O novo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, chamado
por seus apoiadores da ultradireita de “mito”, poderia acabar sendo mais
perigoso e menos evidente do que se costuma pensar. Poderia até querer encarnar
o mito grego do embuste do cavalo de Tróia. Cada dia parece mais evidente que
não se trata de um simplório que chegou por pura casualidade ao máximo poder do
país. Nem é alguém que não apenas não sabe governar, mas que, dada sua
incapacidade, estaria disposto a se retirar e passar o bastão para alguém mais
bem equipado politicamente do que ele.
Começa a se revelar que o capitão reformado joga com vários
baralhos ao mesmo tempo. Dá a impressão de que gosta de desorientar com suas
súbitas profecias e suas atitudes capazes de serem mudadas do dia para a noite.
Confessou aos jornalistas que “não nasceu para ser presidente”, ao mesmo tempo
se sente mais ungido do que ninguém pela divindade para mudar o país. A esses
mesmos jornalistas que há poucas semanas disse que não sabia “como tinha podido
se tornar presidente”, confessou ontem: “Não sou o dono da verdade, mas vou
mudar o Brasil”.
O humilde presidente que confessa que governar não é sua
melhor qualidade diz que poderia ter ficado mais confortável no Congresso como
deputado ou senador, mas que está “feliz” como presidente, embora às vezes sua
missão seja difícil como “um parto sem respiração”. E acrescenta com altivez:
“Tive de engolir sapos pela fosseta lacrimal”. Qual é o Bolsonaro verdadeiro?
Os estudantes que tomaram as ruas às centenas de milhares para protestar contra
os cortes na educação propostos pelo Governo foram chamados por Bolsonao de
“idiotas úteis”. Poucos dias depois, recuou dos cortes anunciados.
As manifestações do próximo domingo em defesa de seu Governo
e contra as instituições que o impedem de governar serão, portanto, um sinal
importante para decifrar sua personalidade e os riscos que ela pode acarretar
dado o comportamento contraditório e ambíguo que está revelando sobre as
mesmas.
Essas manifestações já fazem parte da perigosa estratégia
que o presidente começa a revelar. Por exemplo, denunciou nas redes, para
espanto de não pouca gente, que o Brasil é “ingovernável” e que as demais
instituições, a começar pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, o
impedem de fazê-lo. Em seguida suas hostes mais exaltadas decidiram sair às
ruas no domingo, dia 26, para incendiar Brasília.
O presidente não só não vetou a perigosa marcha contra as
instituições, como também estava disposto a participar do cortejo. No seu
melhor estilo, aceso o fogo, trocou de camisa, anunciou que não iria e pediu a
seus ministros que também não fossem. Além disso, foi visitar o presidente do
Supremo Tribunal Federal para tranquilizá-lo. Assegurou-lhe que respeitará as
outras instituições do Estado e a divisão de poderes. Nada, portanto, de
autogolpe. Recordou à opinião pública que quem sair no domingo às ruas “contra
o Congresso e o STF estará na manifestação errada”. Qual dos dois Bolsonaros é
o verdadeiro e mais perigoso?
Será interessante ver na próxima semana, seja qual for o
resultado das manifestações, a reação do Presidente, que com uma mão as
estimulou e com a outra se faz de inocente. Só por causa desse mistério e dessa
ambiguidade do presidente a marcha em Brasília já adquiriu uma importância que
as outras não tiveram.
Essa fúria destrutiva que o invade contra a educação, a
floresta amazônica e as relações internacionais chega ao limite de deixar, sem
se perturbar, que seu filho, o deputado federal Eduardo, defenda que o Brasil
construa a bomba atômica. Essa sua obsessão patológica de querer armar a
população, inclusive os menores de idade, como se o Brasil estivesse se
preparando para uma grande guerra, está levando a pensar que quem “não nasceu
para presidente” pode acabar sendo mais perigoso do que parece hoje. Daí que
faça pensar que Bolsonaro estaria ressuscitando o antigo mito grego do cavalo
de Tróia. Um mito que lembra quando os gregos enganaram os habitantes de Tróia
preparando um grande cavalo de madeira que deixaram às portas da cidade inimiga
como um presente dos deuses.
Os troianos, com medo de provocar a ira divina, tomaram o
cavalo que se revelou uma armadilha, já que seu interior estava cheio de
soldados armados que acabaram destruindo a cidade. Desde aquele episódio
narrado na Odisséia de Homero e que atravessou os séculos inundando a
literatura e as artes e foi analisado politicamente, o cavalo de Tróia se
tornou uma metáfora do “presente dado com o propósito de enganar”.
Não sei se Bolsonaro, apelidado de “mito” e convencido de
que Deus lhe pediu para desconstruir o Brasil para reconstruí-lo à medida de
seu afã iconoclasta, também pensou em se tornar o novo cavalo de Tróia do
Brasil. E se, como os troianos, não estará disposto a enfrentar o perigo em vez
de irritar os deuses que o escolheram.
Um presidente assim não deveria ser tratado pelas outras
forças do poder e por aqueles que acreditam nos valores da democracia como
alguém inócuo que está de passagem, se divertindo com suas contradições diárias
e seus delírios. Poderia ser um novo cavalo de Tróia com todas as suas
consequências.
É melhor levar a sério desde já, para que as forças
democráticas não tenham amanhã de chorar como os ingênuos troianos, incapazes
de compreender que, às vezes, é melhor enfrentar os deuses do que temê-los e se
ajoelhar diante deles.