quinta-feira, 1 de junho de 2023

Lava Jato seguirá como fio desencapado na política brasileira até ser passada a limpo

O indeferimento do registro eleitoral do ex-procurador Deltan Dallagnol pelo TSE e o afastamento cautelar do juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal de Curitiba pelo TRF-4 mostram que, entra ano, sai ano, e a Lava Jato continua sendo um fio desencapado na política brasileira. A decisão do TSE vem sendo denunciada por Dallagnol e pelo ex-juiz e atual senador Sergio Moro como “vingança política”, orquestrada, à moda das antigas denúncias com powerpoint, por ninguém menos que o presidente Lula. 

Essa tese pode render pontos com o público antipetista mais radical, segmento da população que, em sua atuação na Lava Jato, Dallagnol e Moro ajudaram a alimentar, para depois ser convertida em base eleitoral. Mas ela não resiste a um exame mais detalhado da decisão do tribunal, que, aplicando teorias usadas recorrentemente na jurisprudência eleitoral, enxergou no pedido de exoneração do ex-procurador uma mal disfarçada tentativa de fraude à Lei da Ficha Limpa. 

Dúvidas legítimas sobre o acerto da decisão do TSE foram superadas pelo artigo de Luiz Peccinin e Priscilla Bartolomeu, intitulado “O que Deltan esconde sobre sua cassação”. Entre outros fatos, os autores registram que, cinco dias antes da exoneração de Dallagnol, o Conselho Nacional do Ministério Público , o CNMP, recebeu inquérito administrativo concluído e com acusação pronta para a abertura de Processo Administrativo Disciplinar, o PAD, contra o ex-procurador. Bastava que esse inquérito tivesse seu curso natural e Dallagnol estaria impossibilitado de concorrer. Cai por terra a ideia, tão repetida nos dias que se seguiram à decisão do TSE, de que a identificação de fraude na conduta do ex-procurador teria sido um exercício de “futurologia” por parte do TSE.

Parte inferior do formulário

É evidente que a decisão do tribunal, como qualquer outra, tem um pano de fundo político. Mas este envolve menos a “reação” de Lula e forças partidárias e mais um “chega pra lá” do próprio sistema de justiça, para o qual, já desde algum tempo, Dallagnol e Moro deixaram de representar um ativo e passaram a representar um ônus. 

A cada vez que vem a público uma amostra das práticas políticas esdrúxulas da dupla, como a divulgação, por Dallagnol, de fake news sobre o PL 2630 (segundo o ex-procurador, o projeto proibiria postagens na internet sobre a Bíblia) ou sua alegada incapacidade de avaliar a gestão da pandemia pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, não há quem não pergunte como puderam ter ocupado assento no Ministério Público e na magistratura. 

indeferimento do registro de Dallagnol, portanto, deve ser lido numa chave dúplice: de um lado, resulta da aplicação regular da lei eleitoral; de outro, representa uma tentativa atrasada e por via transversa, da justiça, de acertar as contas com quem, por negligência e corporativismo da própria justiça, cometeu abusos, saiu impune e deixou a fatura da vergonha para os que ficaram. 

·         Um peso com Moro, outro com Appio

A atuação do juiz Eduardo Appio também vinha se delineando como tentativa de promover semelhante acerto de contas. Desde que assumiu a condução da 13ª Vara Federal de Curitiba, Appio agiu deliberadamente para expor fragilidades da Lava Jato. Entre outras coisas, Appio passou a ordenar diligências em torno das antigas alegações de Rodrigo Tacla Duran, ex-advogado da Odebrecht, que alegava ter sido vítima de extorsão para não ser preso na operação. Até mesmo Dallagnol, que caminha para perder o foro privilegiado tão logo a Câmara conclua a análise dos aspectos formais do indeferimento do seu registro, já estava escalado para depor perante Appio sobre essas acusações.

As condutas de Appio à frente dos casos da Lava Jato estavam longe de ser exemplares. À semelhança dos lavajatistas que visava expor, o agora afastado juiz agia de forma claramente voluntarista e parecia gostar dos holofotes. Dito isso, a resposta que recebeu do TRF-4 revela que, quando se trata de Lava Jato, o Tribunal não tem pudor de utilizar dois pesos e duas medidas. 

Quando teve de examinar a conduta de Moro, que gravou e vazou ilegalmente áudios entre  o agora atual presidente Lula e a ex-presidenta Dilma, o TRF-4 disse que a Lava Jato era uma operação “excepcional”, que não precisava seguir “regramento genérico, destinado aos casos comuns”. No caso de Appio, a gravação de chamada telefônica com voz parecida com a do juiz bastou para que ele fosse afastado do cargo e tivesse seu laptop, desktop e celular confiscados antes mesmo de poder apresentar sua defesa. Moro teve todo o tempo do mundo para destruir os diálogos impróprios que manteve com Dallagnol, revelados pelo The Intercept Brasil. Aliás, jamais foi investigado por suas condutas expostas pela Vaza Jato. À semelhança do que faz o CNMP com promotores, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entende que a exoneração de juízes extingue investigações por violações funcionais.

·         Comissão da Verdade na Lava Jato

Nos dois casos, é ilusão achar que as decisões dos tribunais vão colocar um ponto final às polêmicas em torno da operação. Dallagnol não apenas não vai se resignar com a abreviação de seu mandato, como seguirá aproveitando o espaço que lhe é dado pela mídia para desinformar a população, caluniar juízes de tribunais superiores, pregar a desobediência à lei e naturalizar as irregularidades que praticou. 

Em entrevistas à Folha de São Paulo, a O Globo, e ao Roda Viva, entre outros, o ex-procurador insistiu que não violou a Lei da Ficha Limpa, já que, quando de sua exoneração, “não havia nenhum PAD pendente contra si” (a tese adotada pelo TSE, porém, nunca foi de que o ex-procurador violou a letra da lei, mas sim que agiu conforme a letra da lei para frustrá-la). Disse ainda, sem apresentar nenhuma prova, que o relator do caso no TSE “entregou [sua] cabeça em troca da perspectiva de fortalecer sua candidatura ao Supremo”. Disse esperar que a Câmara negue cumprimento à decisão do TSE, mantendo-o no cargo. E justificou a indústria de palestras que montou em seu gabinete, revelada pela Vaza Jato, usando um mix de capitalismo e Bíblia.

Já o afastamento de Appio, mesmo que venha a ser comprovada conduta imprópria do juiz, deixará para sempre no ar o cheiro de atuação política do TRF-4, para quem a obediência às leis só parece ter valor se servir à proteção da Lava Jato e de lavajatistas. 

Se tudo permanecer como está, o Brasil seguirá nessa espiral improdutiva: julgadores tentarão remediar os desmandos da Lava Jato, com maior ou menor aderência ao direito e voluntarismo. Já os lavajatistas vão se dizer perseguidos, enquanto manipulam a lei, agem para deslegitimar as instituições e acumulam um histórico de abusos que poucos ousam negar. 

Escapar disso vai requerer um esforço institucional da magistratura e do Ministério Público de passar a limpo a operação, submetendo-a, como disse há pouco o jornalista Kennedy Alencar, a uma verdadeira “comissão da verdade”. 

Essa medida pode até não resultar em punições, já que muitas das transgressões de juízes e promotores na Lava Jato  caminham para a prescrição administrativa. Ainda assim ela teria duas inegáveis virtudes: fecharia a porta tanto para o cinismo de Dallagnol quanto para o voluntarismo de Appio; e ajudaria o país a encarar de frente o imenso passivo deixado pela operação, que envolve delações imprestáveisacordos de leniência disfuncionais, sobretudo, e a transformação paradoxal da justiça numa terra de ninguém.

 

Ø  CERCO SE FECHA: Intimado, Dallagnol deve ir à delegacia se quiser saber motivo, diz PF

 

Cassado e sem foro privilegiado, o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol foi intimado pela Polícia Federal (PF) nesta terça-feira (30) a prestar depoimento. 

O próprio Dallagnol que deu a notícia. Ele estava na Câmara dos Deputados para discutir uma possível reversão da cassação do seu mandato quando recebeu a intimação, que atende a uma determinação do delegado Roberto Santos Costa. O depoimento, segundo o documento, se dá no âmbito de "inquéritos nos tribunais superiores". 

Não há na intimação, entretanto, esclarecimentos sobre o processo pelo qual Dallagnol deverá prestar depoimento, que está marcado para acontecer na próxima sexta-feira (2) através de vídeo chamada. 

Ao receber a intimação, Dallagnol reclamou que não sabe o motivo pelo qual está sendo convocado.

“Acabei de receber intimação sem que seja dito número dos autos, se sou ouvido como testemunha ou investigado. Apenas dizendo que é ordem de um tribunal superior. Depois de uma perseguição política, agora há uma perseguição policial. Que crime cometi? Só coloquei corruptos na cadeia”, disse o ex-procurador. 

Acontece que o próprio documento da PF faz a indicação de como Dallagnol deve proceder para obter esclarecimentos. 

"Não fornecemos informações sobre o motivo da intimação ou sobre a investigação por telefone. Para obtê-las, o intimado deve comparecer pessoalmente à sede da Delegacia, munido de cédula de identidade", diz trecho da intimação. 

·         Possibilidades

Apesar da PF não ter divulgado o motivo da intimação de Dallagnol, há ao menos duas possibilidades. No dia 22 de maio, pouco antes da decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que determinou seu afastamento da 13ª Vara Federal de Curitiba, o juiz Eduardo Appio disse em entrevista à GloboNews que o deputado cassado seria intimado a prestar depoimento no âmbito das investigações que envolvem Rodrigo Tacla Duran, ex-advogado da Odebrecht. 

Agora sem o foro privilegiado que o mandato parlamentar garantia, Dallagnol prestaria depoimento, segundo Appio, na condição de testemunha, pois foi citado por Duran no processo em que o advogado acusa o procurador Walter José Mathias Júnior de suspeição, já que ele teria relações pessoais com o ex-deputado, suspeito de participar de um esquema de extorsão contra investigados na operação quando era procurador. 

"Não tendo a prerrogativa de foro, naturalmente fica sujeito à jurisdição aqui de Curitiba, da Justiça Federal. Vamos intimá-lo sim e deve comparecer como qualquer cidadão comum. Não há nenhum privilégio pelo fato de ser o Deltan Dellangnol ou qualquer outro", afirmou Appio.

Outra possibilidade é que a intimação esteja ligada à investigação que o ministro Flávio Dino, da Justiça, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Dallagnol por declarações feitas contra uma visita que fez ao Complexo da Maré no Rio de Janeiro. Em abril, o ex-deputado havia sugerido ligação de Dino com o crime organizado por entrar na comunidade. O ministro, então, entrou com ação contra o ex-deputado o acusando de racismo, calúnia e difamação.

 

Ø  Moro tem poucas chances de não ser cassado, dizem ministros do STF

 

Vários ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideram que o senador Sergio Moro (União Brasil) enfrenta um ambiente desfavorável em relação ao processo que busca a cassação de seu mandato como senador.

Segundo os magistrados consultados pela coluna de Bela Megale, a perspectiva de o ex-juiz manter seu mandato quando o caso for levado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é considerada "pequena".

Os aliados de Moro, por sua vez, esperam que ele tenha um destino distinto do de Deltan Dallagnol, que teve seu mandato de deputado federal cassado neste mês por unanimidade na corte eleitoral.

Acredita-se que, como senador, Moro tenha adotado uma postura menos confrontadora do que a do ex-procurador. No entanto, os ministros ressaltam que a ação contra Moro é diferente daquela movida contra Deltan.

·         Lei da Ficha Limpa

No caso do ex-procurador, o TSE considerou que ele deveria ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Os ministros concluíram que Deltan teria solicitado sua exoneração do cargo no Ministério Público Federal antes do prazo estabelecido pela legislação eleitoral para evitar uma condenação em possíveis processos administrativos.

Em contraste, a ação movida pelos partidos PL e PT no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) contra Moro para a cassação de seu mandato como senador alega abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral de 2022. Moro nega as irregularidades e defende que a ação é uma "demanda de natureza política" com o objetivo de "punir um adversário".

O processo ainda está em estágio inicial no TRE e deve levar algum tempo para chegar ao TSE. Em caso de cassação, é possível recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

 

Fonte: Por Fabio Sá e Silva, em The Intercept/Fórum

 

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