domingo, 4 de junho de 2023

Como Estados podem ajudar pessoas a cortar pegada de carbono

Algumas das ferramentas mais poderosas para impedir o aquecimento do planeta é mudar a maneira como comemos, aquecemos, nos movemos e fazemos compras.

Mas as mudanças no estilo de vida que reduzem a demanda por produtos poluentes têm, na maioria das vezes, se mostrado difíceis de vender. Os carros elétricos custam mais do que os normais. O tofu tem menos gosto de carne do que o bife. Os influenciadores continuam pressionando as pessoas a comprar mais coisas.

E mesmo aqueles que podem ter acesso e pagar estilos de vida limpos muitas vezes relutam em fazer mudanças. Os movimentos para convencer pessoas a desistirem da carne e dos voos convenceram apenas uma fração dos cidadãos nos países ricos.

•        "Crise só tem solução se todos contribuírem"

A ajuda direcionada dos governos pode tornar as formas de vida mais limpas mais baratas e mais práticas – algo que os cientistas dizem ser crucial para encorajar as mudanças de estilo de vida necessárias para impedir que o clima extremo fique pior.

Em maio, conselheiros ambientais do governo alemão apresentaram aos ministros um documento citando ideias para ajudar os cidadãos a abandonar hábitos poluentes. O texto destaca a importância de agregar medidas e oferecer incentivos para tornar as opções limpas palatáveis ao público. "Só podemos parar as crises ecológicas se todos contribuírem", disse Annette Töller, coautora do relatório. "Seja consumo, investimento ou lazer, é hora de os políticos facilitarem, apoiarem e – quando necessário – exigirem um comportamento ecologicamente correto."

•        Redução da demanda por produtos poluentes

Metade dos gases de efeito estufa emitidos a cada ano vem de 10% das pessoas que levam uma vida mais poluente, de acordo com um estudo publicado no ano passado na revista Nature. As pessoas que ganham salários acima de 37.200 euros (R$ 198 mil) por ano se enquadram nessa faixa – que inclui pessoas de classe média em países ricos, bem como pessoas ricas em países mais pobres.

Mudanças no estilo de vida desempenham um papel importante na redução das emissões dessas pessoas. Em sua última revisão da pesquisa climática, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) descobriu que medidas para reduzir a demanda por energia podem reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa em alguns setores até 2050. Algumas das ações mais poderosas incluem evitar aviões e carros, mudar para uma dieta baseada em vegetais e melhorar a eficiência energética de um domicílio.

Em alguns casos, estilos de vida limpos podem ser alcançados apenas por escolhas individuais, como tirar férias mais perto de casa ou trocar a carne por legumes como fonte de proteína. Mas em outros, a opção favorável ao clima geralmente custa mais – ou nem é cogitada. Muitas pessoas que vivem fora das cidades, por exemplo, são obrigadas a ir de carro para o trabalho porque não há linhas de ônibus ou conexões de trem. Apenas alguns deles podem pagar um carro elétrico.

"É essencial que os governos ajudem as pessoas a reduzir suas pegadas de carbono, caso contrário, isso será uma batalha difícil para muitas pessoas”, disse Stuart Capstick, vice-chefe do Centro de Mudanças Climáticas e Transformações Sociais, uma parceria entre várias universidades britânicas. "A opção de baixo carbono deve ser a opção fácil, normal e econômica."

•        Apoiando estilos de vida mais limpos

Alguns governos tomaram medidas para facilitar estilos de vida mais limpos. Na Áustria, o governo paga metade do custo do conserto de aparelhos eletrônicos quebrados, para desencorajar as pessoas a comprar novos. No primeiro ano de vigência do esquema, mais de meio milhão de produtos elétricos foram consertados – um quarto a mais do que o esperado até o final de 2026, disse o governo austríaco em abril.

Na Bélgica, sindicatos e grupos empresariais concordaram em pagar mais para as pessoas irem de bicicleta para o trabalho, um programa semelhante àqueles em que as empresas subsidiam as viagens de carro de seus funcionários. A proporção de trabalhadores belgas em grandes empresas que vão de bicicleta para o trabalho aumentou um quarto entre 2017 e 2021, para um total de 14,1%, de acordo com um estudo do serviço de transporte do governo belga. O uso do carro, porém, caiu pouco.

Mudanças maiores, mas menos visíveis, também estão ajudando. Desde 2013, a Holanda aumentou os impostos sobre o gás fóssil em 84% e cortou os impostos sobre a eletricidade em 25%, de acordo com uma análise divulgada no ano passado pelo think tank de energia Regulatory Assistant Project (RAP). O resultado é que as bombas de calor – que podem aquecer uma casa de forma limpa, mas custam mais para instalar – agora podem competir com as caldeiras a gás ao longo de sua vida útil.

Especialistas em aquecimento enfatizam que essa é apenas uma parte da solução e que ela precisa ser acompanhada de outras correções, como campanhas para aumentar a conscientização sobre bombas de calor e programas de treinamento para formar técnicos necessários para instalá-las.

"Realmente não há bala de prata aqui", disse Duncan Gibb, analista de aquecimento limpo da RAP e coautor do relatório. Ele afirma que para ajudar as pessoas a aquecer de forma mais limpa, "são realmente importantes a criação de políticas que reduzam o custo inicial – subsídios generosos – e tornem os custos operacionais comparativamente mais baratos – como tributação e precificação do carbono".

•        Turnos individuais

Em muitos países ricos, os esforços para ajudar as pessoas a fazer escolhas mais limpas enfrentaram resistência de políticos e do público. Um argumento-chave é que os governos não devem dizer às pessoas o que fazer ou restringir sua liberdade. "Há um paradoxo inerente aqui", disse Capstick. "Os governos insistem que não podem interferir na liberdade das pessoas enquanto o público diz que o governo precisa agir primeiro. O que temos como resultado disso é um impasse."

Ambientalistas também criticam o foco nas escolhas individuais, enquanto as grandes empresas poluem mais. Eles destacaram o papel que empresas de energia, como a BP, têm desempenhado na promoção da ideia de uma pegada de carbono pessoal enquanto extraem mais petróleo e fazem lobby contra políticas que reduziriam a produção de combustível fóssil.

Os cientistas temem dar passe livre aos indivíduos, especialmente em países ricos, onde um punhado de opções de consumo pode reduzir a pegada de carbono de uma pessoa em várias toneladas por ano. Eles também enfatizam que os benefícios vão além das economias individuais. Comprar produtos com baixo teor de carbono e abandonar hábitos poluentes envia um sinal para empresas e governos apelarem para esse público – por exemplo, tornando os hambúrgueres vegetarianos mais saborosos ou construindo mais ciclovias. De acordo com um estudo publicado em 2021, os ricos podem fazer uma enorme diferença não apenas como consumidores, mas também como modelos, eleitores, investidores e profissionais.

"Precisamos chegar a uma mentalidade de 'sim e' com a ação climática", disse Kim Nicholas, cientista do clima da Universidade de Lund, na Suécia, e coautor do estudo. "Sim, governos e grandes empresas podem ter mais responsabilidade do que eu – e os cidadãos podem responsabilizá-los – e eu também tenho a responsabilidade de agir onde puder."

 

       Como clima impacta Canal do Panamá e cadeias de suprimentos

 

O Canal do Panamá liga o Oceano Atlântico ao Pacífico. Sua criação gerou grande benefício para o transporte marítimo global. Antes da conclusão do canal, um navio tinha que contornar o extremo sul da América do Sul, uma rota muito mais longa e perigosa.

O mar ao redor do tempestuoso Cabo Horn foi durante séculos um verdadeiro cemitério de navios. Milhares de marinheiros morreram e inúmeros navios foram perdidos na região. Mas a passagem pelo Canal do Panamá encurtou a viagem em mais de 13 mil quilômetros, economizando dinheiro e tempo.

Mas agora, a mudança climática parece estar ameaçando essa rota. Cada vez que as eclusas do canal são abertas, milhões de litros de água doce correm para o mar. Como consequência, o nível da água no canal cai. Depois, essa água é reposta. No entanto, agora residentes, conservacionistas e meteorologistas estão observando uma diminuição nas chuvas na América Central como resultado da mudança climática. O que significa menos água para o canal. E se a água doce que sai das eclusas do canal não puder mais ser reposta, os grandes navios terão cada vez mais dificuldade para passar por ele.

•        De onde vem toda essa água?

O Canal do Panamá usa tanta água doce porque os navios precisam passar por uma dúzia de eclusas que os levam 26 metros para cima e para baixo. Segundo a empresa de consultoria Everstream, que monitora e avalia cadeias de suprimentos em nome de empresas internacionais, são necessários cerca de 200 milhões de litros de água para cada passagem de navio pelo canal.

Autoridade do Canal do Panamá, que é responsável pela operação da via, emitiu severas restrições de calado nos últimos meses. O calado de um navio é a distância entre a linha d'água e o fundo do navio. Essa medição determina quanta água um navio precisa para navegar com segurança. Se um navio é carregado com mercadorias pesadas, ele afunda mais criando, um calado maior.

O calado operacional normal para o canal é de 15,24 metros. No início de maio, as autoridades divulgaram um ajuste de calado para as eclusas Neo-Panamax – o termo se refere aos limites de tamanho de alguns dos maiores navios que atravessam o canal – com base nos níveis de água projetados. A partir de 24 de maio, os maiores navios que trafegam pelo canal estarão limitados a calados de até 13,56 metros. Uma semana depois, em 30 de maio, será reduzido novamente para 13,4 metros.

Para piorar as coisas, os analistas da Everstream não esperam que a situação melhore até o final da primavera. Na verdade, as coisas podem piorar para o negócio de transporte marítimo.

A Hapag-Lloyd, empresa de navegação com sede em Hamburgo, na Alemanha, e outras transportadoras internacionais responderam ao problema carregando menos contêineres para reduzir o calado de seus navios.

Para compensar a perda de receita, a Hapag-Lloyd introduzirá uma sobretaxa de 500 dólares por contêiner que passar pelo Canal do Panamá a partir de junho. Especialistas em comércio temem uma interrupção nas cadeias de suprimentos e tempos de transporte mais longos que afetarão os preços.

•        Nem todos estão apavorados

Vincent Stamer tem uma visão mais relaxada dos níveis de água no Canal do Panamá e as possíveis consequências para o comércio global. "Não será realmente crítico para as cadeias de suprimentos por enquanto", disse à DW o economista do Instituto para a Economia Mundial (IfW), de Kiel.

Não será como em 2021, quando o cargueiro Ever Given emperrou e bloqueou o Canal de Suez. "O Canal do Panamá não é tão importante para a economia global quanto o Canal de Suez", explicou Stamer. Além disso, 90% do comércio mundial é movimentado pelos oceanos do mundo e tem demonstrado uma resiliência relativamente pronunciada nos últimos anos, segundo o especialista. "Após as múltiplas tensões causadas pelo congestionamento de navios, fechamentos de portos e bloqueios nos últimos anos, as cadeias de suprimentos se recuperaram significativamente", ressaltou.

•        Consequências globais das mudanças climáticas

Também na Europa, os baixos níveis de água causaram dores de cabeça para as autoridades nos últimos anos. No verão passado, o Reno, uma importante artéria de navegação interior, enfrentou em baixas recordes em algumas áreas. Isso prejudicou o transporte e as entregas às fábricas. Também fez com que o preço da gasolina e do óleo para aquecimento subisse. A falta de neve nos Alpes ameaça criar o mesmo problema novamente este ano.

As autoridades de navegação marítima estão considerando contramedidas para o Reno, como aprofundar o rio em alguns lugares. Outra solução, muito mais cara, seria construir barragens que pudessem ser usadas para manter ou aumentar o nível das águas em trechos importantes do rio.

Para o Canal do Panamá, outras soluções estão sendo consideradas. Elas incluem comportas que coletam água doce em bacias para reutlização posterior. Para isso, estão sendo estudadas as possibilidades de desenvolver e explorar outras fontes de água próximas ao canal. A construção de reservatórios e usinas de dessalinização de água salgada também está sendo considerada.

•        Muitas outras opções

Se todas essas contramedidas vierem muito lentamente e a passagem pelo canal se tornar antieconômica, a Europa estaria ameaçada com algo semelhante ao desastre do fechamento do Canal de Suez?

"Não, definitivamente não", assegura Vincent Stamer. "Apenas 2% do comércio marítimo alemão vai para a costa do Pacífico dos continentes americanos. As conexões marítimas com a costa leste dos EUA e o comércio rodoviário com os países europeus vizinhos desempenham um papel muito maior", disse ele.

Até que sejam encontradas soluções de longo prazo para o Canal do Panamá, o economista vê outras formas de lidar com a escassez de água na América Central. "Reduzir a carga é certamente o caminho mais fácil para as empresas de navegação. E o uso de navios menores também é possível."

Stamer também vê outras alternativas. "A rota de transporte da Ásia através do Canal do Panamá para a costa leste dos EUA pode ser parcialmente redirecionada pelo Canal de Suez", disse. "Na rota entre a Europa e a costa oeste dos Estados Unidos, as alternativas estão menos consolidadas. Mas é concebível uma combinação das medidas anteriores com uma maior utilização do transporte aéreo ou terrestre através dos Estados Unidos", concluiu.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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