domingo, 4 de junho de 2023

Lula e o governo ainda precisam aprender a conviver com um Congresso conservador

É bom o governo se conformar com as mudanças na medida provisória da reestruturação da Esplanada. O tempo e a ausência de uma maioria para retomar o texto original não ajudam. As medidas vencem na próxima quinta-feira e, portanto, não tem mais o que fazer.

Os líderes avisam que o jeito é aprender a conviver com um Congresso mais conservador e “cheio de manhas”, conforme avaliam alguns ministros. Caso contrário, avisam os líderes, as derrotas virão.

Em tempo: a votação do arcabouço fiscal deu ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o tamanho da direita mais radical no Congresso: são cerca de 100 deputados, que ficaram contra a proposta. Logo, ele tem, hoje, no centro, entre 260 e 250 deputados. A esquerda já havia sido mapeada na votação do decreto do saneamento — 120 parlamentares. Assim, não dá para passar nada sem o aval do comandante da Câmara.

Se a vida do governo será difícil nas próximas votações no plenário da Câmara, tudo promete ser mais fácil na CPMI do 8 de janeiro. A escolha da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) para a relatoria foi um ponto a favor do Planalto. A maioria é do governo e de Arthur Lira.

E a largada do presidente da CPMI, Arthur Maia (União Brasil-BA), foi bem recebida pelo governo. Aliado do presidente Lira, ele marcou uma reunião semanal do colegiado. Sinal de que a investigação andará devagar no Plenário e será acelerada, de verdade, nos bastidores.

Arthur Maia não pretende colocar fogo no parquinho. Nem da esquerda, nem da direita.

Se a direita quiser começar com a convocação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, principal alvo dos bolsonaristas, não conseguirá.

Da mesma forma que a esquerda não terá respaldo para colocar o ex-presidente Jair Bolsonaro sentado no banco dos convocados para depor — conhecido também como “banco dos réus”.

Passada a semana mais agitada do Parlamento neste início de legislatura, com a instalação de CPIs, o governo não tem dúvidas de que a mais trabalhosa será a do Movimento dos Sem-Terra (MST).

E o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto deu mais um recado ao governo e ao mercado. Prestes a receber novos diretores no BC, o economista disse a aliados que, ali, não tem governo nem oposição. Vale a regra do jogo, ou seja, a lei. Aliás, repetiu isso, em entrevista à Globonews, logo depois da aprovação do arcabouço fiscal na Câmara.

Por fim, os petistas fazem apostas sobre quando Marina Silva deixará o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas. Mas todos os movimentos dela indicam que a saída não está no radar.

·         Esquerda pressiona Lula, se divide no Congresso e causa desgaste para o Planalto

Pressionado por partidos de centro, dos quais depende para formar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem encontrado dificuldades para manter a ala mais à esquerda de seus aliados coesa com a frente ampla que montou para governar. Tanto na votação da nova regra fiscal quanto no acordo fechado para aprovar a reestruturação dos ministérios, foram parlamentares de partidos como PT, PSol e Rede, e não a oposição, os que mais resistiram.

Além disso, pautas ligadas a essas siglas, como a questão ambiental e a defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), viraram uma espécie de ponto fraco do governo.

Frente aos primeiros resultados de votações no Congresso, petistas próximos a Lula avaliam que o governo terá de optar por encampar temas que gerem mais consenso entre parlamentares, como os ligados a educação, saúde e distribuição de renda. Segundo esses auxiliares, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, já entendeu que temas da agenda da esquerda sofrerão resistência no Congresso.

— Quanto mais se aproximar do centro, mais chance de aprovação. Agenda de esquerda tem tido pouca adesão — resume o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).

Quanto à pauta ambiental, que Lula tenta usar como vitrine no cenário internacional, aliados afirmam que terá de ser tratada de forma mais ampla, com foco, por exemplo, na preservação da Amazônia e no combustível verde.

Mas é na área econômica que o governo enfrenta fogo amigo de maior calibre. A próxima batalha será a reforma tributária, tema que já opõe petistas e a equipe econômica.

O deputado Rui Falcão (PT-SP), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é um dos que acreditam que o fatiamento da reforma pode fazer com que a segunda etapa sequer saia do papel. Pela proposta da Fazenda, primeiro será encaminhada a simplificação e unificação dos tributos, para mais tarde se tratar de renda, patrimônio e riqueza.

Como revelou O GLOBO, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, enfrenta desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica de Lula. Além das críticas ao novo arcabouço fiscal, ela se disse contra a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis.

O PSol, por sua vez, votou integralmente contra a nova regra fiscal, enquanto deputados petistas, mesmo chancelando o projeto do governo, o criticaram duramente. Deputados protocolaram uma declaração que fala em “imprudência” e “estrangulamento” do poder público ao criticar a medida, especialmente após as mudanças promovidas pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA).

“Consideramos que o relatório de Cajado agravou sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento”, diz um trecho do texto que tem entre os signatários Lindbergh Farias (PT-RJ), Rui Falcão e Bohn Gass (PT-RS).

Esse descompasso entre governo e esquerda ficou evidente também na votação da MP que reestruturou os ministérios, na semana passada. As mudanças feitas no Congresso enfraqueceram pastas como Meio Ambiente e Povos Indígenas, mas preservaram funções da Casa Civil e mantiveram a extinção da Funasa.

Apesar do acordo costurado pelo Planalto, Gleisi ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer as alterações. Mas auxiliares de Lula afirmam que o governo não vê possibilidade de judicialização e que a melhor opção é negociar alterações até amanhã, quando a MP deverá ser votada no plenário da Câmara.

A ligação de Lula e do PT com o MST é vista como um dos principais pontos de conflito com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que tem 344 integrantes. Aliados de Lula afirmam que pautas vinculadas aos sem-terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e aos indígenas terão dificuldades.

Foi a proximidade do PT com os sem-terra um dos motivos da criação da CPI que investiga o movimento e cujos membros são em sua maioria da oposição.

 

Ø  Em meio a tensão, Lira sugeriu a Lula “mais Brasil e menos América Latina”

 

No telefonema que recebeu do presidente Lula (PT) na última quarta-feira (31), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aconselhou o petista a se preocupar menos com a América Latina e olhar mais para o Brasil. A conversa ocorreu na manhã em que o governo estava sob ameaça de sofrer uma inédita e relevante derrota na Câmara com a MP de reformulação da Esplanada dos Ministérios, um dia depois de Lula chefiar em Brasília encontro com representantes de todos os países da América do Sul.

O diálogo foi testemunhado, entre outros, pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) —os dois estavam com Lula, que aparentemente falava no viva voz.

De acordo com relatos obtidos pela Folha, Lira teceu um diagnóstico dos problemas na articulação política do governo num tom duro, embora não desrespeitoso, o que incluiu a avaliação de que Lula deveria neste momento se preocupar mais com a desarticulação política interna do que com os problemas da política externa.

No telefonema, que ocorreu por volta das 9h, o presidente da Câmara deu como exemplo a afirmação de que líderes partidários aguardavam havia cinco meses para serem recebidos por ministros do governo. É recorrente a reclamação de que deputados costumeiramente levam “chá de cadeira” nos ministérios.

Lira disse que há uma avaliação de que o Executivo tem desrespeitado os parlamentares e que esses e outros problemas estavam fazendo o governo perder credibilidade na Câmara.

O presidente da Câmara afirmou a interlocutores que fez um relato extenso justamente para que, no futuro, o petista não possa alegar que não sabia da situação por completo. De acordo com aliados de Lula, o presidente tem afirmado que não sabia de todos os problemas que foram listados por Lira.

Além das emendas parlamentares não estarem sendo liberadas, assim como as nomeações em cargos regionais, outras reclamações de deputados são as de que ministros não estão informando sobre agendas em estados.

Lira citou ainda na conversa com Lula que há cinco ministérios que não estão dando andamento na liberação das verbas, entre eles as pastas da Educação, da Saúde e da Agricultura.

Em entrevista à GloboNews na quinta-feira, o presidente da Câmara disse que Lula foi alertado por ele nesse telefonema e que era, naquele dia, “conhecedor de todas as dificuldades que o seu governo tem na parte da articulação”. “Espero que tenha servido de ensinamento”, disse.

Ainda segundo relatos, após a ligação a Lula, Lira telefonou a José Guimarães afirmando que a conversa não tinha sido boa, uma vez que ele não tinha escutado de Lula qual seria a solução. Guimarães informou, então, que já sabia de tudo porque tinha acompanhado a conversa ao lado de Lula.

Em seguida, Guimarães e Padilha foram à residência oficial da presidência da Câmara para se reunir com Lira. Os três conversaram sozinhos.

Naquela manhã, o presidente da Câmara também convocou reunião com todos os líderes partidários para tratar da votação da MP que reorganiza a Esplanada dos Ministérios. Padilha não ficou para o encontro. À noite, após longas conversas, reuniões e promessas feitas pelo governo, a MP acabou sendo aprovada por 327 votos a 125.

Ao longo do dia, foi aventado um encontro entre Lula e Lira. Mas, segundo relatos de aliados, Lula acabou não convidando o presidente da Câmara para não passar a ideia de que agiria com “faca no pescoço”. Isto é, que a MP só seria aprovada caso recebesse e atendesse as reivindicações do presidente da Câmara.

O petista, porém, recebeu o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (União Brasil-BA). A ida dele ao Palácio do Planalto foi combinada com Lira, de quem o deputado é próximo.

 

Ø  Impasses no Congresso deixam Lula cada vez mais dependente da mediação do STF

 

O governo está disfuncional. Cinco meses se passaram desde a irradiante festa da posse presidencial até às melancólicas reuniões desta terça-feira (30) na Câmara e no Itamaraty. Em vinte semanas, Lula não conseguiu avançar na reorganização governamental. Adiou-se a votação da Medida Provisória sobre a estrutura dos ministérios, cuja validade termina nesta quinta-feira, simplesmente porque não havia segurança sobre a aprovação.

Destino similar teve a ideia de ressurreição da União de Nações Sul-Americanas, que motivou a reunião de cúpula no Ministério das Relações Exteriores.

Lula convocou o encontro, mas liquidou-o ao decidir reabilitar, com honras de Estado, o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Resultado: não conseguiu apoio dos líderes de uma dezena de países convidados sequer para mencionar a Unasul no comunicado coletivo. Ficou para decisão futura, se houver acordo algum dia.

“Basta de instituições”, fulminou o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, durante o encontro no Itamaraty, acrescentando: “Creio que devemos parar com essa tendência de criação de organizações. Vamos às ações, deixando de lado o caminho que tem se mostrado equivocado.”

Desde a campanha eleitoral, Lula definira a refundação da Unasul como prioridade na política externa para a região. Formatou-a no primeiro mandato (2003-2007) como bloco político de oposição aos Estados Unidos, principalmente em organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA).

O viés antiamericano embalou ambições de competição pela liderança da América do Sul entre Lula, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina). A irmandade”, como Lula definiu ontem, se perdeu no próprio enredo: Chávez e Kirchner vislumbraram a chance histórica de mitigar o poder regional do Brasil — dono de metade do território, da população e do Produto Interno Bruto (PIB) sul-americano.

A Unasul pereceu na briga política. Seu legado foram dois prédios: um na Metade do Mundo, vilarejo na periferia de Quito, agora convertido em escola pública para indígenas equatorianos; outro na vila de San Benito, em Cochabamba, região central da Bolívia, abandonado em meio a denso matagal. Custaram quase cem milhões de dólares, equivalentes a R$ 500 milhões, a maior parte paga pelo Brasil.

Simbolizam o fracasso de uma arquitetura integracionista baseada na multiplicação de instâncias burocráticas da diplomacia, desenhadas como anteparo coletivo e permanente ao imperialismo ianque.

Deu errado pelas incongruências dos governos Lula, Chávez e Kirchner. A ressurreição, aparentemente, ficou inviável. Lula ficou sem a matriz do seu projeto de liderança regional.

Semana passada, na reunião do G7 em Hiroshima, Japão, perdeu o rumo no jogo de poder dos EUA, China, Europa e Rússia, e continua sem ser reconhecido como mediador da paz na Ucrânia.

Resta a política ambiental, cuja vitrine mundial é a Amazônia. É seu melhor trunfo diplomático, mas como o governo está disfuncional, e sem entusiasmo com a agenda ambiental, o Ministério do Meio Ambiente acabou desidratado pela Câmara na votação da Medida Provisória sobre a reorganização do governo.

As mudanças prevaleceram e o Senado coonestou, reduzindo poderes de Meio Ambiente e Povos Indígenas.

As derrotas legislativas se acumulam. O retrocesso na demarcação de terras indígenas é caso exemplar, vai ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Sem votos suficientes no Congresso, especialmente na Câmara, Lula está cada vez mais dependente da arbitragem do STF. É a antipolítica, observam alguns dos seus aliados.

 

Fonte: Correio Braziliense/O Globo/FolhaPress

 

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