Luis
Nassif: Para entender a crise política
O primeiro passo é entender a lógica do Congresso –
que foi bem explicada por Fernando Gabeira, na Globonews.
Antes, com financiamento privado de campanha, os
parlamentares dependiam dos lobbies privados. Com o financiamento público, um
caminhão de dinheiro passou a jorrar dos cofres públicos. E, a partir das
brechas abertas pelo bolsonarismo, passaram a disputar dinheiro de emendas e a
pretender controlar o orçamento.
Nesse quadro, passaram a se comportar
corporativamente como sindicalistas. Ou seja, quando se trata de buscar verbas
do governo, há um momento majoritário no Congresso. É desse corporativismo que
se prevalece o presidente da Câmara Artur Lira.
A explicação para por aí.
O segundo tempo do jogo é na hora de disputar espaço
político, cargos nos ministérios e organismos federais. Aí ocorre a disputa
entre os diversos grupos de parlamentares. Lira lidera um grupo do Centrão,
Gilberto Kassab outro, Valdemar da Costa Neto outro. Lira não representa mais a
maioria. Mais: quem tem poder de indicar é o dono da caneta, e ele é o
presidente da República.
Foi o que Lula fez, pondo-se a campo e negociando a
aprovação da Medida Provisória dos ministérios. A diferença graúda de placar
não pode ser atribuída a Lira, mas à negociação por bloco de influência. Foi
vitória de Lula.
Daqui para frente, entra também um segundo
personagem no jogo: o Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal. A pronta
ação de Dias Toffoli, liberando para julgamento um caso antigo de Artur Lira,
comprova que o Supremo acordou para o perigo representado por Lira.
Ele se vale da chantagem e da falta de limites. Caso
consolidasse seu poder na Câmara, poderia aprovar leis desestabilizando a
democracia, como ocorreu com o impeachment de Dilma Rousseff, articulado por
seu alter ego, Eduardo Cunha. As Forças Armadas atuam apenas quando outros
poderes abrem espaço. Foi assim com a operação de Garantia de Lei e Ordem, com
Temer, ou com as inúmeras intervenções no governo Bolsonaro.
Daí a necessidade premente de anular a participação
deletéria de Lira no jogo político. Não será difícil. Nas últimas semanas, ele
cometeu um erro político básico: externalizou de maneira imprudente sua gana
por poder. Sempre que isso ocorre, acaba por tornar-se alvo das demais
instituições.
Até agora, o emburrecimento das redações fez com
que, em um primeiro momento, a maior parte da cobertura celebrasse a
perspectiva de derrota de Lula, sem se dar conta de que uma vitória de Lira
seria contra todo o país institucional. Como a mídia leva dias para entender o
novo quadro, gradativamente, Lira irá se tornando inimigo público número 1.
A prisão de seu braço direito, com 5 milhões de
reais em dinheiro vivo – em operação de ontem da Polícia Federal – facilitará a
implosão de sua cidadela.
Mantida essa dinâmica, anulado Lira, o segundo
problema do país são os juros do Banco Central. Os últimos dados estão gerando
uma pressão generalizada contra Roberto Campos Neto por parte de todos os
setores da economia e da política. Ele acabará cedendo. O mercado continua
apostando em uma Selic acima de 12 pontos até o final do ano. Cabeças mais
realistas apostam na Selic de um dígito.
Acelerando a queda da Selic, há possibilidades
concretas de aumento da atividade econômica, permitindo ao país sair da
armadilha atual, na qual grandes grupos nacionais estão ameaçados de
inadimplência.
Ainda há um árduo caminho pela frente. Mas a
anulação da influência deletéria de Lira acende uma luz no caminho da
recuperação da economia e da institucionalidade.
Ø Esquerda pressiona Lula, se divide no Congresso e causa desgaste para o
Planalto
Pressionado por partidos de centro, dos quais
depende para formar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva tem encontrado dificuldades para manter a ala mais à esquerda de seus
aliados coesa com a frente ampla que montou para governar. Tanto na votação da
nova regra fiscal quanto no acordo fechado para aprovar a reestruturação dos
ministérios, foram parlamentares de partidos como PT, PSol e Rede, e não a
oposição, os que mais resistiram.
Além disso, pautas ligadas a essas siglas, como a
questão ambiental e a defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), viraram uma espécie de ponto fraco do governo.
Frente aos primeiros resultados de votações no
Congresso, petistas próximos a Lula avaliam que o governo terá de optar por
encampar temas que gerem mais consenso entre parlamentares, como os ligados a
educação, saúde e distribuição de renda. Segundo esses auxiliares, o ministro
Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação
política do governo, já entendeu que temas da agenda da esquerda sofrerão
resistência no Congresso.
— Quanto mais se aproximar do centro, mais chance de
aprovação. Agenda de esquerda tem tido pouca adesão — resume o líder do União
Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).
Quanto à pauta ambiental, que Lula tenta usar como
vitrine no cenário internacional, aliados afirmam que terá de ser tratada de
forma mais ampla, com foco, por exemplo, na preservação da Amazônia e no
combustível verde.
Mas é na área econômica que o governo enfrenta fogo
amigo de maior calibre. A próxima batalha será a reforma tributária, tema que
já opõe petistas e a equipe econômica.
O deputado Rui Falcão (PT-SP), que preside a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é um dos que acreditam que o
fatiamento da reforma pode fazer com que a segunda etapa sequer saia do papel.
Pela proposta da Fazenda, primeiro será encaminhada a simplificação e unificação
dos tributos, para mais tarde se tratar de renda, patrimônio e riqueza.
Como revelou O GLOBO, a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, enfrenta desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender
posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica de Lula.
Além das críticas ao novo arcabouço fiscal, ela se disse contra a volta da
cobrança de impostos sobre combustíveis.
O PSol, por sua vez, votou integralmente contra a
nova regra fiscal, enquanto deputados petistas, mesmo chancelando o projeto do
governo, o criticaram duramente. Deputados protocolaram uma declaração que fala
em “imprudência” e “estrangulamento” do poder público ao criticar a medida,
especialmente após as mudanças promovidas pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA).
“Consideramos que o relatório de Cajado agravou
sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a
capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de
desenvolvimento”, diz um trecho do texto que tem entre os signatários Lindbergh
Farias (PT-RJ), Rui Falcão e Bohn Gass (PT-RS).
Esse descompasso entre governo e esquerda ficou
evidente também na votação da MP que reestruturou os ministérios, na semana
passada. As mudanças feitas no Congresso enfraqueceram pastas como Meio
Ambiente e Povos Indígenas, mas preservaram funções da Casa Civil e mantiveram
a extinção da Funasa.
Apesar do acordo costurado pelo Planalto, Gleisi
ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer as alterações. Mas
auxiliares de Lula afirmam que o governo não vê possibilidade de judicialização
e que a melhor opção é negociar alterações até amanhã, quando a MP deverá ser
votada no plenário da Câmara.
A ligação de Lula e do PT com o MST é vista como um
dos principais pontos de conflito com a Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), que tem 344 integrantes. Aliados de Lula afirmam que pautas vinculadas
aos sem-terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e aos indígenas
terão dificuldades.
Foi a proximidade do PT com os sem-terra um dos
motivos da criação da CPI que investiga o movimento e cujos membros são em sua
maioria da oposição.
Ø Lula abre o cofre, livra-se da arapuca de Arthur Lira, mas segue nas
cordas. Por Andrei Meireles
Lula sabota Lula. Mesmo com a vitória na Câmara na noite
dessa quarta-feira (31), em que perdeu os anéis, mas salvou a maioria dos
dedos, o governo Lula segue nas cordas, refém de sua desorganização no
Congresso. O que, além da gula ali sem limites, reflete um jeito errático de
governar.
A prioridade de Lula nesses seus primeiros
cinco meses de governo foi a política externa. Fez um belo contraponto a
Bolsonaro. Seu problema foi que depois de construir boas jogadas quando chegou
na cara do gol chutou pra fora. Tentou se apresentar como um líder da paz mundial,
com a pretensão de intermediar a guerra na Ucrânia, mas queimou o filme numa
manifestação na China em que tomou partido contra quem condena a agressão
russa. Tentou corrigir em viagem a Europa, mas desperdiçou a oportunidade de
zerar o jogo com um encontro com Zelenski no Japão.
Fez nova investida trazendo ao Brasil os líderes de
todos os governos da América do Sul. Escolheu o campo pra vencer de goleada.
Antes mesmo da reunião acontecer pisou feio na bola ao transferir seu
protagonismo regional para o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela. O encontro
virou mais um fiasco.
Enquanto perdia tempo com essas trapalhadas
internacionais, Lula foi omisso no jogo político interno. É até compreensível
que não goste de de prosas com Arthur Lira e sua trupe. Mas conversa bem com
outros políticos do mesmo naipe, como Davi Alcolumbre e Renan Calheiros.
Assim, montou um ministério que no quesito cooptação
parlamentar ficou capenga. Deu 9 ministérios para o União Brasil, PSD e MDB,
mas na Câmara dos Deputados não recebe os votos esperados. Não dá nem pra
criticar Arthur Lira. Há tempos, ele vem alertando sobre a insatisfação dos
deputados do Centrão e alhures com esse arranjo ministerial que não os atendeu.
Com todas as letras, disse que, mantido esse modelo, o mais eficaz seria
liberar grana para os parlamentares.
Os articuladores políticos do governo não só
entenderam como concordam com esse diagnóstico. Os líderes José Guimarães
(governo) e Zeca Dirceu (PT) e o ministro Alexandre Padilha (Articulação
Política) sabem de cor e salteado a insatisfação dos deputados que trocaram a
fartura do Orçamento Secreto pelo conta-gotas de agora.
A síndrome dessa abstinência de grana e a má
escalação de ministros de partidos ligados ao Centrão são o fermento dessa
rebelião na Câmara, em que Lira surfa pra tentar enquadrar Lula, como fez com
Jair Bolsonaro. Lula até piscou, mas não caiu na armadilha de Lira. Abriu os
cofres, liberou numa tacada só uma bolada de R$ 1,7 bilhão em emendas
parlamentares, telefonou pra Lira, manteve uma conversa protocolar, mas não
cedeu à apresentação de uma conta mais salgada num tête-à-tête.
Arthur Lira não gostou, esticou a corda, depois
cedeu. A Medida Provisória que reestruturou o governo, com todas as reduções de
poder do Meio Ambiente e da Pasta dos Povos Indígenas, finalmente foi aprovada
pela Câmara por 337 a 125 votos. Foi um alívio pro governo, mas o sufoco
continua. “Caminhamos no fio da navalha. O governo vai ter que fazer
repactuações”, desabou José Guimarães após a votação.
A questão não é ceder ou não ao Centrão. É tornar o
processo de decisão do governo mais plural. Hoje parece exclusivo de Lula que,
focado em outras prioridades, o delega em parte a alguns petistas, sem
nenhuma autonomia.
Nesse cenário algo caótico, a alternativa parece
clara. Ou Lula assume o leme e dá uma direção a seu barco ou vai seguir à
deriva, com risco de naufrágio.
Fonte: Jornal GGN/O Globo/Os Divergentes

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