garantirem o
conforto térmico e acústico.
Em nota
à reportagem, a Seduc-SP afirmou que essas escolas passaram por reforma “para
melhorar o conforto ambiental, com ênfase no conforto térmico e acústico”,
seguindo orientações do IPT. A pasta disse ainda que tem realizado adequações
na rede de ensino para enfrentar o calor extremo, incluindo investimentos de R$
300 milhões em obras de climatização no ano passado.
“Todos
os prédios da rede foram construídos de acordo com as normas vigentes à época
de sua construção, obedecendo a parâmetros de ventilação e conforto térmico. A
construção das novas unidades escolares previstas está sendo projetada
considerando a inclusão de sistemas de climatização adequados à nova realidade,
diz o texto. Leia a nota na íntegra aqui.
É
preciso agir o quanto antes porque as mudanças climáticas estão afetando o
acesso, a permanência e a aprendizagem na educação, defende a especialista em
educação Sofia Lerche Vieira, professora da UECE (Universidade Estadual do Ceará).
Ela
destaca alguns impactos recentes, como a seca pronunciada na Amazônia em 2024,
que afetou crianças que dependem do transporte fluvial, e também as chuvas
torrenciais no Rio Grande do Sul. “As aulas no ensino público foram suspensas
não só por causa das enchentes em si, mas também porque as unidades foram
usadas como abrigo”, relembra Sofia, autora de artigo sobre o impacto das
mudanças climáticas na educação.
Para
ela, o Brasil deveria criar uma política nacional de mudanças climáticas e
educação que norteie as ações necessárias e garanta recursos para
implementá-las.
“Nós
vamos botar ar-condicionado em todas as escolas? Provavelmente não. É preciso
pensar em soluções que impliquem em criar um ambiente biologicamente mais
sustentável para as escolas, com iniciativas como hortas, plantio de árvores e
tratamento de resíduos”, finaliza.
Fonte:
Repórter Brasil
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