Acordo
UE-Mercosul segue em um horizonte distante, diz fonte francesa
O acordo de livre-comércio entre União Europeia e
Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) ainda está longe de ser
assinado — estimou uma fonte diplomática francesa, nesta sexta-feira (2), antes
da viagem do ministro delegado para o Comércio Exterior, Olivier Becht, ao
Brasil.
UE e Mercosul concluíram um acordo comercial em
2019, após mais de 20 anos de negociações complexas. O texto não foi
ratificado, porém, devido, em particular, às preocupações europeias com as
políticas ambientais do então presidente brasileiro de extrema direita Jair
Bolsonaro (2019-2022).
"Neste momento, ainda não chegamos a esse
ponto. Há um trabalho muito longo a ser feito com os países do Mercosul sobre o
assunto", declarou essa fonte diplomática durante teleconferência com
jornalistas.
Em abril, na Espanha, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva expressou sua esperança de chegar a um acordo ainda este ano.
A mesma fonte disse que o ministro Becht, que estará
no Brasil na segunda, terça e quarta-feiras, "não vai lá para
negociar", uma vez que as tratativas acontecem em nível europeu.
“Mas o assunto surgirá” nas trocas bilaterais,
reconheceu.
O ministro delegado se reunirá com o terá encontros
notáveis com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio, Geraldo Alckmin, e com a secretária-geral das Relações Exteriores,
Maria Laura da Rocha.
A fonte diplomática lembrou que não se trata, no
caso da União Europeia, de renegociar os termos do acordo, "mas de
completá-los" para acrescentar, sobretudo, mais condições no âmbito
ambiental.
Após um início de ano tenso pela impopular reforma
da Previdência, o governo francês teme a reação de seus agricultores se o
acordo for finalizado este ano, indicou uma fonte europeia recentemente,
observando que alguns países, como a Espanha, querem, no entanto, avançar no
assunto.
Os agricultores europeus — os franceses, em
particular — se preocupam com o ingresso no mercado europeu de mais produtos
alimentares sul-americanos sujeitos a regras fitossanitárias menos exigentes.
Diferentemente da UE, o Brasil não proibiu, por exemplo, os antibióticos na
alimentação animal, usados como ativadores do crescimento.
Becht irá ao Brasil e ao Chile "com o desejo de
reforçar" a parceria estratégica com estes dois países, acrescentou a
mesma fonte diplomática. Outro objetivo é impulsionar as pequenas e médias
empresas (PMEs) francesas, com a possibilidade de acesso a novos
mercados.
“Tanto com o Brasil quanto com o Chile, temos um
enorme potencial de crescimento econômico, porque são dois países onde estamos
muito bem ancorados para reforçar nossa presença”, destacou a fonte.
"Mas podemos fazer melhor em nossa capacidade
de enviar mais PMEs para o mercado brasileiro e chileno", completou.
Olivier Becht estará acompanhado de representantes
de empresas, como Airbus Helicopters, Dassault System, Engie, Poma, Spare Parts
3D e Thales.
Na segunda-feira (5), a ministra francesa das
Relações Exteriores, Catherine Colonna, reúne-se com o chanceler brasileiro,
Mauro Vieira. Eles já haviam se reunido em fevereiro, durante sua viagem ao
Brasil em um esforço de relançar a parceria estratégica bilateral.
As relações diplomáticas entre Brasil e França se
deterioram fortemente na era Bolsonaro (2019-2022), principalmente em 2019,
quando, irritado com as críticas aos gigantescos incêndios na Amazônia, o
presidente de extrema direita e dois de seus ministros insultaram o presidente
francês, Emmanuel Macron, e sua esposa, Brigitte.
Macron também pretende visitar o Brasil ainda este
ano, mas não há uma data definida.
Ø Fatos e narrativas sobre a Venezuela. Por Marcelo Zero
A reunião convocada por Lula com as lideranças do
subcontinente era para ser vista como o pontapé inicial da retomada das
articulações para promover a imprescindível integração dos países da América do
Sul, totalmente abandonada pelos governos de direita da região.
Transformou-se, porém, num foro midiático para
criticar a Venezuela e a posição do anfitrião.
Disseram que a Venezuela é uma “ditadura” e que isso
não é “narrativa”. É fato. Criticaram Lula porque recebeu bem o Chefe de Estado
da Venezuela e porque afirmou que Maduro precisa construir uma narrativa para
se contrapor à “satanização” de seu governo.
Dessa forma, a nossa mídia afirmou, quase em
uníssono, que a “narrativa” que vem dos EUA e da Europa sobre o regime chavista
é inteiramente correta e espelha fielmente os fatos.
Será? Vamos aos fatos.
A Venezuela tem problemas relativos ao seu regime
político e em relação aos direitos humanos? Tem.
Mas, assim como a Venezuela tem, a grande maioria
dos países do mundo também tem, em maior ou menor grau.
É o que diz a “narrativa” de órgãos muito
conservadores, como a revista The Economist, por exemplo.
Com efeito, no último Democracy Index,
elaborado, em 2022, pela The Economist Intelligence Unity
(EIU), são registradas algumas avaliações inquietantes.
Segundo essa publicação, somente 24 países do mundo,
entre os 167 pesquisados, seriam “democracias plenas” (full democracies).
O resto se divide entre as categorias de “democracias imperfeitas” ou falhas (flawed
democracies), “regimes híbridos” (hybrid regimes) e “regimes
autoritários” (authoritarian regimes). O Brasil, observe-se, não entra
na lista das democracias plenas.
Conforme a The Economist, a maior parte
da população do planeta não vive em democracia. Noventa e cinco países, que
somam quase 55% da população do globo vivem em regimes “híbridos” ou
“autoritários”, como seria o da Venezuela, conforme a publicação. Na África, no
Oriente Médio e no resto da Ásia, as democracias, mesmo as imperfeitas, seriam
raras exceções. Na América Latina, as “democracias plenas” se circunscreveriam
ao Uruguai, Chile e Costa Rica.
Por conseguinte, caso fôssemos nos relacionar
somente com países considerados democráticos, segundos os padrões impostos pelo
“Ocidente”, nossa diplomacia teria de se circunscrever a poucas nações do
mundo. Teríamos de dar adeus, por exemplo, a qualquer protagonismo
significativo na África e no Oriente Médio. Fato incontestável.
Mas a questão fundamental a respeito da questão
democrática na Venezuela tange ao fato inegável de que ela não pode ser
entendida sem uma análise das circunstâncias históricas que a levaram à
situação atual.
O regime chavista foi, desde o início, acossado de
todas as formas pelas oligarquias locais, com o apoio decidido dos EUA e de
vários países europeus.
Em 2002, Chávez sofreu um golpe de Estado. Fato.
Esteve muito perto de ser morto. Esse golpe teve o apoio claro dos EUA, o que
mereceu crítica iracunda de vários intelectuais norte-americanos de renome,
como Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia. Fatos já históricos.
No Brasil, os mesmos meios que hoje se contorcem de
ódio com a “ditadura” de Maduro, ou aplaudiram ou não condenaram golpe.
Não é narrativa. É fato.
Diga-se de passagem, esses meios também apoiaram a
ditadura militar brasileira, a ditadura chilena de Pinochet, a ditadura
argentina, o golpe (sim!) contra Dilma Rousseff, o golpe contra Fernando Lugo,
a condenação e prisão, sem provas, de Lula etc. etc. A lista desse “compromisso
com a democracia” é interminável. Fato.
Não convém fazer um longo histórico da crise
venezuelana, mas é preciso observar que, com a morte de Chávez, em 2013, a
oposição radicalizada da Venezuela considerou que poderia derrotar facilmente o
sucessor na revolução bolivariana.
Entretanto, a vitória de Maduro sobre Capriles,
ainda que por pequena margem, em eleições limpas, frustrou as expectativas da
oposição.
Pouco tempo depois, os setores mais radicalizados da
oposição venezuelana, liderados por Leopoldo López, iniciaram o processo
denominado de “la salida”, que consistia na utilização de manifestações
violentas de rua, com a formação de barricadas, as chamadas “guarimbas”,
incêndio de edifícios públicos e até mesmo de atos terroristas com o intuito de
derrubar o governo eleito.
Tratava-se de uma estratégia que teve êxito na
chamada “revolução colorida da Ucrânia”, estimulada, sim, pelos EUA.
Concomitantemente, foi iniciado um processo
econômico que visava produzir carestia, desabastecimento e inflação, tal com o
ocorreu, por exemplo, no Chile de Allende ou mesmo na própria Venezuela dos
anos 2002 e 2003.
Investiu-se na polarização exacerbada e até mesmo no
abandono dos mecanismos democráticos de oposição. Assim, boa parte das forças
de oposição venezuelanas se recusou a participar de eleições.
A situação político-econômica, que já era difícil,
passou a se degradar muito com a queda dos preços do petróleo. Entre 2012 e
2016, o preço internacional do barril de petróleo caiu de US$ 102 para US$ 36.
Para um país no qual o petróleo respondia por 90% do valor das
exportações e por mais da metade da receita fiscal, tal queda teve um impacto
enorme.
Contudo, a situação saiu do controle quando os EUA e
a Europa passaram a impor sanções draconianas contra a Venezuela, a partir de
2017.
Muitos “especialistas” argumentam, hoje, que essas
sanções não tiveram e não têm muito impacto na crise venezuelana e que a crise
foi ocasionada exclusivamente pela “gastança” e pela “incompetência” de Maduro.
Essa narrativa é falsa.
·
Produção de Petróleo da Venezuela
Não obstante, a partir de 2017, quando os preços de
petróleo começam a subir de novo e os países da OPEP iniciam a sua recuperação
econômica, a Venezuela, em contraste, tem uma queda contínua e acentuada da sua
produção e receitas.
Tal nova queda foi ocasionada, sim, pelas sucessivas
sanções. Em primeiro lugar, houve as sanções financeiras, que impediram a
Venezuela de transacionar mundialmente e que até mesmo congelaram suas reservas
internacionais. Em segundo lugar, em momento posterior, ocorreram as sanções
petroleiras, que reduziram fortemente a possibilidade de a Venezuela exportar
sua produção. E, em um terceiro momento, se verificaram as sanções contra
sócios estrangeiros que tinham ajudado a Venezuela a vender sua produção de
petróleo.
Como consequência, ao final desse processo, a renda
petroleira da Venezuela, vital para sua sobrevivência, havia caído 93%. Dos
mais de 50 mil poços de petróleo que estavam em operação, cerca de 30 mil foram
paralisados. Mesmo os que continuaram operando, reduziram sua produção.
Não surpreende, portanto, o grande número de
refugiados venezuelanos e a grave crise socioeconômica daquele país, agora
abrandada pelo levantamento parcial de algumas sanções. Do ponto de vista
político, a situação, felizmente, também melhorou. Há frutíferas negociações em
curso entre o governo e a oposição da Venezuela, apoiadas pelo Brasil.
Ninguém mais aposta no antigo governo fictício de
Guaidó, como fez Bolsonaro. Um governo só de narrativas e sem fatos.
O ponto essencial, porém, em todo esse debate é:
qual a melhor maneira de propugnar pela democracia e os direitos humanos no
cenário mundial? Pela via violenta, e frequentemente seletiva e hipócrita, do
isolamento, das intervenções militares e políticas e das sanções econômicas e
comerciais, que provocam tragédias humanitárias terríveis, ou pela pacífica das
negociações e da cooperação, respeitado o princípio da não intervenção?
Historicamente, a diplomacia brasileira tem
apostado, de forma acertada, nessa última via.
Lula, quando realizou esse último encontro de
presidentes da América do Sul, e convidou Maduro (e também chefes de Estado de
direita) apostou justamente nessa via. Também apostou na construção de um
entorno regional integrado, pacífico e próspero, independentemente das
circunstâncias políticas dos distintos governos de plantão.
As “disputas de narrativas”, inevitáveis no mundo
político, não podem ocultar uma verdade fundamental: a pior paz será sempre
muito melhor que qualquer guerra; e as negociações, por mais difíceis que
sejam, serão sempre preferíveis a sanções ou intervenções. Fato.
Fonte: AFP/Brasil 247

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