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um indígena Pataxó é alvo de ataque em território ameaçado por Marco Temporal
na Bahia
Caía a noite sob forte chuva no último dia 30,
quando seis caminhonetes e um caminhão chegaram a uma área recém-retomada pelo
povo Pataxó e abriram fogo contra a comunidade. O ataque acontece na aldeia
Várzea da Palmeira, no território indígena de Barra Velha, em Porto Seguro
(BA). Um homem foi alvejado nas costas e segue internado em um hospital de
Itamaraju, município vizinho.
O território indígena Barra Velha é formado por
diversas aldeias do povo Pataxó e sofre intensos conflitos desde o início dos
anos 2000. Foi neste mesmo território, em outras aldeias, que foram
assassinados Gustavo Pataxó, de apenas 14 anos, em setembro de 2022; e também
Samuel e Inauí, mortos em janeiro deste ano.
Quatro policiais militares foram presos acusados de
envolvimento nos três assassinatos – seus nomes nunca foram divulgados. As
lideranças locais acusam os fazendeiros locais de montarem milícias para
atuarem contra indígenas, outros povos tradicionais, assentados e acampados
ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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Retomada
Uma liderança do povo Pataxó, que preferiu não se
identificar por medo das perseguições que vem sofrendo, contou que, no dia 29,
a comunidade de Várzea da Palmeira avançou em mais uma área de retomada,
chegando até a sede de uma fazenda. Ao anunciarem a retomada aos trabalhadores
da propriedade, o gerente teria deixado o carro com as chaves e abandonado o
local.
Ainda de acordo com a liderança, o mesmo gerente
informou à polícia que a caminhonete havia sido roubada pelo cacique Bacurau.
Este chegou a ser preso no mesmo dia 29, mas foi solto logo na manhã seguinte.
No final da tarde do mesmo dia 30, os indígenas que estavam na sede da fazenda
foram atacados. “Saíram atirando para matar nosso povo”, conta a liderança.
Um homem foi atingido nas costas e precisou ser
escoltado pela PM até o hospital onde segue internado. Na fuga para se
proteger, outro homem da comunidade se perdeu do grupo e ficou desaparecido na
mata até o final da tarde do dia 31. A Funai e a PM se juntaram às buscas até
encontrá-lo, com muitas escoriações e debilitado. “Eles chegaram lá fortemente
armados, mas não podemos dizer se havia policiais envolvidos, cabe à
investigação dizer”, complementa.
O Brasil de Fato procurou a PM e a Funai, mas até o
fechamento da matéria, ainda não obteve respostas.
A liderança Pataxó conta que a situação no
território está cada dia mais tensa. “Lideranças ameaçadas de morte, caciques e
líderes de linha de frente ameaçados e perseguidos”, diz. Por isso mesmo, ela
pede para não se identificar nem identificar as outras pessoas envolvidas no
episódio do último dia 30. “Hoje nós estamos na luta, desistir, jamais. Mas é
com muito medo. E, ao mesmo tempo, muita coragem”, finaliza.
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Marco Temporal
A TI Barra Velha foi demarcada na década de 1980,
com pouco mais de 8.600 hectares. O povo Pataxó, porém, reivindicava já naquela
época uma área muito maior, tendo em vista o tamanho da população e os usos
tradicionais e sagrados da terra. Desde o início dos anos 2000, os Pataxó
realizaram várias ações de retomada dessas áreas. E, em 2009, a Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai) publicou um novo relatório de
identificação da área que apontava um território com quase 53 mil hectares.
O território reivindicado, no entanto, até hoje não
recebeu a carta declaratória, documento final do processo de demarcação de uma
TI. A área sofre grande pressão de empreendimentos imobiliários e de turismo
que pretendem se instalar em uma região muito explorada economicamente por
conta de suas belezas cênicas.
De 2009 para cá, fazendeiros e empresários locais
ingressaram com diversos processos no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e no
Superior Tribunal Federal (STF) contra a demarcação do território. Os processos
se baseiam na tese do marco temporal, que deve ser julgada pelo STF ainda este
mês.
Esta tese jurídica prevê que só podem ser demarcados
os territórios indígenas que eram ocupados por um determinado povo até 5 de
outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Assim, as áreas
que tenham sido retomadas posteriormente a esta data não poderiam ser
consideras terras indígenas. Este é o mesmo conteúdo do Projeto de Lei 490 que
acaba de ser aprovado na Câmara Federal.
“Estamos sofrendo retrocessos de todos os lados. É
esse PL 490, é o Marco Temporal que está aí para ser julgado, querendo tirar os
nossos direitos. Nós estamos aqui desde muito antes da invasão de Pedro Álvares
Cabral”, afirma a liderança Pataxó.
Ø TJ-BA emite decisão favorável a comunidades do território de Areia Grande
em Casa Nova
Na última quarta-feira (31), o Tribunal de Justiça
da Bahia (TJ-BA) reconheceu que o território de comunidades tradicionais de
fundo de pasto de Areia Grande, em Casa Nova (BA), é composto por terras
devolutas do estado da Bahia e, portanto, não pertence ao Banco do Brasil, que
reivindicava ser proprietário das terras. Há mais de 15 anos, o Banco e dois
empresários vinham buscando judicialmente a expulsão de 400 famílias de seu
território.
André Sacramento, advogado da Associação dos
Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR) que acompanha o caso, explica
que essa decisão do TJ-BA é uma vitória para as comunidades, pois reconhece que
a ação se trata de grilagem de terras. “Foi um processo longo, de muitas
dificuldades, quando nós da AATR assumimos o processo já havia uma sentença de
expulsão dos trabalhadores em favor do Banco do Brasil, nós alegamos a grilagem
dessas terras, que eram terras que nunca tinham pertencido a fazendas, mas que
se tratavam de terras devolutas. Com essa decisão, o TJ-BA nos surpreendeu
positivamente reconhecendo que se tratam de terras griladas que não poderiam
ter sido passadas para o Banco do Brasil, nem ser alvo da ação de despejo”,
afirmou o advogado.
Para Zacarias Rocha, do território de Areia Grande,
essa vitória judicial serve de ânimo para a população local continuar na
luta por seu território e também para fortalecer outras comunidades que estão
passando por situação semelhante. “Isso significa a reafirmação das comunidades
de Areia Grande enquanto detentoras do território. As comunidades vêm há séculos
fazendo a luta para permanência no seu território, quando Areia Grande ganha,
outras comunidades também ganham com isso, porque é o modo de vida desses
povos. E também não significa dizer que com essa vitória a luta deva parar”,
comentou Rocha.
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Histórico do conflito
A área em litígio, o território de Areia Grande, é
composto pelas comunidades Melancia, Riacho Grande, Salinas da Brinca, Jurema,
Tanquinho, Ladeira Grande, Lagoado, Lagedo, Lagoinha, Pedra do Batista e Pilão.
Desde a segunda metade do século XIX, essas comunidades estão no território,
vivendo da criação à solta de caprinos e extrativismo.
Na final da década de 1970, Areia Grande foi alvo de
um processo escandaloso de grilagem em benefício da empresa Agroindustrial
Camaragibe S.A, que acessando recursos do Proálcool, adquiriu “títulos de
posses” na área e os registrou no Cartório de Registro de Imóveis de Casa Nova
como se fossem propriedade.
Além da fraude no registro, a empresa abandonou o
projeto de produção de álcool biodiesel e apropriou-se do financiamento
público, deixando uma dívida milionária com o Banco do Brasil, no contexto do
chamado “Escândalo da Mandioca”, de repercussão nacional. Como forma de
pagamento da dívida, o Banco do Brasil adquiriu o direito sobre os títulos
supostamente de propriedade registrados pela empresa nas terras de Areia
Grande, e, em 2004, os transferiu para os empresários Alberto Martins Pires
Matos e Carlos Nisan Lima Silva.
Em 2006, esses empresários ingressaram com uma ação
judicial contra 11 moradores de Areia Grande, acusando-os de invasores e
requerendo a imissão daqueles na posse da área, o que foi aprovado pelo juiz de
direito de Casa Nova, sem sequer ouvir o Ministério Público.
O cumprimento da decisão causou amplo clamor social,
quando no dia 06.03.2008, a região de Areia Grande reviveu situação de terror.
Policiais e prepostos dos empresários invadiram a área ocupada secularmente
pelas comunidades, destruíram casas, chiqueiros, currais, roçados, árvores
centenárias da caatinga, milhares de metros de cercados, levando a prejuízos
calculados em mais de um milhão de reais. As ameaças armadas chegaram ao
extremo, culminando, em 2009, no assassinato do trabalhador rural José Campos
Braga (Zé de Antero), crime que continua impune até hoje.
Fonte: Brasil de Fato/CPT

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