COP 30: as duras críticas às políticas
ambientais do Brasil publicadas em importante jornal científico
"Como anfitrião, o Brasil não está
liderando pelo exemplo."
Oito meses antes da Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, que será realizada em
novembro na cidade Belém do Pará, a atuação do governo brasileiro virou alvo de
críticas num editorial da prestigiada revista científica Science.
Assinado pelos cientistas Philip Fearnside,
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e Walter Leal Filho, da
Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, na Alemanha, o texto aponta
que, "com exceção do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas,
virtualmente todos os setores do governo promovem atividades que aumentam as
emissões de gases do efeito estufa".
Como exemplo, eles citam o projeto do
Ministério dos Transportes de recuperar a BR-319, que vai de Manaus, no Estado
do Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia.
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Segundo os autores, a restauração dessa
rodovia pode "abrir grandes áreas da Floresta Amazônica à entrada de
desmatadores".
"Essa vasta região que será exposta
pelas estradas contém carbono suficiente para empurrar o aquecimento global a
um ponto irreversível", alertam eles.
Fearnside e Leal Filho também citam o
subsídio oferecido pelo Ministério da Agricultura para "transformar
pastagens em plantações de soja". Segundo eles, esse é outro elemento
incentivador do desmatamento.
"Quando a terra se torna mais valiosa
para o plantio de soja, pecuaristas (incluindo aqueles que vêm de fora da
Amazônia) vendem a terra para agricultores e usam os lucros para comprar áreas
maiores e mais baratas em regiões remotas da Amazônia", argumentam eles.
"Cada hectare de pasto convertido em
plantação de soja pode gerar muitos hectares de desmatamento."
Os autores do editorial ainda citam a ação do
Ministério de Minas e Energia para a abertura de novos campos de exploração de
petróleo e gás na Floresta Amazônica e em regiões costeiras — incluindo os
planos para avaliar o potencial energético na foz do rio Amazonas.
Os especialistas avaliam que o plano
brasileiro de continuar a buscar novos poços de petróleo até o país alcançar o
nível econômico de países desenvolvidos é "a fórmula para um desastre
climático".
Eles lembram que, em 2021, a Agência
Internacional de Energia se mostrou favorável a não abrir qualquer novo ponto de
exploração de gás ou petróleo, além de restringir a extração nos campos já
abertos. A proposta da instituição é acabar com esse tipo de atividade até
2050.
Para Fearnside e Leal Filho, os estudos sobre
petróleo na foz do Amazonas implicam efeitos de longo prazo. Eles calculam que
um campo de exploração aberto ali demoraria cinco anos para começar a operar e
outros cinco anos para dar retorno financeiro.
"E porque ninguém quer apenas recuperar
o investimento, uma iniciativa dessas levaria a décadas de extração — muito
além de quando o mundo precisaria abandonar os combustíveis fósseis",
escrevem eles.
• 'Impactos
catastróficos'
Para os especialistas que assinaram o
editorial na revista Science, o fato de o Brasil assumir a liderança na luta
contra as mudanças climáticas faz todo o sentido — e não apenas porque o país
vai sediar a COP 30.
Eles lembram que o aumento da temperatura
fora de controle terá "impactos catastróficos" no país.
"[Nesse cenário de impactos
catastróficos,] O Brasil perderia a Floresta Amazônica, incluindo o papel vital
que ela tem ao reciclar a água que supre a Grande São Paulo, a quarta maior
região metropolitana do mundo."
A bacia hidrográfica que chega a São Paulo
recebe entre 16% e 70% de sua água das chuvas, cujo vapor é transportado a
partir da Amazônia a partir dos chamados "rios voadores".
Estimativas apontam que a destruição desse
bioma aumentaria a frequência de secas extremas no Sudeste do país.
"A região semi-árida no Nordeste, que é
densamente populada, se transformaria num deserto, e as populações que habitam
a costa litorânea seriam expostas a um aumento das tempestades e do nível do
mar."
"O agronegócio e a agricultura familiar
brasileiras também sofreriam impactos pesados. Secas de uma severidade 'sem
precedentes' são esperadas no Brasil, e a frequência desses eventos poderia
aumentar em pelo menos dez vezes."
Com isso, "surpresas climáticas" —
como as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 2024 — se tornarão mais
comuns, apontam os pesquisadores.
• 'Mudança
radical'
Por fim, os responsáveis pelo editorial
opinam que, para a COP 30 ser um evento capaz de reverter o "curso
desastroso em direção ao ponto de não-retorno climático", será necessário
não apenas conter o desmatamento
"É preciso facilitar uma transição
rápida para o fim do uso de combustíveis fósseis", dizem eles.
Fearnside e Leal Filho defendem que o Brasil,
como anfitrião da conferência, precisa ser "encorajado a modificar as
práticas atuais".
"A COP 30 enfrenta grandes desafios para
atingir os seus objetivos. E uma parte importante disso envolve conter as
emissões de gases a partir da Amazônia", escrevem eles.
Os cientistas defendem uma "mudança
radical nas políticas do governo brasileiro, tanto nos fatores que causam
desmatamento quanto na extração de combustível fóssil".
• O
que diz o governo
A BBC News Brasil entrou em contato com os
ministérios citados no editorial para que eles pudessem se posicionar sobre o
debate.
O Ministério do Transporte informou que
"as políticas ambientais do Governo Federal são definidas pelo Ministério
do Meio Ambiente e Mudança do Clima" e ficou à disposição para mais
esclarecimentos sobre as políticas da pasta.
Já o Ministério de Minas e Energia pontuou
que "os projetos exploratórios na Bacia da Foz do Amazonas não estão próximos
à Floresta Amazônica".
"Os blocos atualmente sob contrato nessa
região estão situados em águas ultraprofundas, a cerca de 500 km da foz do Rio
Amazonas e a 180 km do litoral do Amapá."
"A pesquisa dessas áreas segue rigorosos
padrões ambientais, com avaliações técnicas detalhadas conduzidas pelos órgãos
reguladores competentes. O objetivo é conhecer o potencial geológico da Margem
Equatorial, uma nova fronteira exploratória offshore que pode contribuir para a
segurança energética do Brasil."
O ministério ainda defendeu que "a
transição para uma economia de baixo carbono é um processo gradual".
"O petróleo seguirá desempenhando um
papel estratégico na matriz energética global até 2050, e reduzir sua
exploração de forma abrupta, sem planejamento, pode gerar impactos econômicos e
sociais significativos. Além disso, a exploração brasileira tem uma das menores
pegadas de carbono do mundo, o que a torna uma alternativa mais sustentável
frente à produção global."
"Se o Brasil deixar de explorar suas
reservas, poderá se tornar dependente da importação de petróleo nas próximas
décadas, resultando em perda de arrecadação e vulnerabilidade energética. De
acordo com projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do próprio MME, a
não exploração da Margem Equatorial pode levar a perdas de até R$ 3 trilhões
até 2050."
Por fim, o ministério reafirmou "o
compromisso com uma transição energética justa, sustentável e alinhada às metas
climáticas globais, garantindo ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico e a
segurança energética do país".
O Ministério da Agricultura e Pecuária não
enviou respostas até a publicação desta reportagem.
Fonte: BBC News Brasil

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