A advogada de 80 anos que arrisca a vida para
defender direitos dos homossexuais na África
Apesar de ter sido difamada, ameaçada e
humilhada em público, a experiente advogada camaronesa Alice Nkom está
determinada a defender os direitos das pessoas homossexuais em seu país.
Uma ONG de direitos humanos que ela dirige, a
Redhac, foi suspensa recentemente pelo governo, e ela foi convocada a
comparecer perante investigadores para responder a acusações de lavagem de
dinheiro e financiamento de grupos terroristas — que ela nega.
A advogada de 80 anos afirma que as
autoridades de Camarões estão obstruindo seu trabalho, e acredita que está
sendo alvo por causa da assistência jurídica que presta à comunidade LGBT.
"Sempre defenderei os homossexuais,
porque eles arriscam sua liberdade todos os dias e são jogados na prisão como
cães", disse ela à BBC com um tom firme, falando em seu escritório na
cidade de Douala.
"Meu trabalho é defender as pessoas. Por
que eu não defenderia os homossexuais?"
Vestida com uma túnica preta, Nkom transmite
sua mensagem contundente com uma voz comedida que reflete anos de argumentações
jurídicas ponderadas.
De acordo com o código penal do país, tanto
homens quanto mulheres podem ser condenados a até cinco anos de prisão e a
pagar uma multa, se forem considerados culpados de relações homossexuais.
Os membros da comunidade LGBT também
enfrentam o ostracismo de suas famílias e da sociedade em geral.
Como resultado, Nkom é vista como uma
"mãe adotiva" para algumas pessoas que não ocultam sua orientação
sexual no país.
A advogada tem filhos, mas centenas, talvez
milhares, de outras pessoas também a considerem sua protetora, devido ao seu
trabalho de mais de duas décadas defendendo acusados de homossexualidade.
"Ela é como nosso pai e nossa mãe. É a
mãe que encontramos quando nossas famílias nos abandonam", diz o ativista
LGBT Sébastien (nome fictício).
Comprometida com a Declaração Universal de
Direitos Humanos, que está incluída na Constituição de Camarões, Nkom argumenta
que ser livre de discriminação com base na orientação sexual deve ser visto
como um direito fundamental que prevalece sobre o código penal.
"Não se deve aprisionar direitos
fundamentais, não se deve reprimi-los — você deve protegê-los", diz ela.
Esta é uma luta que colocou Nkom em perigo.
A advogada conta que foi ameaçada fisicamente
várias vezes na rua, e revela que, quando começou a atuar nesta área, precisou
contratar guarda-costas.
Mas sua jornada para se tornar uma das
figuras jurídicas mais expressivas de Camarões começou bem antes disso.
Em 1969, aos 24 anos, Nkom se tornou a primeira
advogada negra do país, depois de estudar tanto na França (a antiga potência
colonial) quanto em Camarões.
Ela diz que foi incentivada a dar
continuidade aos estudos pelo então namorado, que mais tarde se tornou seu
marido.
Seu trabalho jurídico contemplou desde o
início a representação dos menos favorecidos, mas foi um encontro casual em
2003 que a levou a se envolver na luta pela descriminalização da
homossexualidade.
A advogada estava na sede do Ministério
Público de Douala quando observou um grupo de jovens algemados em pares, que
não tinham coragem sequer de levantar os olhos.
"Quando verifiquei o histórico do
processo, percebi que eles estavam sendo processados por
homossexualidade", diz ela.
• 'Tentativa
de homossexualidade'
Ver os jovens algemados foi uma afronta ao
seu senso de direitos humanos. Para Nkom, não havia dúvida: as minorias sexuais
deveriam ser incluídas entre aqueles cujos direitos são protegidos pela
Constituição.
"Decidi lutar para garantir que esse
direito fundamental de liberdade fosse respeitado", ela acrescenta.
A advogada fundou a Associação para a Defesa
da Homossexualidade (Adefho, na sigla em inglês) em 2003.
Desde então, ela se envolveu em dezenas de
casos. Um dos mais conhecidos nos últimos anos foi a defesa da celebridade
transgênero Shakiro e de sua amiga, Patricia, em 2021.
Ambas foram presas enquanto comiam em um
restaurante, e depois acusadas de "tentativa de homossexualidade".
Elas foram condenadas a cinco anos de prisão
por violar o código penal e cometer atentado ao pudor.
"É um golpe muito forte. É a pena máxima
prevista na lei. A mensagem é clara: os homossexuais não têm lugar em
Camarões", afirmou Nkom na época.
Shakiro e Patricia foram liberadas depois,
enquanto aguardavam um recurso — e fugiram do país.
Desde então, a situação das pessoas LGBT não
melhorou.
O ativista LGBT Sébastien, que dirige uma
instituição beneficente para apoiar famílias com filhos homossexuais, acredita
que a situação piorou recentemente.
No ano passado, foi lançada uma música
baseada no mbolé, um popular ritmo local, com um título e uma letra que
incentivam as pessoas a atacar e matar homossexuais.
A música ainda está sendo amplamente
compartilhada — e é tocada regularmente nos estabelecimentos mais badalados das
principais cidades do país.
"As pessoas nos atacam por causa desta
música, que glorifica o crime", diz Sébastien.
As pessoas LGBT têm que ocultar sua
identidade sexual, mas "alguns indivíduos preparam armadilhas para se
aproximar de nós, e nos atacam ou nos denunciam à polícia", ele
acrescenta.
Nkom conta que, quando Brenda Biya, filha do
presidente de Camarões, Paul Biya, se assumiu publicamente como lésbica no ano
passado, ela pensou que isso poderia ajudar a mudar a lei.
Brenda Biya — que passa a maior parte do
tempo no exterior — teria dito que espera que seu posicionamento possa mudar as
coisas no país, de acordo com uma declaração divulgada na imprensa local.
Nkom enxerga uma oportunidade. "Estou
usando o caso da Brenda como precedente. Agora tenho um caso com o qual posso
desafiar o presidente", diz ela.
A advogada também pediu a Brenda que fizesse
mais pela causa da comunidade LGBT em Camarões.
"A Brenda ainda não me respondeu, desde
que fiz a declaração na mídia, mas sei que ela vai responder."
Por enquanto, a defensora dos direitos
humanos vai continuar seu trabalho jurídico.
Nkom vê a última tentativa de restringir seus
esforços como apenas mais um obstáculo — certamente não grande o suficiente
para fazê-la desistir da batalha que vem travando desde 2003.
Fonte: BBC Afrique

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