Em
Salvador, antigas padarias são locais sagrados para as famílias que contam
histórias pessoais e afetivas
Ao acordamos pela manhã, pelo menos para a maioria
dos mortais, ansiamos pelo famoso café com pão, elementos de uma padaria que
estão no querer de muita gente. Lembrar-se que dali a poucas horas, ou minutos,
vai rolar um pãozinho, uma manteiguinha ou queijinho, ou até um sonho,
acompanhado de um saboroso café, dá um prazer danado e desperta, certamente,
todos os sentidos afetivos de qualquer um.
Quem não ama uma padaria? Objeto de desejo de dez
entre dez pessoas. Um exagero, talvez, mas o fato é que este comércio se
consolidou há séculos e está no imaginário de muitos. As padarias se
estabeleceram como tal, provavelmente, a partir da fabricação milenar do pão e
foi implantada como comércio até evoluir para o formato que conhecemos
atualmente. As delicatessens talvez sejam o modelo mais moderno do que hoje
entendemos como a evolução da padaria, com opções que vão desde o bolo, aos
frios, às tortas, dentre outros produtos inimagináveis até há bem pouco tempo
num estabelecimento que um dia chamamos de padaria.
Conta a história que a panificação teve origem no
Império Romano, mas o serviço foi introduzido por volta de 300 a.C., quando a
profissão do padeiro se estabeleceu. Os pães, à época, eram vendidos nas ruas.
Desde então, até chegar ao formato atual, há muita história para contar.
Em Salvador, várias padarias antigas são capazes de
contar a história da cidade de Salvador. Uma delas é a Confiança, no bairro da
Calçada, fundada por espanhóis em 1945. O estabelecimento passou para o filho,
Alfonso Alban, 80, e hoje pertence ao antigo funcionário que trabalhava no
local desde os 11 anos, conhecido como Beijoca, apelido que atualmente dá nome
à casa comercial: Padaria do Beijoca.
Esta história começa dentro de outra história.
Rosemildo Araújo Ferreira, com quase 59 anos, vendia o famoso e tradicional
Jornal A TARDE nas imediações do ferry-boat, ainda na pré-adolescência, quando
foi chamado, aos 11, para trabalhar em uma das unidades da tradicional padaria
Confiança, no bairro da Calçada.
No local, passou por muitas funções. Empacotava o
clássico biscoito de coco vendido a granel no estabelecimento e já chegou a ser
gerente. Foi lá que ganhou o apelido de Beijoca. Isso porque, conta, “vivia
pendurado no pescoço das moças que trabalhavam na padaria. Era uma leva de
mulheres distribuídas nos três turnos do local”. Então, um engraçadinho de
plantão troçou que ele era muito do beijoqueiro e o apelido pegou.
Beijoca relata que na padaria não faltava o
tradicional pão com manteiga e o pão com ovo; também tinha o pão com Josefina,
vendido até hoje como uma das tradicionais receitas do local. Ele também conta
que “o pão francês ou cacetinho, como chamamos em muitas regiões da Bahia, “não
era nada, o povo gostava mesmo era da vara de pão. Também havia o sonho, que
hoje em dia perdeu seu status; o lelê, a broa e o café, que todo o mundo
adorava e adora até hoje”, conta Beijoca.
Mas a história do ex-funcionário e agora empresário
está dentro de outra história. A ex- padaria Confiança pertenceu por muito
tempo ao pai de Alfonso Alban. O fundador do estabelecimento levou o filho para
trabalhar lá a partir dos 15 anos e Afonso ficou na padaria até três anos
atrás, quando vendeu para Beijoca. Mas o herdeiro da família Alban, filho de
sr. Alfonso, não abandonou a panificação. Depois de vender a padaria, Alex
Alban segue com uma fábrica de pães.
Hoje, Alex Alban ajuda o pai e o acompanha na gestão
dos negócios desde que concluiu a faculdade. Anos antes, Senhor Alfonso tratou
de despertar no filho o interesse pelo negócio. E foi assim que entre os 10
para 11 anos Alex Alban começou a acompanhar o pai no estabelecimento e hoje,
aos 47, lembra de muita coisa, inclusive de um sofá que que está no local do
escritório, além de alguns episódios que se transformaram em anedotas.
“Eu acompanhava
muito meu pai desde pequeno e geralmente nas férias. Ela falava: “Venha para a
padaria.” Eu ficava na produção boleando pão, ajudando o pessoal da produção a
pegar os pãezinhos, colocar a massa e colocar nas assadeiras”, conta.
E continua lembrando. “Até hoje o pão é artesanal,
não tem muita diferença de hoje, mas só que atualmente os processos são mais
automáticos. Antigamente era de uma forma manual; havia mais gente trabalhando
e não havia tantas padarias. A gente atendia gente que vinha da Ilha de
Itaparica comprar pão, pois eram raros os estabelecimentos que havia por lá.
Então o volume de pão era muito maior, pois inclusive na cidade baixa não tinha
tanta padaria”.
Ele lembra com carinho do movimento e produtos
vendidos no local, que era bastante agitado. “Vendia muito mais broa e havia a
tradicional lanchonete, que vendia refrigerantes; havia as máquinas de
Coca-Cola, Fanta, Sprit e Taí. Os lanches eram os famosos pães na chapa, que
tem até hoje. A vara de pão, cuja expressão caiu em desuso, era muito mais
vendida. Hoje, o pão cacetinho de 50g é o que mais se vende. Então, essas eram
as características de antigamente que não se usam mais”, conta.
As lembranças não cessam e uma história engraçada de
repente vem à tona. “O movimento maior era às 17h, era grande, faziam filas
para comprar o pão, e tinha o pão de vara, que era o clássico. Um dia me meti
para atender o cliente. Ele pediu: “Coloca duas varas de pão de sal!”. Mas eu
não tinha habilidade nenhuma e fui pegar a vara de sal. Era a primeira vez que
iria servir um cliente. Mas em vez de pegar a embalagem primeiro, peguei as
varas. Sem saber o que fazer, meti a vara no meio das pernas para segurar,
enquanto abria o saco de papel. A cena, por causa das varas entre as pernas,
fez o povo inteiro cair na gargalhada”, lembra e comenta o episódio com muito
carinho, além de rir muito.
Outra antiga panificadora em Salvador é a Bola
Verde, na Rua do Cabeça, no 2 de Julho. No mercado há 53 anos, foi fundada por
dois espanhóis, mas desde 1998 está nas mãos de Antônio Carlos da Silva Reis,
67, que conserva, até os dias atuais, um forno de origem alemã dos antigos
donos, mas que produz cerca de 7.300 pães para abastecer a região. Senhor
Antônio diz que também vende os clássicos pão com manteiga a R$2 e o café a R$5
e R$7, mas a padaria, que hoje funciona inclusive como delicatessen,
diversificou os produtos e vende até papel higiênico. “Mas está em falta”,
conta o atual proprietário
As padarias evoluíram e os pães geralmente são as
estrelas do local, mas, como diz Beijoca, “tivemos que sobreviver e
diversificar nossos produtos”. Assim é também na maioria das delicatessens,
onde o carro-chefe continua sendo o famoso e tradicional cacetinho.
“A padaria
foi se diversificando ao longo dos anos, seguindo as tendências de outros
estados e do exterior. Isso aconteceu para que pudéssemos suprir a necessidade
do cliente em todos os momentos de consumo. Brincamos que a padaria vende até
pão”, brinca Maria da Conceição, 49 anos, que acompanhou a evolução dos
estabelecimentos desde que entrou no ramo.
Há cerca de dez anos, ela é sócia da irmã, que
também se chama Maria, na delicatessen Marias, no bairro da Cidade Nova, onde
trabalham com mais duas irmãs. O pão delícia é o carro-chefe do empreendimento.
“É o produto da confeitaria mais vendido na Marias, que está presente em 98%
das festas em Salvador. É regional, delicioso, rico em sabor, que combina com
todo tipo de recheio: cremes de frango, atum, queijo, brigadeiro, nutella,
camponatas, pasta de alho”, conta Maria da Conceição.
Para Maria, cada dia é um desafio e um dia a
conquistar, mas nem por isso deixa de olhar para o próximo. O estabelecimento
doa 20% dos produtos das campanhas que realiza para a Igreja Ascenção do
Senhor, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), e para a Irmã Violeta, que tem
um trabalho voltado para as pessoas vulneráveis em situação de rua na Baixa do
Bonfim.
E a nossa receita deste fim de semana é um dos
produtos que surgiram no mundo contemporâneo e caíram no gosto de praticamente
100% da população baiana, que inventou o acepipe: o Pão Delícia. Das festas
para o café da manhã, o produto popularizou-se e hoje está em praticamente
todas as padarias da cidade.
Fonte: A Tarde

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