Lula
e o governo ainda precisam aprender a conviver com um Congresso conservador
É bom o governo se conformar com as mudanças na
medida provisória da reestruturação da Esplanada. O tempo e a ausência de uma
maioria para retomar o texto original não ajudam. As medidas vencem na próxima
quinta-feira e, portanto, não tem mais o que fazer.
Os líderes avisam que o jeito é aprender a conviver
com um Congresso mais conservador e “cheio de manhas”, conforme avaliam alguns
ministros. Caso contrário, avisam os líderes, as derrotas virão.
Em tempo: a votação do arcabouço fiscal deu ao
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o tamanho da direita mais radical no
Congresso: são cerca de 100 deputados, que ficaram contra a proposta. Logo, ele
tem, hoje, no centro, entre 260 e 250 deputados. A esquerda já havia sido
mapeada na votação do decreto do saneamento — 120 parlamentares. Assim, não dá
para passar nada sem o aval do comandante da Câmara.
Se a vida do governo será difícil nas próximas
votações no plenário da Câmara, tudo promete ser mais fácil na CPMI do 8 de
janeiro. A escolha da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) para a relatoria foi um
ponto a favor do Planalto. A maioria é do governo e de Arthur Lira.
E a largada do presidente da CPMI, Arthur Maia
(União Brasil-BA), foi bem recebida pelo governo. Aliado do presidente Lira,
ele marcou uma reunião semanal do colegiado. Sinal de que a investigação andará
devagar no Plenário e será acelerada, de verdade, nos bastidores.
Arthur Maia não pretende colocar fogo no
parquinho. Nem da esquerda, nem da direita.
Se a direita quiser começar com a convocação do
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, principal alvo dos
bolsonaristas, não conseguirá.
Da mesma forma que a esquerda não terá respaldo para
colocar o ex-presidente Jair Bolsonaro sentado no banco dos convocados para
depor — conhecido também como “banco dos réus”.
Passada a semana mais agitada do Parlamento neste
início de legislatura, com a instalação de CPIs, o governo não tem dúvidas de
que a mais trabalhosa será a do Movimento dos Sem-Terra (MST).
E o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto
deu mais um recado ao governo e ao mercado. Prestes a receber novos diretores
no BC, o economista disse a aliados que, ali, não tem governo nem oposição.
Vale a regra do jogo, ou seja, a lei. Aliás, repetiu isso, em entrevista à
Globonews, logo depois da aprovação do arcabouço fiscal na Câmara.
Por fim, os petistas fazem apostas sobre quando
Marina Silva deixará o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas. Mas
todos os movimentos dela indicam que a saída não está no radar.
·
Esquerda pressiona Lula, se divide no Congresso e
causa desgaste para o Planalto
Pressionado por partidos de centro, dos quais
depende para formar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva tem encontrado dificuldades para manter a ala mais à esquerda de seus
aliados coesa com a frente ampla que montou para governar. Tanto na votação da
nova regra fiscal quanto no acordo fechado para aprovar a reestruturação dos
ministérios, foram parlamentares de partidos como PT, PSol e Rede, e não a
oposição, os que mais resistiram.
Além disso, pautas ligadas a essas siglas, como a
questão ambiental e a defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), viraram uma espécie de ponto fraco do governo.
Frente aos primeiros resultados de votações no
Congresso, petistas próximos a Lula avaliam que o governo terá de optar por
encampar temas que gerem mais consenso entre parlamentares, como os ligados a
educação, saúde e distribuição de renda. Segundo esses auxiliares, o ministro
Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação
política do governo, já entendeu que temas da agenda da esquerda sofrerão
resistência no Congresso.
— Quanto mais se aproximar do centro, mais chance de
aprovação. Agenda de esquerda tem tido pouca adesão — resume o líder do União
Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).
Quanto à pauta ambiental, que Lula tenta usar como
vitrine no cenário internacional, aliados afirmam que terá de ser tratada de
forma mais ampla, com foco, por exemplo, na preservação da Amazônia e no
combustível verde.
Mas é na área econômica que o governo enfrenta fogo
amigo de maior calibre. A próxima batalha será a reforma tributária, tema que
já opõe petistas e a equipe econômica.
O deputado Rui Falcão (PT-SP), que preside a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é um dos que acreditam que o
fatiamento da reforma pode fazer com que a segunda etapa sequer saia do papel.
Pela proposta da Fazenda, primeiro será encaminhada a simplificação e
unificação dos tributos, para mais tarde se tratar de renda, patrimônio e
riqueza.
Como revelou O GLOBO, a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, enfrenta desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender
posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica de Lula.
Além das críticas ao novo arcabouço fiscal, ela se disse contra a volta da
cobrança de impostos sobre combustíveis.
O PSol, por sua vez, votou integralmente contra a
nova regra fiscal, enquanto deputados petistas, mesmo chancelando o projeto do
governo, o criticaram duramente. Deputados protocolaram uma declaração que fala
em “imprudência” e “estrangulamento” do poder público ao criticar a medida,
especialmente após as mudanças promovidas pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA).
“Consideramos que o relatório de Cajado agravou
sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a
capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de
desenvolvimento”, diz um trecho do texto que tem entre os signatários Lindbergh
Farias (PT-RJ), Rui Falcão e Bohn Gass (PT-RS).
Esse descompasso entre governo e esquerda ficou
evidente também na votação da MP que reestruturou os ministérios, na semana
passada. As mudanças feitas no Congresso enfraqueceram pastas como Meio
Ambiente e Povos Indígenas, mas preservaram funções da Casa Civil e mantiveram
a extinção da Funasa.
Apesar do acordo costurado pelo Planalto, Gleisi
ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer as alterações. Mas
auxiliares de Lula afirmam que o governo não vê possibilidade de judicialização
e que a melhor opção é negociar alterações até amanhã, quando a MP deverá ser
votada no plenário da Câmara.
A ligação de Lula e do PT com o MST é vista como um
dos principais pontos de conflito com a Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), que tem 344 integrantes. Aliados de Lula afirmam que pautas vinculadas
aos sem-terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e aos indígenas
terão dificuldades.
Foi a proximidade do PT com os sem-terra um dos
motivos da criação da CPI que investiga o movimento e cujos membros são em sua
maioria da oposição.
Ø Em meio a tensão,
Lira sugeriu a Lula “mais Brasil e menos América Latina”
No telefonema que recebeu do presidente Lula (PT) na
última quarta-feira (31), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), aconselhou o petista a se preocupar menos com a América Latina e olhar
mais para o Brasil. A conversa ocorreu na manhã em que o governo estava sob
ameaça de sofrer uma inédita e relevante derrota na Câmara com a MP de
reformulação da Esplanada dos Ministérios, um dia depois de Lula chefiar em
Brasília encontro com representantes de todos os países da América do Sul.
O diálogo foi testemunhado, entre outros, pelo
ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e pelo líder do
governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) —os dois estavam com Lula, que
aparentemente falava no viva voz.
De acordo com relatos obtidos pela Folha, Lira teceu
um diagnóstico dos problemas na articulação política do governo num tom duro,
embora não desrespeitoso, o que incluiu a avaliação de que Lula deveria neste
momento se preocupar mais com a desarticulação política interna do que com os
problemas da política externa.
No telefonema, que ocorreu por volta das 9h, o
presidente da Câmara deu como exemplo a afirmação de que líderes partidários
aguardavam havia cinco meses para serem recebidos por ministros do governo. É
recorrente a reclamação de que deputados costumeiramente levam “chá de cadeira”
nos ministérios.
Lira disse que há uma avaliação de que o Executivo
tem desrespeitado os parlamentares e que esses e outros problemas estavam
fazendo o governo perder credibilidade na Câmara.
O presidente da Câmara afirmou a interlocutores que
fez um relato extenso justamente para que, no futuro, o petista não possa
alegar que não sabia da situação por completo. De acordo com aliados de Lula, o
presidente tem afirmado que não sabia de todos os problemas que foram listados
por Lira.
Além das emendas parlamentares não estarem sendo
liberadas, assim como as nomeações em cargos regionais, outras reclamações de
deputados são as de que ministros não estão informando sobre agendas em
estados.
Lira citou ainda na conversa com Lula que há cinco
ministérios que não estão dando andamento na liberação das verbas, entre eles
as pastas da Educação, da Saúde e da Agricultura.
Em entrevista à GloboNews na quinta-feira, o
presidente da Câmara disse que Lula foi alertado por ele nesse telefonema e que
era, naquele dia, “conhecedor de todas as dificuldades que o seu governo tem na
parte da articulação”. “Espero que tenha servido de ensinamento”, disse.
Ainda segundo relatos, após a ligação a Lula, Lira
telefonou a José Guimarães afirmando que a conversa não tinha sido boa, uma vez
que ele não tinha escutado de Lula qual seria a solução. Guimarães informou,
então, que já sabia de tudo porque tinha acompanhado a conversa ao lado de
Lula.
Em seguida, Guimarães e Padilha foram à residência
oficial da presidência da Câmara para se reunir com Lira. Os três conversaram
sozinhos.
Naquela manhã, o presidente da Câmara também
convocou reunião com todos os líderes partidários para tratar da votação da MP
que reorganiza a Esplanada dos Ministérios. Padilha não ficou para o encontro.
À noite, após longas conversas, reuniões e promessas feitas pelo governo, a MP
acabou sendo aprovada por 327 votos a 125.
Ao longo do dia, foi aventado um encontro entre Lula
e Lira. Mas, segundo relatos de aliados, Lula acabou não convidando o
presidente da Câmara para não passar a ideia de que agiria com “faca no
pescoço”. Isto é, que a MP só seria aprovada caso recebesse e atendesse as
reivindicações do presidente da Câmara.
O petista, porém, recebeu o líder da União Brasil,
Elmar Nascimento (União Brasil-BA). A ida dele ao Palácio do Planalto foi
combinada com Lira, de quem o deputado é próximo.
Ø Impasses no Congresso deixam Lula cada vez mais dependente da mediação do
STF
O governo está disfuncional. Cinco meses se passaram
desde a irradiante festa da posse presidencial até às melancólicas reuniões
desta terça-feira (30) na Câmara e no Itamaraty. Em vinte semanas, Lula não
conseguiu avançar na reorganização governamental. Adiou-se a votação da Medida
Provisória sobre a estrutura dos ministérios, cuja validade termina nesta
quinta-feira, simplesmente porque não havia segurança sobre a aprovação.
Destino similar teve a ideia de ressurreição da
União de Nações Sul-Americanas, que motivou a reunião de cúpula no Ministério
das Relações Exteriores.
Lula convocou o encontro, mas liquidou-o ao decidir
reabilitar, com honras de Estado, o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
Resultado: não conseguiu apoio dos líderes de uma dezena de países convidados
sequer para mencionar a Unasul no comunicado coletivo. Ficou para decisão
futura, se houver acordo algum dia.
“Basta de instituições”, fulminou o presidente do
Uruguai, Luis Lacalle Pou, durante o encontro no Itamaraty, acrescentando:
“Creio que devemos parar com essa tendência de criação de organizações. Vamos
às ações, deixando de lado o caminho que tem se mostrado equivocado.”
Desde a campanha eleitoral, Lula definira a
refundação da Unasul como prioridade na política externa para a região.
Formatou-a no primeiro mandato (2003-2007) como bloco político de oposição aos
Estados Unidos, principalmente em organismos como a Organização dos Estados
Americanos (OEA).
O viés antiamericano embalou ambições de competição
pela liderança da América do Sul entre Lula, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor
Kirchner (Argentina). A irmandade”, como Lula definiu ontem, se perdeu no
próprio enredo: Chávez e Kirchner vislumbraram a chance histórica de mitigar o
poder regional do Brasil — dono de metade do território, da população e do
Produto Interno Bruto (PIB) sul-americano.
A Unasul pereceu na briga política. Seu legado foram
dois prédios: um na Metade do Mundo, vilarejo na periferia de Quito, agora
convertido em escola pública para indígenas equatorianos; outro na vila de San
Benito, em Cochabamba, região central da Bolívia, abandonado em meio a denso
matagal. Custaram quase cem milhões de dólares, equivalentes a R$ 500 milhões,
a maior parte paga pelo Brasil.
Simbolizam o fracasso de uma arquitetura
integracionista baseada na multiplicação de instâncias burocráticas da
diplomacia, desenhadas como anteparo coletivo e permanente ao imperialismo
ianque.
Deu errado pelas incongruências dos governos Lula,
Chávez e Kirchner. A ressurreição, aparentemente, ficou inviável. Lula ficou
sem a matriz do seu projeto de liderança regional.
Semana passada, na reunião do G7 em Hiroshima,
Japão, perdeu o rumo no jogo de poder dos EUA, China, Europa e Rússia, e
continua sem ser reconhecido como mediador da paz na Ucrânia.
Resta a política ambiental, cuja vitrine mundial é a
Amazônia. É seu melhor trunfo diplomático, mas como o governo está
disfuncional, e sem entusiasmo com a agenda ambiental, o Ministério do Meio
Ambiente acabou desidratado pela Câmara na votação da Medida Provisória sobre a
reorganização do governo.
As mudanças prevaleceram e o Senado coonestou,
reduzindo poderes de Meio Ambiente e Povos Indígenas.
As derrotas legislativas se acumulam. O retrocesso
na demarcação de terras indígenas é caso exemplar, vai ser decidido pelo
Supremo Tribunal Federal.
Sem votos suficientes no Congresso, especialmente na
Câmara, Lula está cada vez mais dependente da arbitragem do STF. É a
antipolítica, observam alguns dos seus aliados.
Fonte: Correio Braziliense/O Globo/FolhaPress

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