sábado, 3 de junho de 2023

Luis Nassif: Para entender a crise política

O primeiro passo é entender a lógica do Congresso – que foi bem explicada por Fernando Gabeira, na Globonews.

Antes, com financiamento privado de campanha, os parlamentares dependiam dos lobbies privados. Com o financiamento público, um caminhão de dinheiro passou a jorrar dos cofres públicos. E, a partir das brechas abertas pelo bolsonarismo, passaram a disputar dinheiro de emendas e a pretender controlar o orçamento.

Nesse quadro, passaram a se comportar corporativamente como sindicalistas. Ou seja, quando se trata de buscar verbas do governo, há um momento majoritário no Congresso. É desse corporativismo que se prevalece o presidente da Câmara Artur Lira.

A explicação para por aí.

O segundo tempo do jogo é na hora de disputar espaço político, cargos nos ministérios e organismos federais. Aí ocorre a disputa entre os diversos grupos de parlamentares. Lira lidera um grupo do Centrão, Gilberto Kassab outro, Valdemar da Costa Neto outro. Lira não representa mais a maioria. Mais: quem tem poder de indicar é o dono da caneta, e ele é o presidente da República.

Foi o que Lula fez, pondo-se a campo e negociando a aprovação da Medida Provisória dos ministérios. A diferença graúda de placar não pode ser atribuída a Lira, mas à negociação por bloco de influência. Foi vitória de Lula.

Daqui para frente, entra também um segundo personagem no jogo: o Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal. A pronta ação de Dias Toffoli, liberando para julgamento um caso antigo de Artur Lira, comprova que o Supremo acordou para o perigo representado por Lira.

Ele se vale da chantagem e da falta de limites. Caso consolidasse seu poder na Câmara, poderia aprovar leis desestabilizando a democracia, como ocorreu com o impeachment de Dilma Rousseff, articulado por seu alter ego, Eduardo Cunha. As Forças Armadas atuam apenas quando outros poderes abrem espaço. Foi assim com a operação de Garantia de Lei e Ordem, com Temer, ou com as inúmeras intervenções no governo Bolsonaro.

Daí a necessidade premente de anular a participação deletéria de Lira no jogo político. Não será difícil. Nas últimas semanas, ele cometeu um erro político básico: externalizou de maneira imprudente sua gana por poder. Sempre que isso ocorre, acaba por tornar-se alvo das demais instituições.

Até agora, o emburrecimento das redações fez com que, em um primeiro momento, a maior parte da cobertura celebrasse a perspectiva de derrota de Lula, sem se dar conta de que uma vitória de Lira seria contra todo o país institucional. Como a mídia leva dias para entender o novo quadro, gradativamente, Lira irá se tornando inimigo público número 1.

A prisão de seu braço direito, com 5 milhões de reais em dinheiro vivo – em operação de ontem da Polícia Federal – facilitará a implosão de sua cidadela.

Mantida essa dinâmica, anulado Lira, o segundo problema do país são os juros do Banco Central. Os últimos dados estão gerando uma pressão generalizada contra Roberto Campos Neto por parte de todos os setores da economia e da política. Ele acabará cedendo. O mercado continua apostando em uma Selic acima de 12 pontos até o final do ano. Cabeças mais realistas apostam na Selic de um dígito.

Acelerando a queda da Selic, há possibilidades concretas de aumento da atividade econômica, permitindo ao país sair da armadilha atual, na qual grandes grupos nacionais estão ameaçados de inadimplência.

Ainda há um árduo caminho pela frente. Mas a anulação da influência deletéria de Lira acende uma luz no caminho da recuperação da economia e da institucionalidade.

 

Ø  Esquerda pressiona Lula, se divide no Congresso e causa desgaste para o Planalto

 

Pressionado por partidos de centro, dos quais depende para formar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem encontrado dificuldades para manter a ala mais à esquerda de seus aliados coesa com a frente ampla que montou para governar. Tanto na votação da nova regra fiscal quanto no acordo fechado para aprovar a reestruturação dos ministérios, foram parlamentares de partidos como PT, PSol e Rede, e não a oposição, os que mais resistiram.

Além disso, pautas ligadas a essas siglas, como a questão ambiental e a defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), viraram uma espécie de ponto fraco do governo.

Frente aos primeiros resultados de votações no Congresso, petistas próximos a Lula avaliam que o governo terá de optar por encampar temas que gerem mais consenso entre parlamentares, como os ligados a educação, saúde e distribuição de renda. Segundo esses auxiliares, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, já entendeu que temas da agenda da esquerda sofrerão resistência no Congresso.

— Quanto mais se aproximar do centro, mais chance de aprovação. Agenda de esquerda tem tido pouca adesão — resume o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).

Quanto à pauta ambiental, que Lula tenta usar como vitrine no cenário internacional, aliados afirmam que terá de ser tratada de forma mais ampla, com foco, por exemplo, na preservação da Amazônia e no combustível verde.

Mas é na área econômica que o governo enfrenta fogo amigo de maior calibre. A próxima batalha será a reforma tributária, tema que já opõe petistas e a equipe econômica.

O deputado Rui Falcão (PT-SP), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é um dos que acreditam que o fatiamento da reforma pode fazer com que a segunda etapa sequer saia do papel. Pela proposta da Fazenda, primeiro será encaminhada a simplificação e unificação dos tributos, para mais tarde se tratar de renda, patrimônio e riqueza.

Como revelou O GLOBO, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, enfrenta desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica de Lula. Além das críticas ao novo arcabouço fiscal, ela se disse contra a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis.

O PSol, por sua vez, votou integralmente contra a nova regra fiscal, enquanto deputados petistas, mesmo chancelando o projeto do governo, o criticaram duramente. Deputados protocolaram uma declaração que fala em “imprudência” e “estrangulamento” do poder público ao criticar a medida, especialmente após as mudanças promovidas pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA).

“Consideramos que o relatório de Cajado agravou sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento”, diz um trecho do texto que tem entre os signatários Lindbergh Farias (PT-RJ), Rui Falcão e Bohn Gass (PT-RS).

Esse descompasso entre governo e esquerda ficou evidente também na votação da MP que reestruturou os ministérios, na semana passada. As mudanças feitas no Congresso enfraqueceram pastas como Meio Ambiente e Povos Indígenas, mas preservaram funções da Casa Civil e mantiveram a extinção da Funasa.

Apesar do acordo costurado pelo Planalto, Gleisi ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer as alterações. Mas auxiliares de Lula afirmam que o governo não vê possibilidade de judicialização e que a melhor opção é negociar alterações até amanhã, quando a MP deverá ser votada no plenário da Câmara.

A ligação de Lula e do PT com o MST é vista como um dos principais pontos de conflito com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que tem 344 integrantes. Aliados de Lula afirmam que pautas vinculadas aos sem-terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e aos indígenas terão dificuldades.

Foi a proximidade do PT com os sem-terra um dos motivos da criação da CPI que investiga o movimento e cujos membros são em sua maioria da oposição.

 

Ø  Lula abre o cofre, livra-se da arapuca de Arthur Lira, mas segue nas cordas. Por Andrei Meireles

 

Lula sabota Lula. Mesmo com a vitória na Câmara na noite dessa quarta-feira (31), em que perdeu os anéis, mas salvou a maioria dos dedos, o governo Lula segue nas cordas, refém de sua desorganização no Congresso. O que, além da gula ali sem limites, reflete um jeito errático de governar.

A  prioridade de Lula nesses seus primeiros cinco meses de governo foi a política externa. Fez um belo contraponto a Bolsonaro. Seu problema foi que depois de construir boas jogadas quando chegou na cara do gol chutou pra fora. Tentou se apresentar como um líder da paz mundial, com a pretensão de intermediar a guerra na Ucrânia, mas queimou o filme numa manifestação na China em que tomou partido contra quem condena a agressão russa. Tentou corrigir em viagem a Europa, mas desperdiçou a oportunidade de zerar o jogo com um encontro com Zelenski no Japão.

Fez nova investida trazendo ao Brasil os líderes de todos os governos da América do Sul. Escolheu o campo pra vencer de goleada. Antes mesmo da reunião acontecer pisou feio na bola ao transferir seu protagonismo regional para o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela. O encontro virou mais um fiasco.

Enquanto perdia tempo com essas trapalhadas internacionais, Lula foi omisso no jogo político interno. É até compreensível que não goste de de prosas com Arthur Lira e sua trupe. Mas conversa bem com outros políticos do mesmo naipe, como Davi Alcolumbre e Renan Calheiros.

Assim, montou um ministério que no quesito cooptação parlamentar ficou capenga. Deu 9 ministérios para o União Brasil, PSD e MDB, mas na Câmara dos Deputados não recebe os votos esperados. Não dá nem pra criticar Arthur Lira. Há tempos, ele vem alertando sobre a insatisfação dos deputados do Centrão e alhures com esse arranjo ministerial que não os atendeu. Com todas as letras, disse que, mantido esse modelo, o mais eficaz seria liberar grana para os parlamentares.

Os articuladores políticos do governo não só entenderam como concordam com esse diagnóstico. Os líderes José Guimarães (governo) e Zeca Dirceu (PT) e o ministro Alexandre Padilha (Articulação Política) sabem de cor e salteado a insatisfação dos deputados que trocaram a fartura do Orçamento Secreto pelo conta-gotas de agora.

A síndrome dessa abstinência de grana e a má escalação de ministros de partidos ligados ao Centrão são o fermento dessa rebelião na Câmara, em que Lira surfa pra tentar enquadrar Lula, como fez com Jair Bolsonaro. Lula até piscou, mas não caiu na armadilha de Lira. Abriu os cofres, liberou numa tacada só uma bolada de R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares, telefonou pra Lira, manteve uma conversa protocolar, mas não cedeu à apresentação de uma conta mais salgada num tête-à-tête.

Arthur Lira não gostou, esticou a corda, depois cedeu. A Medida Provisória que reestruturou o governo, com todas as reduções de poder do Meio Ambiente e da Pasta dos Povos Indígenas, finalmente foi aprovada pela Câmara por 337 a 125 votos. Foi um alívio pro governo, mas o sufoco continua. “Caminhamos no fio da navalha. O governo vai ter que fazer repactuações”, desabou José Guimarães após a votação.

A questão não é ceder ou não ao Centrão. É tornar o processo de decisão do governo mais plural. Hoje parece exclusivo de Lula que, focado em  outras prioridades, o delega em parte a alguns petistas, sem nenhuma autonomia.

Nesse cenário algo caótico, a alternativa parece clara. Ou Lula assume o leme e dá uma direção a seu barco ou vai seguir à deriva, com risco de naufrágio.

 

Fonte: Jornal GGN/O Globo/Os Divergentes

 

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