Nossos
guerreirinhos da democracia tem nojo de Maduro e amor aos sauditas
Visita de Nicolás Maduro ao Brasil despertou na nossa imprensa aquele
velho sentimento de democracia seletiva – atacam regimes de esquerda e passam
pano para os aliados dos EUA.
AS FALAS DE LULA durante a visita de Maduro ao
Brasil para o encontro da UNASUL atiçou os ânimos dos guerreirinhos da
democracia. De fato, Lula errou feio ao bajular Maduro e por classificar
as críticas ao autoritarismo do governo venezuelano de “narrativas”. É inegável
que ações do regime chavista cercearam a independência do Legislativo e do
Judiciário, minaram a liberdade de imprensa e militarizaram o governo.
É inegável também que eventos do passado mostram que
a oposição venezuelana é violenta, golpista e com tendências igualmente
autoritárias. Isso não absolve Maduro e nem é suficiente para jogar os
problemas democráticos na Venezuela na conta das “narrativas”. Faço essa
ressalva para lembrar que o picareta Guaidó foi alçado à condição de presidente
da Venezuela pela imprensa internacional, pela direita internacional e por
vários países do chamado “mundo democrático” de maneira absolutamente
ilegítima. Os guerreirinhos da democracia inventaram uma posse simbólica de um
presidente que perdeu para Maduro uma eleição que, segundo a
Assembleia Geral da ONU, foi legítima. Bolsonaro não
foi criticado por reconhecer a posse fake de um presidente ilegítimo, oriundo de
uma oposição historicamente golpista, muito pelo contrário. Contudo,
responsabilizar as “narrativas” e absolver Maduro pelos problemas da Venezuela
é servir carniça fresca para a urubuzada fascista e para os democratas de
ocasião que abundam na direita e na imprensa nacional e internacional.
As críticas às falas de Lula são válidas, mas o que
temos visto vai além das críticas. Uma histeria coletiva inundou o noticiário.
Pipocaram manchetes e colunistões revoltosos em defesa da democracia.
Os elogios de Lula foram desnecessários, mas cobrar
dele críticas a Maduro durante o encontro da UNASUL é uma estupidez. O
presidente brasileiro está em uma missão diplomática para retomar a integração
da América do Sul e devolver ao Brasil o papel de protagonista no continente.
Atacar e isolar a Venezuela, como fez Bolsonaro, contribui apenas para o
isolamento do país e favorece as práticas autoritárias.
O fato principal a ser destacado do encontro com
Maduro deveria ser o restabelecimento das relações diplomáticas com um
importante país vizinho que possui as maiores reservas de petróleo do mundo.
Essas relações foram destruídas por Bolsonaro, um presidente autoritário que
assaltou os cofres públicos para garantir a eleição e atiçou movimentos
golpistas que culminaram com o 8 de
janeiro.
Perceba que quando o assunto é Venezuela, o
bolsonarismo e a imprensa brasileira estão em sintonia. Lembremos de Fernão
Lara Mesquita, herdeiro do Estadão, que em 2014 saiu às ruas para apoiar o
candidato à presidência Aécio Neves exibindo um
cartaz com os dizeres: “Foda-se a Venezuela!”. Quem
tirou e publicou a foto foi o seu colega Tutinha, dono da Jovem Pan — a
emissora que passou os últimos quatro defendendo todos os absurdos autoritários
de Bolsonaro e se revoltando com os de Maduro. Essas são as credenciais
democráticas de alguns dos guardiões da democracia que comandam a imprensa
brasileira.
Esse duplo padrão democrático não é exclusividade da
extrema-direita e da imprensa brasileira. A centro-direita, a direita e a
imprensa internacional compartilham desse fetiche com a Venezuela e outros
países considerados ditaduras de esquerda. O critério que define qual
autoritarismo será atacado e para qual será passado o pano é o alinhamento
político aos EUA. Costuma-se fechar os olhos para autoritários de direita
enquanto apontam as armas contra os de esquerda.
Mas há exceções como a China. O país governado pelo
partido comunista — muito criticado na ONU por violações de direitos
humanos — é bastante tolerado. O motivo, claro, é sua importância dentro do
capitalismo mundial. A China comunista caminha para ser o país mais rico do
mundo. Gabriel Boric, presidente de esquerda do Chile, aproveitou o encontro da
UNASUL para dar seu showzinho e pagar pedágio para a imprensa internacional.
Mas o chileno não vê problemas em elogiar Xi Jiping e estreitar
relações com os comunistas chineses. Ninguém cobra
democracia na China, não é mesmo?
A hipocrisia dos nossos democratas de ocasião é tão
grande que Bolsonaro foi à Rússia bajular Putin e chegou a prestar
homenagens a soldados comunistas que morreram lutando contra os nazistas. Enquanto isso, seu filho Eduardo Bolsonaro propunha um
projeto de lei que criminaliza os comunistas no Brasil.
Mas a coisa não para por aí. Abundam os exemplos da
hipocrisia dos nossos democratas de ocasião. Estamos em um mundo em que o
presidente ucraniano é tratado como o grande herói da democracia.O fato é
que Zelensky
cassou 11 partidos políticos de esquerda e da oposição com a
justificativa de que eram pró-Rússia. É mentira! Muitas das legendas cassadas
estavam alinhadas à defesa do país contra a invasão russa. A guerra foi a
desculpa perfeita para sufocar a oposição. O governo liderado por por esse
“herói da democracia” prendeu
comunistas arbitrariamente. Já para os nazistas do
Batalhão de Azov, estende-se o tapete vermelho. Essa milícia nazista é
integrante oficial da Guarda Nacional ucraniana. Onde está a gritaria dos democratas de ocasião? Não existe. Estão balançando
o rabinho para o ucraniano em suas tribunas, colunas e editoriais.
A histeria contra Venezuela também não se repete
quando o assunto é a ditadura saudita ou de autocratas de extrema-direita como
Viktor Orbán da Hungria e Recep Erdogan, na Turquia. O húngaro manteve relações
estreitíssimas com Bolsonaro, sendo um dos únicos presidentes europeus a
comparecer à posse do brasileiro. Há mais de uma década no poder, Orbán
comandou uma escalada autoritária sobre o
Judiciário, o Legislativo, a imprensa e até as escolas.
O regime de Orbán, com claras tendências fascistas,
trocou centenas de juízes das cortes húngaras por aliados, alterou leis
eleitorais para beneficiar seu partido, transformou jornais independentes em
panfletos de propaganda do governo e reimprimiu livros didáticos de História
para incluir conteúdo xenófobo. Bolsonaro foi à Hungria, elogiou a autocracia
do país e chamou
Orbán de “irmão”. “Acredito na Hungria e no prezado Orbán, que eu
trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa
dos nossos povos e na integração dos mesmos”.
Eduardo Bolsonaro chegou a declarar no ano passado
que o governo
húngaro é um exemplo a ser seguido pelo Brasil. Mas, claro, não vimos na imprensa um centésimo da indignação que se viu
nos afagos de Lula a Maduro. Os democratas de ocasião parecem não se
importar tanto quando as violações à democracia e aos direitos humanos
são lideradas pela direita.
A mesma tolerância existe com o autoritarismo na
Arábia Saudita. Lá, opositores e ativistas de direitos humanos são presos
arbitrariamente e os cristãos são perseguidos e proibidos de professar sua
fé. O ditador
saudita já mandou esquartejar um jornalista. Enquanto
sufocam o seu povo, oferecem joias milionárias de presentes à família
Bolsonaro, que passou os quatro últimos anos tecendo elogios à ditadura
saudita. “Temos uma reunião de negócios hoje à tarde. Todo mundo gostaria de
passar uma tarde com um príncipe. Especialmente vocês mulheres, né? Tenho uma
certa afinidade com o príncipe”, disse Eduardo Bolsonaro aos jornalistas
durante uma visita ao país em que os direitos das mulheres são restritos. É
claro que não vimos a imprensa em polvorosa. Não se viu um editorial do Estadão
dizendo que “Bolsonaro envergonha o Brasil” como se viu
com as falas de Lula para Maduro. O herdeiro do
Estadão não saiu às ruas com um cartaz “Foda-se a Arábia Saudita”. Claro,
estamos falando de um país alinhado aos interesses dos EUA.
Lembremos ainda que Bolsonaro recebeu com um sorriso
no rosto a neta de
Hitler — líder de um partido alemão com tendências
nazistas. O objetivo do encontro era articular uma internacional conservadora
(leia-se nazifascista). O objetivo do encontro entre Lula e Maduro foi o de
impulsionar os negócios dentro do continente. Adivinhe qual dos presidentes foi
mais cobrado pelos nossos democratas de ocasião.
Ø Controle da ABIN por militares é ilegal e vai na contramão do mundo. Por
Jeferson Miola
No relatório em que desfigurou a proposta original
do governo sobre a organização de órgãos federais e ministérios [Medida
Provisória nº 1.154/23], o deputado Isnaldo Bulhões Jr./MDB-AL também devolveu
ao Gabinete de Segurança Institucional [GSI] a competência para “coordenar as
atividades de inteligência federal”. Na prática, isso significa restabelecer,
indevidamente, o controle do Sistema Brasileiro de Inteligência [SISBIN] e da
Agência Brasileira de Inteligência [ABIN] pelos militares, que comandam o GSI.
Relevante lembrar que após a fracassada intentona
golpista de 8 de janeiro, na qual os militares tiveram um papel central, o
governo Lula decidiu retirar a ABIN da alçada do GSI e passou a vincular
institucionalmente a Agência à Casa Civil da Presidência da República.
Da mesma maneira que a atividade de segurança
presidencial executada por militares é uma deformidade tipicamente brasileira
que só se explica pela tutela militar sobre o poder civil, o controle da ABIN
por militares também vai na contramão das experiências mundiais.Na imensa
maioria de países, são as instituições e servidores civis – e não militares –
que comandam as políticas nacionais de inteligência.
Além de estar na contramão do mundo, a coordenação
das atividades de inteligência de Estado por militares também é ilegal, pois
contraria a Lei 9.883/1999, que instituiu o SISBIN e criou a ABIN como “órgão
da Presidência da República, que, na posição de órgão central do
Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar,
coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País”.
De acordo com esta lei, o SISBIN tem “a finalidade
de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse
nacional”, e “tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a
defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana”.
A lei 9.883 estabelece explicitamente a subordinação
ao SISBIN inclusive das próprias Forças Armadas, e não o seu contrário almejado
pelos militares e atendido pelo relator Isnaldo Bulhões Jr. na MP 1.154, ou
seja, o controle do sistema de inteligência pelos militares.
No artigo 2º da lei está disposto que os órgãos
federais “que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de
interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles
responsáveis pela defesa externa [ou seja, as Forças Armadas],
segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema
Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República”.
A lei ainda estabelece que “a execução da Política
Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República, será levada a
efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa
Nacional do Conselho de Governo”.
Em vista disso, a vinculação institucional da ABIN
ao GSI é inaceitável, pois atende unicamente aos planos estratégicos (e
conspiradores) dos militares. Se confirmada, será uma medida ameaçadora e
nefasta para a democracia.
Com a revelação do envolvimento central das cúpulas
partidarizadas das Forças Armadas nos ataques aos poderes da República e à
institucionalidade democrática, o governo perdeu uma oportunidade valiosa para extinguir o GSI, que é um covil militar no coração do poder civil, sempre à espreita
para conspirar contra o governo e a democracia.
A nomeação de um general para o cargo de ministro do
GSI representou, ainda, uma vitória das cúpulas fardadas, e é um fator que
impossibilita a urgente necessidade de desmilitarização do Estado brasileiro.
A vinculação da ABIN ao GSI, além de ilegal e
contraditória com as mais avançadas referências internacionais contemporâneas,
seria um retrocesso perigoso, pois fortaleceria a posição de poder dos
militares na guerra permanente que promovem contra a democracia e o Estado de
Direito.
Fonte: Por João Filho, em The Intercept/Terapia
Política

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