domingo, 4 de junho de 2023

Integração como projeto: reflexões sobre a cúpula sul-americana no Brasil

A recente reunião de líderes sul-americanos que ocorreu em Brasília no último dia 30 demonstrou claramente a prioridade do vetor regional da política externa brasileira sob o governo Lula.

A iniciativa de trazer ao Brasil as lideranças de 11 países sul-americanos visa também ampliar os processos de cooperação econômica e os laços políticos com os países da região, segundo o entendimento de que o Brasil pode desempenhar um papel de protagonista nesse processo.

Não obstante, o encontro de líderes promovido pelo Brasil reforça a visão do governo brasileiro de que a América do Sul deve atuar em conjunto no cenário internacional, de forma a proteger seus interesses comuns. Com efeito, já nos primeiros meses do governo Lula, o Brasil buscou reatar seus laços políticos regionais, o que foi manifestado pelo retorno do país ao quadro da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), que havia sido deixado de lado durante a administração Bolsonaro.

Tratou-se, em suma, de (re)assumir uma das principais diretrizes da política externa brasileira, presente em sua Constituição de 1988, que é a de fomentar a integração e a "formação de uma comunidade latino-americana de nações". Não por acaso, no discurso político do governo Lula outras formações políticas regionais, como o Mercosul e a Unasul, também voltaram a ganhar maior importância, por representarem instrumentos para a consolidação de uma América Latina mais unida e independente.

Diante desse contexto, a realização da cúpula de líderes sul-americanos em Brasília representou uma importante contribuição do Brasil no aprofundamento desse processo de integração econômica, social e política na região. Também é, sem dúvidas, um ato de reivindicação simbólica da identidade geográfica do Brasil, que comporta uma forte dose de idealismo político.

Vale dizer que essa reivindicação geográfica já era ensaiada no começo dos anos 1990, quando do estabelecimento do Mercosul (fundado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e que tinha como objetivo promover a livre circulação de bens e serviços, a diminuição de entraves no comércio intrarregional e a implantação de uma política tarifária comum em relação a terceiros países.

Desde então, já se pretendia coordenar posições comuns em fóruns econômicos regionais e internacionais, reafirmando o papel da América do Sul como um bloco político, social e cultural coeso e disposto a promover a multipolaridade nas relações internacionais.

Durante a sua história, o Brasil invariavelmente precisou lidar em sua política externa com o tema referente à aproximação com seus vizinhos sul-americanos. Por vezes, essa aproximação com os países da região esteve condicionada à decepção brasileira quanto ao tratamento que lhe era dispensado pelos Estados Unidos, com quem o país nunca conseguiu estabelecer uma relação especial e igualitária. Verdade é que: ao longo dos séculos XIX e XX, a América do Sul não se encontrava exatamente entre as prioridades de Washington, que enxergava-a apenas como sua zona de influência natural.

Hoje, porém, a pressão hegemônica dos Estados Unidos sobre a região é menor, tendo em vista que a China se tornou o mais importante parceiro comercial para muitos países da América do Sul (Brasil incluso). Muito embora o subcontinente permaneça sendo um fornecedor de matérias-primas e commodities, fato é que as relações mais estreitas com a China poderão propiciar uma retomada nos projetos de desenvolvimento econômico nacionais, baseados na transferência de tecnologias e em investimentos em sua infraestrutura propiciados por Pequim.

Voltando à reunião da cúpula, Lula enfatizou a necessidade de se olhar para a região de forma coletiva, no intuito de redefinição de "uma visão comum" para a América do Sul, a fim de que seus países sejam capazes de enfrentar – em conjunto – as ameaças atualmente presentes no sistema internacional. Trata-se, ademais, de uma alusão velada à confrontação em curso entre o Ocidente (liderado pelos Estados Unidos) e o Oriente (representados sobretudo por Rússia e China), que tem provocado uma nova divisão política no mundo.

Para o Brasil, assim como para os países da América do Sul, não interessa participar desse mais novo embate entre Leste e Oeste, mas sim chamar a atenção para as diferenças que dividem os assim chamados Norte e Sul Global.

Segundo essa visão, o tema mais importante para a América do Sul deve ser o da superação de seu subdesenvolvimento, e, ao mesmo tempo, defender seus interesses nacionais e regionais comuns, baseados no crescimento econômico e na diminuição das desigualdades sociais.

Daí a relevância do regionalismo ativo do Brasil nas relações internacionais, que procura conferir à América do Sul uma voz única nos processos negociadores globais, de modo a lidar eficientemente com outros atores importantes como Estados Unidos, Rússia, China, União Europeia, Índia, entre outros.

No passado, vale lembrar, a tentativa de se criar uma "voz única" no continente fora levada a cabo durante a Guerra Fria pelos Estados Unidos através da Organização dos Estados Americanos (OEA). No entanto, essa organização rapidamente acabou se tornando num mero instrumento de dominação regional por parte dos americanos, vide o tratamento discriminatório dispensado pela OEA a Cuba a partir da década de 1960 e sua inaptidão na resolução da crise econômica venezuelana nas décadas seguintes.

A atuação do Brasil, diferentemente da americana, procura estabelecer um diálogo mais horizontalizado, a fim de atrair os países da América do Sul para a discussão de posições comuns e de políticas de enfrentamento aos desafios e problemas regionais que persistem em assolar o continente, como a pobreza e o subdesenvolvimento.

Pelo tamanho de sua população, território, PIB e recursos naturais, o Brasil se credencia naturalmente a um papel de destaque nesse processo de aglutinação das forças políticas regionais. Dito isto, se o Brasil ainda pretende atender ao seu desejo histórico por reconhecimento internacional, será fundamental empreender esforços para fazer da integração sul-americana um de seus principais projetos nacionais.

 

Ø  Cúpula do Brics defende ‘prioridade à erradicação da pobreza no mundo’

 

A cúpula de chanceleres dos países integrantes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada nesta sexta-feira (02/06) na sul-africana Cidade do Cabo, teve como um dos temas principais os esforços internacionais para a erradicação da pobreza.

No discurso inaugural, a anfitriã do evento, a ministra sul-africana para as Relações Internacionais e Cooperação, Naledi Pandor, lamentou que “as agendas das organizações internacionais se desviaram dos temas relacionados às desigualdades sociais e já não respondem às necessidades e exigências do Sul Global”.

“Não podemos permitir que o conflito bélico uma parte do mundo [Ucrânia e Rússia] substitua todas as demais agendas. Devemos recuperar o objetivo de erradicar a pobreza global como o maior desafio da humanidade, trazendo a atenção e os recursos do mundo de volta para esta questão preocupante”, declarou Pandor.

A chanceler da África do Sul enfatizou que “a erradicação da pobreza, em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio mundial e condição essencial para o desenvolvimento sustentável”.

A declaração de Pandor acontece durante uma cúpula encabeçada pelos chanceleres dos cinco países membros do Brics: além da anfitriã, também participaram o brasileiro Mauro Vieira, o russo Sergei Lavrov, o indiano Subrahmanyam Jaishankar e o chinês Ma Zhaoxu – a China foi o único país que não enviou seu ministro titular, Qin Gang, que alegou problemas de saúde, e sim o seu vice.

Além dos representantes dos países membros, também foram parte do evento diplomatas de 13 outros países.

Entre as delegações convidadas, oito participaram do evento presencialmente: Arábia Saudita, Cazaquistão, Ilhas Comores, República Democrática do Congo, Cuba, Emirados Árabes, Gabão e Irã. Os demais chanceleres, que participaram virtualmente, foram os representantes de Argentina, Bangladesh, Egito, Guiné-Bissau e Indonésia.

A cúpula dos chanceleres é considerado um evento de preparação para o encontro dos presidentes, que também acontecerá na África do Sul, entre os dias 22 e 24 de agosto, na cidade de Johanesburgo.

 

Ø  EUA estão preocupados com a queda de competitividade na América Latina frente à China, diz mídia

 

A perda de influência dos Estados Unidos na região latino-americana está se tornando cada vez mais evidente e já está despertando preocupações na Casa Branca. No entanto, até agora os EUA carecem das ferramentas necessárias para enfrentar o problema e competir com a China, que está aumentando sua presença na região.

O diretor principal do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan González, afirmou que Washington busca medidas para fortalecer sua posição nos países latino-americanos e pretende reformar ou promover mudanças em vários organismos existentes, como a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Organização dos Estados Americanos e outros.

González indicou que os EUA estão tentando competir com as ferramentas "do passado", enquanto outros Estados, sobretudo a China, já recorrem aos mecanismos "do futuro", informou a Bloomberg. Ainda segundo a mídia, o avanço do país asiático nos processos de construção de infraestruturas na América Latina é o que preocupa o diretor do conselho.

"Temos que desenvolver ferramentas para competir neste espaço. No momento, as ferramentas que temos não são suficientes", disse González.

A China trabalhou muito para se tornar um parceiro importante de muitos países sul-americanos. No entanto, a autoridade destaca que os EUA desfrutam das suas conquistas no domínio dos investimentos no setor privado.

Em 2013, a China anunciou a vontade de iniciar o projeto Nova Rota da Seda (também conhecido como Um Cinturão, Uma Rota) com a intenção de construir rodovias, ferrovias e linhas marítimas que vão se estender do centro da China até o porto de Roterdã, nos Países Baixos, atravessando a Ásia Central e a Rússia. A construção desta rota propôs um novo conceito nas relações internacionais, baseado no livre comércio entre as nações, de forma a criar uma ordem baseada na prosperidade e estabilidade.

O projeto mais ambicioso da China é visto por muitos como uma iniciativa puramente econômica e comercial que se concentra em grandes projetos de infraestrutura, principalmente de transporte e energia — estradas, pontes, gasodutos, portos, ferrovias e usinas elétricas. Em 2021, o presidente chinês, Xi Jinping, declarou que os projetos Um Cinturão, Uma Rota ajudariam a tirar 7,6 milhões de pessoas globalmente da pobreza extrema até 2030.

Em 2017, a iniciativa chegou à região da América Latina, quando o Panamá foi o primeiro a assinar o memorando Faixa e Rota da Seda. Mais tarde se juntaram Antígua e Barbuda, Barbados, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Granada, Guiana, Jamaica, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Em 2022, a Argentina se tornou o 21º membro do projeto chinês.

·         Diretor da CIA visitou secretamente a China em maio, segundo mídia britânica

O jornal Financial Times e a agência Reuters afirmaram que William Burns, que dirige a Agência Central de Inteligência dos EUA, foi à China para falar com funcionários de inteligência do país.

William Burns, diretor da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos EUA, visitou a China em maio para conversar com seus homólogos chineses, relataram na sexta-feira (2) dois veículos de imprensa britânicos.

Segundo uma das fontes do jornal britânico Financial Times (FT), Burns não tinha responsabilidades diplomáticas, e só se encontrou com funcionários de inteligência chineses.

"No mês passado, o diretor Burns viajou para Pequim, onde se reuniu com homólogos chineses e sublinhou a importância de manter linhas abertas de comunicação nos canais de inteligência", disse um funcionário dos EUA ao FT e à agência britânica Reuters.

A CIA, que não costuma anunciar tais visitas, não quis comentar a viagem.

A iniciativa chega em um momento em que o governo do presidente norte-americano Joe Biden tem pressionado para manter linhas abertas e agendar reuniões entre várias autoridades de Washington e Pequim em meio às relações tensas.

Os laços entre as duas maiores economias do mundo têm estado tensos nos últimos anos em meio a questões como Hong Kong, Taiwan, Xinjiang, a suposta atividade militar de Pequim no mar do Sul da China, e também passos dos EUA como a guerra comercial promovida pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump (2017-2021), as cada vez maiores restrições comerciais e sanções de Washington a empresas chinesas e exportações à China, e a promoção de grupos militares antichineses como o AUKUS e o Quad.

Burns, um diplomata veterano dos EUA antes de liderar a CIA, fez dezenas de viagens sensíveis ao exterior como chefe da agência, inclusive para conversas com altos responsáveis da Rússia, e também com o Talibã (organização sob sanções da ONU por atividade terrorista) no Afeganistão. As autoridades dos EUA garantem que suas missões relacionadas à inteligência não estão diretamente ligadas à diplomacia dos EUA.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Opera Mundi

 

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