AS
MENTIRAS QUE O GENERAL CONTOU NA CPI
A reportagem A teia do
golpe, de Ana Clara Costa, publicada na edição de junho
da piauí, narra em detalhes a movimentação do Exército durante os eventos
do 8 de janeiro – e revela como o depoimento do general Gustavo Dutra,
comandante militar do Planalto, na CPI da Câmara Distrital, prestado em 18 de
maio, foi cravado de mentiras. Sobre a retirada dos bolsonaristas do
acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília, o general disse aos
deputados distritais que a Polícia Militar do DF “nunca combinou conosco
de desmobilizar o acampamento”. Também disse que, durante os dois meses em que
os acampados ficaram instalados no QG, o Exército não deu “vida fácil aos
manifestantes”. O general também negou que o Exército, numa operação de
retirada que acabou abortada, tenha apontado seus tanques para a PM. Alegou que
a tropa estava ali para proteger o quartel dos vândalos.
É o contrário do que aconteceu.
A PM não apenas combinou de desmobilizar o
acampamento, como chegou a entrar em ação para retirar os bolsonaristas do
local em quatro oportunidades – e, nas quatro, a operação foi abortada na
última hora pelo Exército. A estratégia combinada com a Secretaria de Segurança
Pública (SSP) era a de iniciar o desmonte por meio do estrangulamento do
comércio ilegal, para que, num segundo passo, as barracas fossem desmontadas.
Em 12 de novembro, houve a primeira tentativa, mas a operação foi interrompida
porque os fiscais do DF, quando iniciaram a remoção dos vendedores ambulantes,
foram agredidos pelos acampados. Sob ameaça de linchamento, deixaram o local. A
Polícia do Exército assistiu a tudo e permitiu que os servidores do DF fossem
hostilizados e expulsos. Num relatório feito pelos fiscais e entregue ao
governo distrital, ao qual a piauí teve acesso, eles relatam que
sentiram “a necessidade de a Polícia do Exército se comunicar com os
manifestantes no sentido de manter a ordem e mitigar a aglomeração”, e que, no
planejamento da ação, o Exército havia se prontificado a fazer “intervenções
quando fossem necessárias, o que não aconteceu”, informa o documento.
Em 7 de dezembro, a mesma coisa. Uma reunião fora
marcada para a véspera, às 16 horas, no Comando Militar do Planalto (CMP), para
debater a estratégia. Foram convocados quatro órgãos do governo distrital que
poderiam dar suporte à operação. Ficou acertado o mesmo plano do dia 15 de
novembro: retirada dos ambulantes e das tendas vazias, como forma de estimular
a saída dos manifestantes. Depois da reunião, o coronel Fabiano da Silva, do
CMP, enviou um ofício pedindo o apoio das equipes de ordem pública. No dia
seguinte, a cena se repetiu: os fiscais chegaram, foram hostilizados e expulsos
– e o Exército suspendeu a operação porque não havia “condições de segurança
das equipes de fiscalização”.
No dia 29 de dezembro, o planejamento foi ainda
maior. Um protocolo de ação elaborado pela SSP previa a participação de
policiais militares, civis, bombeiros e outros doze órgãos na empreitada. O
documento informava que o Exército forneceria seis viaturas e tropa “suficiente
para a eficácia da operação”. O coronel da PM Jorge Eduardo Naime Barretto
detalhou na CPI como transcorreu o planejamento. “A operação foi planejada, na
tarde do dia anterior, a tarde inteira. O Exército apresentou croqui, colocou
transparências, disse o que ia fazer, como ia atuar, qual seria a atuação da
Polícia Militar”, disse o policial. O resultado foi agressão aos fiscais e
suspensão da operação pelo próprio general Dutra. Na ocasião, ele reclamou que
havia policiais demais na ação. Por fim, na noite de 8 de janeiro, o general
interrompeu a retirada para evitar “um banho de sangue”.
O general Dutra também facilitou a vida dos
manifestantes. Em meados de novembro, o coronel Fabiano Augusto Cunha da Silva,
subordinado do general no Comando Militar do Planalto, pediu ao governo do DF
que ajudasse na limpeza do acampamento, providenciasse ambulância e
policiamento, e permitisse a entrada do caminhão de som dos manifestantes, que
estava autorizado a ficar na frente do QG. Em reuniões com a Polícia Militar, o
general Dutra reforçou os pedidos, com um alerta: a PM não podia, em hipótese
alguma, entrar no acampamento. Tinha que ficar nas imediações. O governo local
atendeu aos pedidos. A limpeza era feita três vezes ao dia. Para deixar a vida
dos acampados ainda mais fácil, o Exército ofereceu o estacionamento da Poupex,
a previdência dos militares, situado nas proximidades do QG, para que os
motorizados do acampamento pudessem deixar seus carros.
No dia 8 de janeiro, o general Gustavo Dutra chegou
a ser alertado pela Secretaria de Segurança Pública sobre a chegada das
caravanas e montagem de barracas – e, mais uma vez, resolveu não incomodá-los.
Na primeira mensagem que recebeu por WhatsApp, o funcionário da SSP pedia que o
Exército coibisse a aglomeração. O general respondeu apenas o seguinte: “Bom
dia, estamos coibindo”. Tanto não estavam que o acampamento lotou. Uma hora
depois, o general recebeu outra mensagem por WhatsApp, com fotos e vídeos de
barracas sendo montadas. Voltou a minimizar o problema: “Acredito que tenham
chegado cerca de dez ônibus, confere?” Não conferia. Seu interlocutor respondeu
que havia “muito mais” e, outra vez, disse que o Exército não estava coibindo
nada. Quando começaram a desembarcar fardos de água para os acampados, o
funcionário da SSP voltou a chamar a atenção do general, que se esquivou: “Não
posso coibir levar água”.
Quando os manifestantes começaram a fazer arruaça
nas ruas do entorno do QG, o general Dutra – de novo – foi informado por
WhatsApp que havia pouco efetivo e apenas duas viaturas do Exército bloqueando
a turba de 200 pessoas. O general nem respondeu. Minutos depois, recebeu novo
aviso, desta vez informando que os manifestantes estavam tentando romper o
bloqueio. Novamente, o general não disse nada. Por fim, recebeu a informação de
que o bloqueio havia sido rompido e que a SSP decidira simplesmente fechar o
acesso às vias do Setor Militar Urbano, onde fica o QG. Só então, o general deu
sinal de vida. Agradeceu a medida, mas em tom de reclamação: “Vai tumultuar
bastante, vai dificultar bastante o acesso ao SMU e prejudicar os moradores”. E
concluiu: “Mas é melhor”.
Na noite de 8 de janeiro, depois da depredação na
Praça dos Três Poderes, a PM tentou prender os baderneiros que se refugiaram no
acampamento – e o general Dutra não apenas impediu, como ainda acatou ordem do
comando do Exército para colocar blindados e uma tropa de choque apontados na
direção dos policiais militares, e não dos manifestantes. Ele negou
publicamente que a intenção tenha sido de ameaçar a PM, e sim de proteger o
quartel dos vândalos. Mas, depois de ouvir quatro fontes que presenciaram a
cena, incluindo o próprio interventor Ricardo Cappelli,
a piauí constatou que as coisas transcorreram de forma diferente.
Além disso, na CPI da Câmara Distrital, o policial militar Jorge Eduardo Naime
Barretto deu mais detalhes sobre aquela noite. Naime disse que, quando começou
a se aproximar do QG para prender os baderneiros, foi abordado por um tenente
do Exército. Exaltado, o militar dizia que o coronel não podia fazer prisões
ali porque era “área do Exército”. O coronel prosseguiu com as prisões, levando
cerca de cinquenta pessoas. Minutos mais tarde, viu uma cena insólita. “Quando
eu olhei para trás, tinha uma linha de choque do Exército, montada com
blindados”, disse. “Eles não estavam voltados para o acampamento. Eles estavam
voltados para a PM, protegendo o acampamento”, disse o coronel à CPI.
Ø Mais 70 bolsonaristas serão indiciados por 8/1
O Supremo Tribunal Federal decide, a partir desta
sexta-feira, 2, se coloca mais 70 acusados pelos atos golpistas de 8 de janeiro
no banco dos réus. A Corte máxima deu início à análise do sétimo bloco de
denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República na esteira do
levante antidemocrático.
A expectativa é a de que as acusações sejam
recebidas, assim como as já analisadas pelo STF, o que pode levar o número de
réus pela ofensiva radical a 1.245. Ao todo, a PGR já denunciou 1.390
investigados no bojo dos inquéritos sobre 8 de janeiro.
Em julgamento que tem previsão de terminar na
próxima sexta, 9, os ministros avaliam se abrem ações penais contra 64 acusados
como incitadores dos atos golpistas e seis ‘executores materiais’ da depredação
nas dependências dos três Poderes.
Os primeiros são acusados de incitação ao crime e
associação criminosa. Já os supostos autores de vandalismo respondem por
associação criminosa armada, abolição violenta do estado democrático de
direito, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio
tombado.
O recebimento da denúncia é o primeiro passo dentro
de uma ação penal. Em seguida, os acusados têm um período para se manifestar
sobre a denúncia da PGR e dá-se início a fase de instrução. Nela são coletadas
provas, depoimentos de testemunhas e ainda é realizada a oitiva dos réus. As
partes então tem uma última oportunidade de apresentar manifestações antes do
caso ir a julgamento.
Se as denúncias forem recebidas, serão instauradas
ações penais, e eles se tornarão réus. Os processos, então, terão seguimento com
a fase de coleta de provas, que inclui os depoimentos das testemunhas de defesa
e acusação. Depois, o STF julgará se condena ou absolve os acusados, o que não
tem prazo específico para ocorrer.
Fonte: Revista Piauí/Agencia Estado

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