Carlos Castilho: Influenciadores digitais
aceleram a ‘desinstitucionalização’ do jornalismo
A acelerada multiplicação dos chamados
influenciadores digitais reduz cada vez mais o espaço ocupado pelo jornalismo
junto ao público consumidor de notícias, principalmente entre os jovens adultos
com menos de 35 anos. Isto significa que o exercício do jornalismo está
deixando de ser associado a instituições como a imprensa e a metáforas como
“quarto poder” ou “cão de guarda dos poderosos”. É o que se tornou conhecido
como desinstitucionalização, ou seja, o debilitamento de estruturas que
garantem o funcionamento de atividades sociais como, por exemplo, o
jornalismo.
O fenômeno da produção individual de
informações, além de mudar os hábitos e a forma como as pessoas acessam a
notícia, começa a alterar as próprias estruturas sobre as quais o jornalismo se
apoia desde o surgimento da comunicação em massa, há pouco mais de um século.
Pesquisas do Pew Research Center, nos Estados Unidos, mostram que
um em cada cinco norte-americanos (20%) se informa exclusivamente através de
influenciadores digitais. A proporção é ainda maior (37%) entre os jovens com
menos de 29 anos.
Estamos diante de um processo de
disrupção inédito na história do
jornalismo, porque toda a atividade está sendo alterada. Primeiro, foram os
métodos de produção de notícias com a chegada dos computadores, da internet e
agora da inteligência artificial. A vítima seguinte foi a crise no modelo de
negócios da imprensa analógica, responsável pelo fechamento de quase metade de
todos os jornais do mundo. Agora é a própria institucionalidade da imprensa que
está sendo afetada pelos cerca de 50 milhões de produtores independentes de
conteúdos digitais espalhados pelo mundo
e que geram aproximadamente 250 bilhões de dólares anuais, segundo um estudo
feito em 2023 pela empresa Goldman & Sachs.
A crise no modelo de negócios da imprensa
tradicional fez com que jornais enxugassem drasticamente as redações provocando
um aumento agudo no desemprego entre jornalistas. A grande maioria dos que
perderam emprego acabou se tornando influenciador jornalístico, também conhecido
pelo jargão inglês newsfluencer, tanto de forma individual como em
pequenos projetos noticiosos. Outros criaram blogs pessoais agrupados em
plataformas como Medium, Substack e Patreon.
Muitos destes imigrantes digitais acabaram reunindo na internet até 16 milhões
de seguidores, como é o caso do jornalista norte-americano de extrema direita
Joe Rogan.
Como era de se esperar, o crescimento e a
prosperidade dos influenciadores digitais não foram bem-vistos pelo jornalismo
na grande imprensa. A resistência foi provocada pelo fato de os produtores
independentes de notícias estarem ocupando espaços crescentes no âmbito da
informação pública, acabando com uma exclusividade e poder centenários. Mas
também é claro que como a atividade dos influenciadores é muito recente e não
regulamentada, multiplicaram-se os casos de práticas delituosas, especialmente
as econômicas, por aproveitadores e espertalhões cibernéticos.
·
A tribo dos informadores
A situação fica ainda mais complexa quando
levamos em conta que a produção de conteúdos informativos se diversificou muito
em função das novas possibilidades de comunicação na era digital. A partir do
momento que a informação passou a ser a principal matéria-prima da era digital,
o campo ocupado por aqueles que trabalham com ela entrou num período de quebra
de paradigmas que ainda desorienta muita gente. Surgiram novas funções dentro
do campo da comunicação social como os checadores de notícias, relações públicas
e ativistas da informação, só para citar os casos mais conhecidos. O que todas
estas atividades têm em comum é a informação, só que ela não é percebida da
mesma maneira por toda esta vasta gama de informadores.
Assim, para entender as divergências entre os
vários grupos de informadores é necessário começar por ver o que está
acontecendo com a informação. Ela está deixando de ser um produto, algo que se
compra e vende, como acontece no sistema analógico clássico, para se tornar um
ativo imaterial fluido e mutável. Além disso, os jornalistas já não têm mais o
controle sobre a identificação, edição e distribuição de dados numéricos, fatos
e eventos passíveis de serem classificados como notícias.
Todas estas mudanças acabaram debilitando o
poder das instituições criadas ao longo do tempo e que tornaram a produção de
notícias um negócio altamente rentável. A perda de poder econômico gerou
desdobramentos políticos, já que o espaço antes ocupado pela grande imprensa na
agenda pública de debates está sendo gradualmente ocupado pela miríade de novos
produtores de informações e notícias. A desinstitucionalização do jornalismo
afeta também estruturas como os sindicatos profissionais de jornalistas e
associações de donos de empresas jornalísticas, bem como leis e processos
jurídicos relacionados à propriedade intelectual.
Este conjunto de mudanças tem origem em
transformações disruptivas geradas pela avalanche informativa que deu às
pessoas a possibilidade de ter acesso à várias visões diferentes de um mesmo
fato, acontecimento ou dado numérico. Esta diversidade de abordagens permite
entender por que há diferentes atividades que trabalham com informações e
notícias como, por exemplo, o jornalismo, influenciadores, ativistas da
informação, relações públicas e checadores de notícias.
A função de todo comunicador é procurar
transmitir a informação da forma mais objetiva, isenta, exata e relevante
possível. Quando tomamos a informação como referência principal para
jornalistas, influenciadores, produtores de conteúdo e também relações
públicas, checadores e ativistas, as diferenças entre estas funções perdem
qualquer sentido antagônico. Todos compartilham a mesma obrigação de produzir
informações confiáveis e combater a desinformação.
·
Quem é quem
A
diversidade de enfoques do papel da comunicação social no mundo digital ficou
bem clara numa mesa redonda realizada na Universidade do Texas em abril do ano
passado (e que deu origem a
este documento),
com a participação de jornalistas, influenciadores e produtores de conteúdo informativo. A análise das
intervenções permitiu identificar algumas percepções gerais sobre o trabalho de
cada grupo:
- Influenciadores
– sua especificidade se baseia no fato de que têm mais liberdade para
informar, sem a rigidez e o formalismo que caracterizam o exercício do
jornalismo na grande imprensa. Sua principal característica é que atuam
através de plataformas digitais, onde estão sujeitos às regras
corporativas em matéria de ética, remuneração e estratégias
políticas. Em geral, se especializam num tema ou usam o carisma
pessoal para atrair seguidores, quase sempre com um forte interesse
financeiro.
- Jornalistas
– profissionais responsáveis pela informação pública ao longo dos últimos
dois séculos, mas que hoje perdem gradualmente esta exclusividade dada a
diversificação de produtores de notícias, comentários e entrevistas na
internet. A atividade jornalística passa por profundas transformações sem
que seja possível definir qual será o seu perfil futuro, na era digital.
- Produtores
de conteúdos – nesta categoria situam-se os chamados ativistas da
informação, comprometidos com a promoção (advocacy) de alguma causa
social, política, legal, econômica ou ambiental. São profissionais que
abrem mão da imparcialidade e isenção em questões específicas, mas
continuam submetidos ao compromisso de veracidade e exatidão. Estão nesta
categoria os produtores de conteúdos ambientais e de gênero.
Embora não tenham participado da mesa redonda
no Texas, os relações públicas, assessores de imprensa e checadores de
informações também integram o campo dos comunicadores que lidam com a mesma
matéria-prima, a informação e, portanto, estão sujeitos às mesmas condições
para sua produção e disseminação. A diferença nestas atividades é que sua
legitimidade e credibilidade está diretamente ligada à transparência de seus
objetivos e métodos.
Ainda são fortes as discrepâncias entre
jornalistas, influenciadores, relações públicas, assessores e ativistas da
informação. Mas as divergências tendem a diminuir de intensidade na medida em
que todos incorporem as mudanças geradas pela internet e pela digitalização no
campo da comunicação e da informação. Afinal, todas estas funções
trabalham com a mesma matéria-prima – a informação.
- Disrupção
é um termo recente inspirado na palavra inglesa disruption e
que é usado para identificar os processos de desorganização,
desestruturação e desestabilização gerados pela introdução maciça da
tecnologia digital na sociedade contemporânea.
- Os
jornalistas full time formam aproximadamente 1/5 deste
total de 50 milhões de produtores de conteúdos digitais. É um percentual
estimado pela Goldman Sachs, que admite a inexistência de dados mais detalhados
sobre quem trabalha part time.
¨
Avisem a imprensa: a
militância já começou o “corpo a corpo” para 2026. Por Carlos Wagner
Na manhã de sábado (8/3), estava em um
supermercado de Porto Alegre (RS), aproveitando uma oferta de maminha embalada
a vácuo para o churrasco de domingo. Enquanto remexia as embalagens, procurando
pelo melhor pedaço de carne, um homem, aparentando uns 50 e poucos anos, se
aproximou e começou a revirar um monte de invólucros de picanha. Puxando
conversa comigo, disse: “Viu o preço da picanha do Lula?” Respondi que sim. E
acrescentei que tinha preferência pela maminha, não só pelo preço ser menor,
mas por considerá-la uma carne mais saborosa. Há uma divisão entre os gaúchos a
respeito da maminha e da picanha, duas carnes nobres. Pensei que o assunto ia
enveredar por este rumo. Estava enganado. O homem começou a falar das promessas
que Lula tinha feito durante a campanha e que não havia cumprido. Estava
tentando me convencer a votar no candidato bolsonarista a presidente em 2026.
Não discuti e deixei que falasse. Dias antes, já havia acontecido algo
semelhante. Estava abastecendo o carro em um posto de combustíveis quando fui
abordado por um jovem, que comentou comigo o absurdo do preço da gasolina, e
culpou Lula. E vendeu o “seu peixe”, tentando me convencer a votar na oposição
para presidente. Esse tipo de abordagem tem se intensificado desde o início do
ano. Eu, pelo menos, tenho sido abordado no mínimo uma vez por semana.
Nestas ocasiões, não me identifico como
jornalista. Simplesmente ouço a pessoa e não discuto. Muito pelo contrário.
Demonstro interesse na conversa, para que ela se sinta estimulada a falar. Por
que faço isso? Logo que comecei a trabalhar em redação de jornal, em 1979,
aprendi que ficar atento aos comentários das pessoas nas filas de supermercado,
nas mesas vizinhas nos botecos ou em qualquer outro lugar sempre agrega
conhecimento da realidade ao repórter. E também é uma fonte de pautas. Já fiz
grandes reportagens ouvindo comentários alheios. O meu procedimento é o
seguinte. Escuto a conversa e faço uma “verificação dos fatos”, uma pesquisa
para saber a veracidade e a amplitude do que ouvi. Caso der positiva a
pesquisa, a transformo em pauta e vou à luta. Sobre a conversa do supermercado,
o que existe de concreto é o seguinte. O “corpo a corpo”, também conhecido como
“trabalho de formiguinha”, da campanha presidencial de 2026 já está nas ruas. Duas
explicações que julgo necessárias. A primeira: defino como militante a pessoa
que trabalha para um partido por identificação ideológica, e não por dinheiro.
A segunda: nos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações,
usava-se a expressão “corpo a corpo”, ou “trabalho de formiguinha”, para
descrever os militantes de um partido que tentavam convencer alguém a votar no
seu candidato puxando conversa com estranhos em lugares públicos usando um
estratagema que consistia em falar mal do adversário político em um tom de voz
que fosse ouvido por todas as pessoas ao redor. O “corpo a corpo” foi muito
forte até o início da década de 90, quando aconteceu a profissionalização das
campanhas eleitorais pelos marqueteiros políticos, que deram prioridade à
comunicação de massa. Com a popularização das novas tecnologias de comunicação,
o “corpo a corpo” renasceu. Por quê? Simples: uma historinha contada para um
estranho em um lugar público, que seja escutada pelas pessoas ao redor, pode
ser mencionada por um dos ouvintes nas suas redes sociais acompanhada de um
“ouviu de um cara no supermercado isso ou aquilo”. Logo a mensagem começa a
circular.
Terminada a explicação, recomecemos a nossa
história. As observações que fiz sobre as conversas que ouvi ao ser abordado
pela militância da oposição falam como se o bolsonarismo fosse uma grande
frente de direita. Sabemos que não é. São um grupo controlado pela extrema
direita, que por sua vez dominou a direita democrática. Eles não mencionam o
nome do candidato deles a presidente. O foco da conversa é colar na
administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, o cartaz
de mentiroso, safado e outros adjetivos pouco lisonjeiros. Observei que o fato
de a oposição não ter definido um candidato à Presidência da República
enfraquece muito a mensagem que estão espalhando. Creio ser esta a fonte do
desespero dos seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, na
insistência de que ele indicará quem o substituirá nas eleições de 2026, visto
que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o tornou inelegível até 2030. O governo
e os seus aliados ainda não estão no “corpo a corpo”. A estratégia do
marqueteiro de Lula, o seu ministro de Comunicação Social (Secom), Sidônio
Palmeira, 67 anos, é a comunicação de massa. Mas há indícios que o governo vai
entrar no “corpo a corpo”. Vou explicar. Publicamos muitas coisas sobre a
decisão de Lula de nomear a ex-presidente do PT, Gleisi Hoffmann, 59 anos,
ministra da Secretaria de Relações Institucionais. E a intenção do presidente
de convidar para o ministério o deputado federal e ex-candidato a prefeito de
São Paulo Guilherme Boulos (PSOL), 42 anos. Mas uma coisa não publicamos.
Gleisi e Boulos são especialistas em mobilização das bases partidárias. Eles
sabem o valor do “corpo a corpo” na disputa eleitoral. Tática muito usada nas
décadas de 70 e 80. Lembro ao leitor que os bolsonaristas estão copiando e
aperfeiçoando práticas usadas na disputa eleitoral pela esquerda e pela direita
democrática para chegar ao poder.
Nos dias atuais, março de 2025, há uma
espécie de consenso na imprensa de que a eleição presidencial de 2026 será
decidida no detalhe. E o detalhe pode ser o trabalho da militância. Alerto para
o seguinte. Nos últimos tempos, a cobertura que a imprensa vem fazendo da
disputa eleitoral tem se focado no “tapetão”. O que chamo de “tapetão”?
Esmiuçar as pesquisas eleitorais, valorizar os comentários políticos, os
especialistas em estatísticas e por aí afora. Basta ver, ler e escutar os
noticiários para perceber que há uma carência do trabalho do repórter ouvindo
as pessoas e conversando com a militância. Se bem lembro, lá por 2010
aconteceram demissões em massa nas redações. Os repórteres foram substituídos
pelos comentaristas. O resultado dessa troca foi a sobrevivência econômica dos
jornais, que sofriam com a queda no faturamento provocada pelo êxodo de
anunciantes e leitores para as novas mídias, trazidas pela popularização da
internet. Sobreviveram, mas perderam a qualidade, porque o repórter é a ligação
entre a realidade e a redação. Na opinião de teóricos da comunicação, essa
ligação foi substituída pela participação direta do leitor nas redações através
de aplicativos e outros meios. O leitor sempre teve acesso às redações. O fato
é o seguinte: a carência de repórteres nas ruas facilitou a vida dos
fabricantes de fake news.
Fonte: Observatório da Imprensa

Nenhum comentário:
Postar um comentário