Por que encontro na
França sobre o Novo Pacto não atendeu aos interesses do Brasil e outros países
emergentes
A
Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global - uma iniciativa do presidente
francês, Emmanuel Macron, com o objetivo de redesenhar um novo sistema de
financiamento que permita aos países pobres e em desenvolvimento lutarem contra
as mudanças climáticas e a pobreza – encerrada nesta sexta-feira em Paris “não
atendeu aos interesses dos emergentes”, mas “serviu como um aquecimento” para o
G20, que o Brasil presidirá a partir de dezembro pelo período de um ano, na
avaliação de uma fonte da diplomacia brasileira.
O
encontro, que contou com a presença de dezenas de chefes de Estado, vários
deles de países africanos, teve como um dos temas centrais a necessidade de
reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial,
reivindicação de longa data do Brasil. “Mas a visão em relação à reforma não é
a mesma entre países ricos e emergentes”, ressalta o diplomata brasileiro.
Brasil
e outros emergentes pleiteam uma reforma da governança dessas instituições
financeiras, criadas há quase 80 anos nos acordos de Bretton Woods, e também da
ONU que permitiram a esses países um papel decisório mais significativo nessas
organizações.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reiterou isso em um discurso bem
aplaudido na manhã desta sexta-feira na cúpula, em uma mesa-redonda com chefes
de Estado e de governo e autoridades como a diretora-geral do FMI, Kristalina
Georgieva.
“Nós
aqui precisamos ter claro o seguinte: aquilo que foi criado depois da Segunda
Guerra Mundial, as instituições de Bretton Woods não funcionam mais e não
atendem mais às aspirações e nem aos interesses da sociedade”, declarou Lula no
encerramento da cúpula em uma mesa-redonda coordenada pela presidente Macron.
Para
o petista, o Banco Mundial e o FMI deixam “muito a desejar naquilo que o mundo
aspira” dessas instituições financeiras. “Se não mudarmos as instituições, o
mundo vai continuar o mesmo. Quem é rico vai continuar rico e quem é pobre vai
continuar pobre”, afirmou o presidente.
Segundo
o diplomata brasileiro, mesmo sem avanços significativos na cúpula na visão do
Brasil, também não ocorreram prejuízos e a presença de países como Brasil,
China e economias de menor porte “acabou empurrando o sarrafo para o meio”,
colocando em evidência não apenas as mudanças climáticas, mas também o
desenvolvimento e o combate à pobreza.
“O
diálogo foi positivo e permitiu saber como estão os debates e como os grupos e
coalizões estão se posicionando”, diz o diplomata, se referindo ao fato de que
o Brasil assumirá a presidência do G20 em primeiro de dezembro.
·
Promessas antigas
O
governo brasileiro também espera que promessas antigas dos países ricos sejam
cumpridas, o que ocorreu apenas em parte nesta cúpula. “Não podemos nos
esquecer dos compromissos não realizados”, disse à BBC News Brasil outra fonte
da diplomacia brasileira.
É
o caso do objetivo de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para que os países em
desenvolvimento possam enfrentar os efeitos do aquecimento global a partir de
2020, uma promessa dos países ricos realizada na conferência climática da ONU
de 2009 e reforçada no Acordo de Paris, em 2015, mas ainda não alcançada.
Segundo
Macron, "há grandes chances de que esse objetivo seja atingido neste ano”.
O
prazo inicial para atingir a meta acabou sendo adiado para 2025. “Nós
acompanhamos de perto a realização desse objetivo e vamos monitorar para que os
países mais vulneráveis recebam uma parte justa desses recursos”, declarou o
presidente francês. “Nós fomos muito lentos, não é satisfatório."
"Precisamos
de um acompanhamento mais de perto e operacional”, admitiu o chefe de Estado
francês.
A
soma ainda nem foi atingida e países em desenvolvimento e ONGs estimam que ela
não seria suficiente das necessidades reais dessas economias, sobretudo no
atual cenário econômico global.
Nos
cálculos mais recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, de maio, a soma já teria sido quase atingida, contando-se
transferências do setor público e privado, mas nesse caso, realizadas com taxas
altas de mercado.
Já
outra promessa dos países ricos, uma iniciativa lançada em 2021, foi finalmente
atingida durante o encontro, anunciou o presidente francês: objetivo de
encaminhar aos países mais vulneráveis, sobretudo na África, US$ 100 bilhões em
direitos especiais de saque do FMI, uma reserva que pode servir para o
desenvolvimento e a transição climática.
A
utilização do termo “países mais vulneráveis” também é criticada pelo governo
brasileiro. “É uma maneira de separar os países mais pobres de outras economias
em desenvolvimento e emergentes” diz um diplomata brasileiro.
A
capacidade de empréstimos dos bancos multilaterais de desenvolvimento vão ser
aumentadas em US$ 200 bilhões.
No
caso das dívidas públicas de países pobres, outro tema de destaque da cúpula, a
Zâmbia obteve uma reestruturação de sua dívida junto aos credores, sobretudo a
China. Mas vários países e ONGs pedem a anulação desses valores.
Senegal
obteve um acordo de 2,5 bilhões de euros para desenvolver projetos na área do
gás e elevar a parte de energias renováveis a 40% em seu mix energético.
No
encerramento do encontro, Macron evocou um “consenso completo para reformar o
sistema financeiro global, com o objetivo de torná-lo mais eficaz, justo e mais
adaptado ao mundo de hoje.”
É
certo de que os trabalhos deverão continuar. “Há uma sequência favorável nas
cúpulas do G20 com Índia, Brasil e África do Sul”, avalia uma fonte da
diplomacia brasileira, se referindo à atual presidência do grupo e às futuras.
“Nesse
período haverá uma janela para olhar para os grandes temas internacionais”, diz
a fonte, acrescentando que a cúpula em Paris “foi o primeiro pontapé” na
presidência brasileira do G20.
Ø
O
que é o novo pacto financeiro global
Altas
ambições e também desafios importantes: a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro
Global, iniciativa do presidente francês, Emmanuel Macron, que começa nesta quinta-feira
(22/06) em Paris e deve reunir cerca de 100 chefes de Estado e de governo, tem
o objetivo de reforçar os mecanismos de apoio aos países do Sul para combater a
pobreza e lutar contra as mudanças climáticas.
Entre
as diferentes propostas sobre a mesa, estão a reforma do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e de bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco
Mundial; o problema de endividamento de países mais vulneráveis e que tiveram
sua situação econômica agravada por conta da alta da inflação e dos juros; a
taxação do comércio marítimo e uma maior mobilização do setor privado nos
desafios globais.
A
ideia da cúpula é formar uma coalizão para dar um impulso político a discussões
que já vêm ocorrendo no âmbito de organizações como o G20, disse à BBC News
Brasil uma fonte do governo francês ligada à organização da cúpula.
O
evento que dura dois dias, realizado no prédio onde funcionava a antiga bolsa
de valores de Paris, construído a pedido de Napoleão Bonaparte, terá a presença
do presidente Lula (somente na sexta), do chanceler alemão, Olaf Scholz e de
diversas autoridades, como o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e a
secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, além de representantes de
instituições financeiras, empresas e ONGs.
“É
um encontro para avançar as coisas. É uma forma de pressão sobre o G20, já que
diferentemente das reuniões desse grupo, a cúpula em Paris terá mais
representantes de países devedores”, diz a fonte.
Uma
das divergências atuais, diz ele, é em relação ao tratamento da dívida de
países pobres.
A
China, principal credora bilateral, concentra atualmente uma boa parte da
dívida desses países e, diferentemente do Clube de Paris, que anulou uma parte
dos valores devidos por países altamente endividados, o país asiático prefere
analisar caso por caso.
Já
os países ricos avaliam que é preciso avançar rapidamente em relação a esse
aspecto.
Outro
ponto de conflito, também com a China, é em relação aos bancos de
desenvolvimento regionais.
Os
países ricos desejam que os fundos sejam utilizados de maneira mais eficiente,
ou seja, sem colocar novos recursos, criando sistemas para reduzir o custo do
capital e também por meio de uma melhor coordenação entre esses bancos.
A
ideia também é direcionar os fluxos financeiros para os países que realmente
necessitam.
Já
a China defende um aumento de capital desses bancos, o que levaria a uma
redistribuição de cotas e mudaria a governança dessas instituições.
“Estamos
longe de um resultado consensual nessa cúpula, mas há progressos inesperados se
levarmos em conta a atual situação geopolítica”, afirma a fonte ligada ao
governo francês.
“O
objetivo no curto prazo é avançar dossiês um pouco bloqueados”, ressalta.
“É
uma etapa de um processo que já começou. Os países estão dando uma dinâmica,
indicações do que pode ser feito. Há a necessidade de ter ambições políticas e
cumprir objetivos. É também uma questão de credibilidade. Não são necessárias
novas promessas”, disse à BBC Brasil Élise Dufief, pesquisadora do Iddri,
instituto independente de pesquisas sobre políticas públicas e privadas para
facilitar a transição para o desenvolvimento sustentável.
Entre
os resultados possíveis da cúpula, poderá ser anunciado um mecanismo para a
suspensão dos reembolsos da dívida dos países mais afetados por catástrofes
naturais e também propostas para o redirecionamento dos chamados direitos
especiais de saques do FMI, que são recursos dos países ricos.
Outro
compromisso, já antigo, os US$ 100 bilhões por ano prometidos pelos países
ricos em 2009 para ajudar os países do Sul a lutar contra as mudanças
climáticas a partir de 2020, deverão ser atingidos neste ano. O cumprimento
dessa medida poderá talvez ser anunciado na reunião em Paris.
Ø
Pouca
participação dos líderes do BRICS na cúpula de Macron é mau sinal, alerta
especialista
O
especialista francês em geopolítica François Asselineau disse à Sputnik que o
principal problema da conferência Novo Pacto Financeiro Global, organizada pela
França, é a pouca participação dos líderes do BRICS.
A
cúpula decorre em Paris em 22 e 23 de junho. Mais de 50 chefes de Estado e de
governo, bem como representantes de organizações internacionais, estão
participando do evento.
"Essa
'cúpula' em Paris foi uma surpresa para muitos. Macron fala sobre um novo
acordo de Bretton Woods ou de um novo acordo entre os países ocidentais do
Velho Mundo e o Sul Global, que corresponde mais ou menos ao BRICS. Seu
problema é que os países do BRICS estão representados, em sua maioria, por
decisores de segundo ou terceiro escalão", disse Asselineau.
Ele
observou que os representantes russos não foram convidados a participar do
evento e que a China e a Índia enviaram apenas ministros ou diplomatas a Paris.
Dos chefes de Estado do BRICS, participam apenas o presidente Lula da Silva e
seu homólogo sul-africano Cyril Ramaphosa.
Além
disso, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão, o Reino Unido e os países europeus
também não estão representados na cúpula por seus líderes, disse o
especialista.
As
exceções são a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o
secretário-geral da ONU, António Guterres, bem como os presidentes do Banco
Mundial e algumas outras instituições financeiras internacionais que ainda
"não podem decidir nada sem os principais participantes".
O
especialista expressou suas dúvidas de que a cúpula seja capaz de unir o BRICS,
os países do Norte Global e o mundo ocidental, a menos que seja lançada uma
forte estrutura de consulta que trabalhe para criar um novo pacto financeiro
global.
Ao
mesmo tempo, Asselineau disse que os países ocidentais estão preocupados com o
declínio de sua influência no mundo e com a desdolarização da economia global.
O
mundo está se tornando multipolar, e o processo de organização de um novo pacto
financeiro global deve envolver os líderes dos Estados Unidos, China, Índia e
outros países do BRICS, concluiu o especialista.
Fundo global fará reunião inédita em
Brasília para destinar US$ 1,4 bilhão ao meio ambiente
O
conselho do mais antigo e um dos mais importantes fundos de financiamento
ambiental do mundo, o Global Environment Facility (GEF), vai fazer uma reunião
na semana que vem em Brasília para destinar US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 6,7
bilhões) para projetos no setor.
O
CEO e presidente do Conselho do GEF, Carlos Manuel Rodríguez, disse, em
entrevista exclusiva à CNN, que o dinheiro será alocado para ações contra as mudanças
climáticas, para a proteção da biodiversidade, controle da poluição química e
plástica e diminuição de resíduos em águas internacionais.
Este
será o primeiro grande encontro global sobre meio ambiente organizado no Brasil
desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que colocou a
defesa do setor como uma prioridade de seu governo.
Nada
menos do que 185 países fazem parte do GEF, que foi criado durante a Rio-92, a
primeira Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no
Rio de Janeiro em junho de 1992, com a presença dos principais líderes mundiais
da época.
A
Rio-92 foi a predecessora das COPs, as conferências mundiais sobre o clima que
agora acontecem anualmente.
• Importância do encontro
Segundo
Rodríguez, o encontro deste ano é muito significativo por fatores diferentes.
Em
primeiro lugar, pelo ineditismo do local do evento. Esta será a primeira vez
que o conselho vai se reunir fora de Washington, nos Estados Unidos, onde fica
a sede do fundo. O Brasil foi escolhido para essa reunião histórica justamente
por sua importância e relevância no setor.
Em
segundo lugar, pelos valores que serão destinados aos países beneficiários. O
GEF tem um total de US$ 5,3 bilhões (mais de R$ 25,3 bilhões) para distribuir a
136 nações em quatro anos — dos quais o US$ 1,4 bilhão a ser destinado este
ano.
O
fundo, no entanto, permite a possibilidade de cofinanciamento dos projetos, com
aportes extras de governos e da iniciativa privada. Com isso, Rodríguez estima
que mais US$ 10 bilhões (R$ 47,8 bilhões) poderão ser destinados aos projetos.
Desse
total, o Brasil vai receber, segundo estimativa de Rodríguez, pelo menos US$ 90
milhões (cerca de R$ 430 milhões). Mas este valor pode chegar a até US$ 400
milhões (R$ 1.9 bilhão) com o cofinanciamento. Além disso, o país será
beneficiado com outras cotas relacionadas a projetos regionais e também
globais, que envolvem outras nações.
A
terceira razão da importância da reunião deste ano diz respeito à aprovação
formal do Fundo Global de Biodiversidade, cuja criação foi recomendada na
última Conferência sobre Biodiversidade, a COP15, em Montreal, no Canadá, no
fim do ano passado.
Este
será o primeiro fundo global destinado exclusivamente à proteção da
biodiversidade – similar aos fundos destinados a combater as mudanças
climáticas.
Na
COP15 da biodiversidade, ficou determinado que o GEF administraria o novo
fundo.
Rodríguez
admite que há muita divergência entre os países membros sobre as regras que se
aplicarão ao novo fundo, mas está otimista com o possível resultado das
discussões.
“Em
alguns casos, as posições são bastante antagônicas. Mas a história do conselho
do GEF está associada a consensos em comum acordo e não acho que esses serão a
exceção”, diz ele.
Fonte:
BBC News Brasil/CNN Brasil
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