'Cabo
de guerra' entre Lula e Lira é fruto do 'presidencialismo do descaso' criado
por Bolsonaro, diz professor da USP
Ao menos em parte, o impasse em que, nesta semana,
se viram mergulhados o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a
Câmara dos Deputados comandada por Arthur Lira (PP-AL) — com o Executivo
ameaçado de desconfiguração por uma derrota de votação de medida provisória no
Legislativo — começou há mais de uma década, ainda no
primeiro governo de Dilma Rousseff (PT).
À época, a então presidente resolveu apostar na
pauta anticorrupção como marca de sua gestão. Essa decisão, de acordo com o
cientista político Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo e da Fundação
Getúlio Vargas, levou a uma espiral de resultados que custariam a Dilma não só
o próprio mandato, mas levariam a um processo que enterrou o presidencialismo
de coalizão como o país o conhecera até então.
Em seu lugar, veio o que Limongi batiza de
“presidencialismo do descaso”, fundado por Jair Bolsonaro (PL) que teria legado
à Câmara — e particularmente a Lira — a administração de recursos que
historicamente cabiam ao Executivo. Com isso, estabeleceu um "cabo de
guerra" entre Lira, que tenta preservar o protagonismo da era Bolsonaro, e
Lula, que quer retomar o poder que experimentou nos dois primeiros mandatos.
Possivelmente, no entanto, a situação do país — e de
seus políticos — teria sido diferente se Dilma não tivesse apostado muitas fichas
na Operação Lava Jato.
No primeiro mandato, embora fosse popular, Dilma
buscava uma assinatura política própria e, em oposição ao PT, cujos quadros
históricos enfrentavam o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal,
apostou no saneamento dos focos de corrupção da Petrobras como legado.
Ex-ministra de Minas e Energia, Dilma via na
petroleira a chave para seu programa de reindustrialização do Brasil, que seria
financiado a partir do lucro obtido pela exploração do pré-sal. A empresa,
porém, coalhada de indicações políticas, patinava em entregar os resultados que
a presidente esperava.
Foi por isso que, na interpretação de Limongi, Dilma
alimentou a Operação Lava-Jato, uma criatura da qual ela perdeu o controle, que
se voltou contra a própria presidente e seu padrinho, Lula, e que foi central
para que ela também perdesse a base parlamentar sólida de que dispunha no
Congresso, herdada do antecessor.
Ao investir no combate à corrupção, Dilma criou as
condições necessárias para o seu próprio impeachment, argumenta Limongi, em seu
recém lançado Operação Impeachment - Dilma Rousseff e o Brasil da Lava
Jato (Editora Todavia).
“Para salvar a embarcação, o sistema político
resolveu lançar a carga (Dilma) ao mar”, diz Limongi.
Usando centenas de reportagens dos jornais Folha de
S. Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e Valor Econômico, Limongi reconstrói
a história dos anos entre o começo do primeiro mandato de Dilma até o desfecho
do impedimento da então presidente.
Ele tenta demonstrar que não foram a crise
econômica, as pedaladas fiscais, os protestos de 2013 ou a queda de
popularidade os fatores determinantes para a derrubada da presidente. E que as
repercussões de suas apostas e de sua saída, em agosto de 2016, ainda não
deixaram de se desdobrar.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista,
concedida por videochamada e editada por concisão e clareza.
·
O PT diz que Dilma sofreu um golpe, interpretação que
parte da ciência política tem chancelado. O senhor diz que “impeachments não
são golpe”. O impeachment de Dilma é um golpe ou não?
Fernando
Limongi - Do ponto de vista de uma definição clássica de
golpe, não é golpe, é impeachment.
Impeachment está previsto na Constituição. É um
recurso de última instância que deve ser usado em casos excepcionais, e o caso
contra Dilma não era um que pedisse isso. Tanto que, é interessante notar, eu
não faço menção no livro, em nenhum momento, à justificativa dada para fazer o
impeachment, que são as pedaladas fiscais. Porque não foram as pedaladas que
levaram ao impeachment. E quem defende que precisava ter o impeachment
justifica buscando questões de políticas públicas, má gestão da economia ou
coisa desse tipo. Mas isso não pode ser motivo de impedimento. E além do que,
você obtém essas correções por outros meios muito menos traumáticos. Então não
é um golpe, mas é um processo traumático e desnecessário.
·
O senhor argumenta no livro que o PSDB estaria disposto
a radicalizar, a um golpe…
Limongi
- Não é um golpe, mas é ali, é na margem. E o PSDB
está disposto (naquele momento) a ir às últimas consequências para tirar o PT
do poder, e puxando a corda ao limite, ou mesmo ultrapassando o limite, como
quando vai ao TSE (questionar a lisura das urnas após a derrota em 2014). (No
segundo mandato de Dilma) o PSDB vai jogando o tempo inteiro com duas
alternativas: o impeachment e a cassação da chapa (Dilma-Temer).
Então o PSDB, de uma forma ou de outra, quer
abreviar o mandato e antecipar a alternância no poder, está desrespeitando as
regras (democráticas). Mas meu argumento é que o PSDB, mesmo sendo extremado,
radical, inconsequente e irresponsável, ele seria incapaz de derrubar a Dilma
sozinho. O PSDB não tinha força para tanto, não tinha os votos para tanto. A
oposição não derruba, não é capaz de fazer um impeachment. Era preciso um outro
elemento aqui para explicar o que aconteceu.
·
E esse outro elemento foi o rompimento entre Dilma e
sua base parlamentar por causa da prioridade que ela deu à pauta anticorrupção?
Limongi
- É isso. Ela faz do combate à corrupção uma das suas
bandeiras. É uma tentativa dela de liderar esse processo, mas ela perde o
controle, o gênio sai da garrafa. Ela monta e insufla a Lava Jato, deixa a Lava
Jato se constituir (no período, ela propõe a lei da delação premiada e outros
recursos que foram usados pela Lava Jato), percebendo que essa é uma agenda
importante para a sociedade brasileira, que está mobilizando a sociedade
brasileira, porque teve o julgamento do mensalão (em 2012), teve (as
manifestações populares de) 2013, então essa questão está posta.
E é uma batata quente que o PT e sua coalizão estão
fazendo de conta que não existe, querem pôr debaixo do tapete. E a Dilma decide
que não. E eu acho que não era um plano originalmente dela. É uma briga que ela
tem com algumas pessoas dentro do PT em relação a uma política específica, que
é a Petrobras e como fazer a Petrobras funcionar. Quando ela tenta fazer a
Petrobrás funcionar, ela põe a mão no vespeiro, briga com gente graúda dentro
do PT, briga com a Construindo um novo Brasil, que é a tendência mais forte do
PT, que tinha mantido Sérgio Gabrielli como presidente da Petrobras por todo
aquele período.
Ao fazer essa modificação e trazer a Graça Foster
para a presidência e fazer um saneamento da Petrobras (com demissão dos
diretores indicados pelos partidos aliados) para ver se a Petrobras podia ser a
locomotiva do processo de industrialização brasileiro que ela tinha em mente,
ela mexe nesse grupo e nos interesses que estão rodando ali com a geração de
recursos ilícitos dentro da Petrobrás.
E aí ela faz disso a sua bandeira política, ou tenta
fazer, para se contrapor a esse grupo. E esse conflito vai se estender no
tempo. A ruptura para valer com o PMDB e com o (então presidente da Câmara)
Eduardo Cunha se dá só (mais tarde) quando Cunha é denunciado pela Lava Jato e
passa a ser processado ou citado no Supremo Tribunal Federal. Aí o Cunha passa
para a oposição e começa a liderar o processo de impeachment da presidente
Dilma.
·
O PSDB surge no processo de redemocratização do Brasil
e é o segundo partido com maior sucesso eleitoral na presidência na democracia.
Por que, de repente, decide romper com as regras do jogo democrático?
Limongi
- É muito difícil de entender. A única
explicação que eu tenho, e que eu sugiro no livro, é que o (atual deputado
federal) Aécio (Neves) está, em verdade, inebriado com o sucesso final (em
2014), depois de ter passado a campanha toda lá embaixo (nas intenções de voto
para a presidência), ele chega a quase desistir em favor da Marina (Silva), ia
sair como derrotado e de repente dá um sprint fabuloso (Aécio teve 8 pontos
percentuais nas urnas a mais do que indicavam as pesquisas da véspera e foi ao
segundo turno).
Ali criou um sonho na cabeça dele: 'Se a campanha
tivesse mais dois, três dias, eu teria ganho.’ Isso é um equívoco digno de
político inexperiente, porque sempre no final da campanha há algum rearranjo,
pode acontecer um sprint assim. E teve um certo movimento de rua ali. No final
da campanha dele, gente que tinha ido às ruas em 2013, como o Vem pra Rua, o
MBL, esse pessoal também vai para rua no segundo turno de 2014 e dá esse
caráter, digamos, de movimento social, à campanha do PSDB no final.
Então o PSDB vive um sonho de que o partido poderia
se transformar num partido de massa e que poderia combater e vencer o PT nas ruas
e vencer o PT nas ruas. Tem vários projetos que são ali acalentados, o (José)
Serra delira de formar umas caravanas, e de fazer vídeos com o Fernando
Henrique. Estavam delirando, como mostra aquela frase do Antonio Imbassahy, um
líder baiano do PSDB, que fala: 'é como se a gente tivesse ganho a Copa do
Mundo e tivesse entrando no estádio'. Então é assim, os caras perderam o pé no
chão de um lado.
De outro lado, a quarta derrota seguida à
presidência faz com que o PSDB comece a questionar suas estratégias ou que os
derrotados, a direita como um todo, passe a questionar a própria liderança do
PSDB sobre a direita.
Então, por exemplo, o Bolsonaro já põe a cara de
fora e diz 'Eu sou candidato na próxima eleição'. E vem com esse papo de que o
PSDB é muito mole, muito parlamentar e que para vencer o PT precisa usar dos
mesmos meios que o PT usa, e que o PT é um partido de gente descompromissada
com a moral e que faz qualquer nota para ganhar eleição. Então nós também
precisamos fazer isso. Então, o PSDB está sendo pressionado pela direita e o
Aécio vê nisso a possibilidade dele, na verdade, ser o líder desse movimento e
instrumentalizar essa pressão para vencer a concorrência com o Geraldo Alckmin,
que, pelas regras não escritas do partido, seria o candidato (à presidência) em
2018. Então ele embarca nessa radicalização e o partido se divide entre os que
entram com o Aécio e os que tentam chamar o partido à razão.
·
Outro ponto crítico na história, do lado da esquerda, é
por que a Dilma, que era extremamente popular quando decide abraçar a pauta
anticorrupção, toma esse caminho?
Limongi
- Evitei abordar isso no livro até porque não
parecia uma coisa muito estabelecida, mas a pessoa forte na orientação da Dilma
e que definiu essa estratégia dela foi o (marqueteiro) João Santana, porque ela
começa a subir de popularidade quando faz aquela faxina ministerial no primeiro
ano de governo (em que demite uma série de ministros acusados de malfeitos nos
primeiros meses da gestão). Então aquilo vai dando muita repercussão. O João
Santana está fazendo pesquisa de opinião pública e está vendo que aquilo está
pegando bem. Aí vem o julgamento do mensalão (em 2012) e esse passa a ser o
grande ponto negativo do PT, ao qual o PT não sabe como reagir.
Nesse meio tempo, a Dilma entra em conflito com o PT
na Petrobras. Ali, ela não queria moralizar, mas queria tornar a empresa
eficiente. Ela percebe que os navios-sonda não estão saindo, que a exploração
do pré-sal não vai se concretizar, daí coloca a Graça Foster, tira os diretores
políticos para tentar fazer funcionar. Mas mesmo que desse certo, seria uma
medida de muito longo prazo, ela não veria resultado imediato, então ela
precisava de uma marca, porque apesar da popularidade, até então ela não tinha
uma bandeira.
Então ela acaba adotando esse projeto (do combate à
corrupção), que é um projeto tolo, é um projeto contraproducente. É uma
bandeira que necessariamente vai gerar problema de popularidade e de apoio para
ela. O governo não pode dizer que ele vai acabar com a corrupção porque (se há)
a corrupção, (ela) é o governo. Não adiantava a Dilma dizer que corrupção
existia desde 1500, as pessoas não querem saber, (no fim) ela seria a
responsável final. Aí é o erro do João Santana, porque ele cria uma estratégia
que não tinha como dar certo.
·
E historicamente não deu certo no Brasil, onde as
pessoas costumam votar com base na economia…
Limongi
- Sim, quando a Marina quase ganha a eleição, ou mesmo
quando o Aécio ameaça a Dilma, o João Santana volta para a economia. Ele refaz
a campanha e vai para a economia dizer que seu prato que vai ficar vazio ou
você vai ficar com fome porque os outros candidatos vão fazer recessão, retoma
o mote do PT de investir na renda dos mais pobres, e assim que ele ganha a
eleição (de 2014).
·
Durante a última campanha, em 2022, ficou evidente o
mal-estar do Lula em falar de corrupção. O tema continua sendo uma ferida
aberta para o PT?
Limongi
- Eu acho que sim. A oposição foi muito hábil em
construir essa imagem de que o PT é intrinsecamente corrupto, que é da natureza
do PT e que o PT praticaria uma corrupção diferente, mais poderosa, porque o PT
tem um projeto de poder. Mas não é diferente coisa nenhuma. Tanto que os atores
são os mesmos: a Odebrecht, a JBS, a Camargo Corrêa financiando os dois lados,
e da mesma forma, pelo mesmo tipo de relação. E é isso que vai dar lá no final,
quando a Lava Jato começa a puxar a base de dados da Odebrecht e revela está
todo mundo na folha de pagamento da Odebrecht, que não é só o PT, aí que dá o
desespero. Aí (a classe política diz:) ‘Vamos jogar a mercadoria (Dilma) ao mar
pra salvar a embarcação’.
·
A gente tem ouvido ao menos desde o governo Temer que o
Brasil vive uma situação de semipresidencialismo. Depois que o Orçamento
Secreto foi adotado como prática, com a transferência do controle de grandes
recursos para o legislativo no governo Bolsonaro, essa ideia ganhou força. Essa
semana, o Congresso ameaçou desconfigurar o Executivo de Lula. A queda de Dilma
também implicou na derrocada do sistema de presidencialismo de coalizão como o
conhecíamos?
Limongi
- Não foi imediato, quem acabou de implodir isso
(o presidencialismo de coalizão) foi o Bolsonaro. O que a Lava Jato e o
impeachment da Dilma implode é o sistema partidário brasileiro, sobretudo a
centro-direita. O PT consegue se reerguer com base nos seus governadores do
Nordeste. Mas o resto do sistema político sucumbe ao terremoto. Bolsonaro
poderia ter reconstituído, organizado a direita e a gente ter um sistema
novamente funcional, minimamente equilibrado. Mas não fez. Então, a destruição
completa que a Lava Jato traz é quando a Lava Jato chega ao poder, o espírito
Lava Jato chega ao poder com Bolsonaro. O Bolsonaro é um lavajatista, é desse
espírito de que justiça boa é justiça rápida e eficaz para eliminar os
criminosos. Não é casual que o Moro virou o Ministro da Justiça dele, porque há
esse casamento ideológico e de princípios.
Para Bolsonaro, governar nunca foi o negócio dele,
nunca foi a preocupação, o norte ou o objetivo dele. E com isso ele deixa o
poder de governar ou a definição (do destino) dos recursos que o Estado tem nas
mãos escapar do Executivo ou ser puxado pelo Legislativo. Era um processo que
já vinha ocorrendo e Bolsonaro deixou ir ao paroxismo com o Orçamento Secreto,
que é essa manifestação de que Bolsonaro não queria saber do orçamento. (O
então ministro da Fazenda Paulo) Guedes também não queria saber de orçamento.
Então, (dizem ao Congresso): 'toma que o filho é seu. Vocês sabem o que fazer
com isso? Façam alguma coisa’. Então esse é o quadro que a gente está vivendo
agora, que tem essa continuidade que foi dada pela eleição do presidente da
Câmara, que permanece o mesmo do segundo biênio do Bolsonaro, quando Bolsonaro
realmente completa esse presidencialismo de descaso que o caracteriza, quando
passa ao Congresso a função de governar.
Então, isso desequilibrou ou reequilibrou o sistema.
Acho que seria exagero falar em semipresidencialismo ou coisa desse tipo. Acho
que o que a gente tem é um certo conflito e uma indefinição quanto aos rumos
que isso vai tomar.
·
A Dilma contou por muito tempo com uma base parlamentar
sólida, negociada, como seus antecessores também fizeram, à base de cargos e emendas. Hoje, o governo Lula não tem essa
base e parece muito difícil formá-la. O que mudou?
Limongi
- O sistema está mais rígido. Lula e Dilma
puderam contar com uma enorme migração partidária para montar suas bases.
O PSD, por exemplo, foi criado no governo Dilma
puxando deputados do DEM. O Lula tem uma migração partidária pro PP e pro PTB
enorme no início do primeiro mandato (ambos compunham a base naquele momento).
Essa migração não existe mais (a reforma eleitoral de 2015 estabelece que
migração partidária só pode ocorrer dentro de janela específica ou com justa
causa).
Os partidos que estão fora do governo se comprometeram
muito fortemente com o projeto do Bolsonaro. Boa parte deles tem um governador
eleito ou uma liderança estadual a qual poderiam se ligar e lançar para
enfrentar Lula na eleição de 2026 ou mesmo seguir aderindo a Bolsonaro.
A adesão ao governo era muito mais fácil
antigamente, porque você sabia que o candidato de oposição ia ser do PSDB.
Agora, você não sabe de onde vai ser. Então esses partidos estão lutando ali
para ver se de repente é um deles 'o novo PSDB' que vai liderar a oposição. E o
bolsonarismo está espalhado por todos eles, pelo PL, União Brasil, PTB, PR.
Então você não consegue ter previsibilidade e coesão das máquinas.
E ainda em toda a questão da cláusula de barreira e
o fim das coligações proporcionais, que criam uma baita incerteza para os
partidos sobre a sua sobrevivência na próxima eleição. Então é uma questão
difícil de ser resolvida. E tem o fator Lira, que concentrou muito poder como
presidente da Câmara nos últimos anos, com as sessões remotas durante a
pandemia. Por tudo isso não está claro qual vai ser o novo equilíbrio ou se não
teremos um equilíbrio e um confronto aberto entre presidente da República e
presidente da Câmara vai se tornar o novo padrão.
·
Seu livro deixa claro que Dilma cai quando perde sua
base parlamentar. Considerando que o Lula até agora sequer construiu uma base,
seria ele um forte candidato ao impeachment também?
Limongi
- Não, porque hoje o Lula teria os votos para
barrar. E acho também que o impeachment da Dilma foi muito traumático para que
as elites políticas voltem a brincar com fogo.
·
A gente sabe que os operadores diretos do processo de
impeachment, como o grupo de Eduardo Cunha e Michel Temer, no PMDB, e Aécio, no
PSDB, acabaram alvejados pela Lava Jato e tiveram seu poder político reduzido.
Mas eu queria jogar luz na figura do Lula. Seu livro mostra o quanto de fogo
amigo do PT a Dilma enfrentou. Lula fez tudo o que podia para salvar o mandato
de Dilma? O senhor arriscaria pensar aqui o que teria acontecido com Lula se
ele tivesse virado ministro de Dilma no auge da crise (a posse foi impedida
pelo STF e pela divulgação de um grampo irregular de conversa entre Dilma e
Lula)? Seria ele hoje presidente?
Limongi
- Esse contrafactual é muito difícil de ser
feito. Eu acho que o Lula fez aquilo que um líder deveria ter feito ali. Ele
tem um conflito com a Dilma, que se estende até agosto, setembro de 2015. O
fogo amigo está rolando ali de parte a parte e não tem o bonzinho, a vítima,
são os dois e suas facções que estão brigando por poder e por controle da máquina
do Estado. E isso é política.
Mas a hora que a Dilma é ameaçada pelo Cunha e por
uma possibilidade real de impeachment, eles se entendem melhor. E o Lula ajuda
a Dilma a remontar o ministério e vencer o Cunha, quando traz o grupo do Jorge
Picciani para dentro do governo e o PT cede o Ministério da Saúde para o PMDB,
que é a joia da coroa, principal ministério, com maior recurso. Então o PT, a
Dilma e o Lula se entendem e fecham um acordo e a ‘Construindo um novo Brasil’
vem para o centro do governo, com o Jaques Wagner e com (Ricardo) Berzoini, e
começam a encaminhar as coisas. Acho que esse movimento estava dando certo até
a Lava Jato partir para destruir o governo.
A Lava Jato parte para cima da Dilma e do Lula ao
mesmo tempo. Naquele momento, a decisão do Lula é muito difícil. Ele tem duas
alternativas: vir para o governo e salvar a Dilma. Ou se preservar, deixar a
Dilma cair, e voltar em 2018, concorrendo às eleições.
Do ponto de vista do partido, se pode pensar que a
melhor alternativa era preservar o seu grande líder, deixar o governo Dilma ir
pro brejo e tentar recuperar o poder em 2018. Mas essa alternativa se torna
inviável porque seria politicamente insustentável que Lula deixasse Dilma se
afogar sem ajudar. É por isso que ele aceita entrar para o governo.
Mas Lula sabe que é tarde. Aparentemente, ele tem a
noção de que vai ser muito difícil salvar o governo Dilma. E pela minha
reconstituição (dos fatos a partir da cobertura jornalística), eu acho que,
quando ele aceita ser ministro, ali já estava selado (o destino do governo
Dilma). O PMDB e o PSDB já tinham se entendido, e o PP também. Então o
impeachment viria mesmo com o Lula. Agora, claro, de repente isso muda todo o
cenário, era uma possibilidade.
·
Então, claro que Lula não desejava ter sido preso e
tudo o que se seguiu, mas aparentemente as decisões de Sergio Moro “salvaram”
Lula de virar ministro de um governo que seria derrubado, o preservaram
politicamente?
Limongi
- No médio prazo, primeiro, quem salvou o Lula
foi o Gilmar (Mendes, ministro do STF), ao impedir que ele tomasse posse (como
ministro). Aí ele não precisa dizer 'Eu não tentei salvar a Dilma'. Ele pode
dizer: 'Eu tentei, mas fui impedido’. Se ele não fosse preso, teria sido o
melhor dos mundos para ele. Mas a prisão acaba adiando (em quatro anos) a volta
política dele.
Acho que se ele tivesse assumido o ministério, mesmo
que ele tivesse evitado a queda da Dilma, seria impossível que ele evitasse a
crise econômica. Teria que ter um ajuste econômico, ele sabia, tanto que estava
propondo que o Henrique Meirelles fosse o ministro da Fazenda. Então ele teria
que assumir a crise, era um abraço de afogados. Não tinha como ele escapar. E é
por isso que ele hesita tanto (em assumir o ministério).
Mas isso tudo é especulação nossa, porque o que
acontece de verdade é que o Lula é impedido de ser ministro, acaba condenado
pela Lava Jato e é preso, o que lhe deu a possibilidade de se isolar durante o
governo Bolsonaro e como o PT sobrevive muito fortemente no Nordeste, usar essa
base para voltar ao poder. É interessante ver que esse PT que chega ao poder
tem pouco a ver com o PT que se elege em 2002. Agora, no Executivo, há
lideranças com experiência de executivo no Nordeste (e não do meio sindical
paulista): Rui Costa, Wellington Dias, Camilo Santana, Flávio Dino.
·
Na sua avaliação, a solução do imbróglio de Lula com
Lira depende de uma reestruturação da direita?
Limongi
- Depende da reestruturação da direita e o
quanto a direita acredita que pode passar a pão e água até a próxima eleição. A
direita acredita que terá um candidato para confrontar o Lula em 2026 ou vai
querer negociar ministério e apoio?
·
O governo Lula tem sido muito criticado por problemas
de articulação política…
Limongi
- Ninguém ganha nem perde todas. Agora, às vezes se
perde não porque você é ruim, mas porque o outro é bom também. Ou porque nas
condições dadas ninguém conseguiria ganhar. Então tem que entender que a
situação é ruim, a gente tem um cenário em que o Bolsonaro ganhou a eleição
legislativa, essa é a verdade.
A gente tem um Congresso que é de direita e que é de
direita irresponsável, que é esse modelo Bolsonaro, que é o cara que quer fazer
farra, que quer botar peruca (referência ao deputado Nikolas Ferreira), que
quer fazer lacração e que não tem o menor interesse no que vai acontecer com a
política pública. E por isso é difícil de negociar, porque esses deputados não
têm interesse de pegar um ministério e transformar o ministério em algo que vai
fazer alguma coisa. Eles querem fazer fuzarca.
Fonte: BBC News Brasil

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