domingo, 30 de julho de 2017

Quem dá o pão, muda o mundo. Por Marco Impagliazzo - Tradução de Luisa Rabolini

O pedido sobre o qual vamos refletir hoje é o mais natural e simples daqueles contidos na oração ensinada por Jesus aos seus discípulos. Bento XVI entendeu isso perfeitamente, ao afirmar: "A quarta indagação do Pai Nosso parece ser a mais 'humana' de todas. O Senhor, que orienta o nosso olhar sobre o que é essencial, sobre a 'única coisa necessária', também conhece as nossas necessidades terrenas e as reconhece. Ele, que aos seus discípulos diz: 'Não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer' (Mt 6, 25), no entanto, nos convida a rezar pelo nosso alimento para transmitir, assim, a nossa preocupação a Deus".
Jesus viveu naquele mundo mediterrâneo em que o pão tem significado tanto na alimentação como na vida diária. É o alimento básico da dieta da maioria das populações do Mediterrâneo: muitas vezes a base sobre a qual são colocados condimentos e outros alimentos, o elemento essencial para as dietas mais pobres. O pão é tão presente nas Escrituras, portanto, porque era muito presente na cultura e na vida cotidiana. Certamente para o mundo judaico o pão era o alimento essencial. Para outras culturas não ocorre o mesmo. Devemos falar de arroz ou de outro alimento básico.
Não é assim na cultura e dieta europeias, de modo que o pão é muito importante. O pão é um alimento pobre, além de ser um alimento básico: sustento para a existência concreta de cada um.
[...] A globalização nos coloca rapidamente a par das notícias do mundo todo. Sabe-se muito e rápido sobre a fome em terras distantes, as dificuldades, as necessidades. A imagem da dor nos alcança. As sociedades europeias são capazes de pensar em termos de compartilhamento? Ou tudo o que é destino comum acaba sendo visto como um jugo? A quarta invocação do Pai Nosso restitui o sentido mínimo de fraternidade pelo qual ao menos o pão, ao menos o pão de hoje, deve ser compartilhado entre todos. Não os grandes investimentos, não as grandes estratégias. Não as visões do futuro, não os programas em longo prazo. Mas pelo menos o pão. O pão para hoje. Estamos em uma época em que o pão dos outros interessa de forma relativa, e inclusive mudar o mundo talvez nem esteja mais na moda. Mas o Evangelho ajuda a nos direcionarmos rumo a um novo caminho: o caminho do Mestre que não passou indiferente frente aos doentes, aos leprosos, aos famintos, às lagrimas das mulheres e à dor dos homens. Quem salva uma vida frágil muda o mundo. Quem dá o pão muda o mundo.
A globalização em curso não significa automaticamente uma assunção global de responsabilidade. Muito pelo contrário. Cabe a nós fazer uma escolha. Cabe a nós viver aquela globalização do coração que o Pai Nosso ensina. A Igreja, comunhão universal, tem a globalização em seus cromossomos. Mas é preciso ampliar a solidariedade. A distância não nos condena à indiferença. Esse é o ponto! Cinquenta anos atrás, em 9 de fevereiro de 1966, Paulo VI lançou um grande apelo para a fome na Índia, que havia visitado e que o deixara muito impressionado: "Lembramo-nos do milagre da multiplicação dos pães! Nós não temos de forma alguma a virtude prodigiosa de Cristo para fazer brotar pão das nossas mãos impotentes. Mas pensamos que o coração dos bons pode realizar este milagre (...) Ninguém pode dizer hoje: eu não sabia. E, em certo sentido, hoje ninguém pode dizer: eu não podia, eu não devia. A caridade estende a todos a sua mão. Ninguém se atreva a responder: eu não queria!”.
Quem aprendeu a dizer "Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia", reflita sobre cada uma destas palavras de Paulo VI: "eu não podia", "eu não devia" ou "eu não queria”! Neste mundo global os cristãos podem ser um reservatório de humanidade e a profecia de um mundo onde o distante não é sem rosto e sem palavra. Partimos com uma tentação e um sonho. O sonho dos homens que viviam em uma terra com muitas pedras áridas e poucas espigas de trigo. A tentação do Adversário para Jesus: "Manda a esta pedra que se transforme em pão". Refletindo sobre o Pai Nosso, descobrimos outro sonho: o de Deus. O sonho de criar homens que compartilham o pão, todos os dias.
[...] Dar o pão de cada dia. Precisamos ampliar a solidariedade. É necessário manter viva a memória daqueles que sofrem, para mostrar caminhos viáveis aos nossos concidadãos para serem solidários, aumentar a cultura da solidariedade em nossos países. Penso naquela onda de interesse que passa através das adoções a distância, capazes de criar uma relação entre uma pessoa e outra. A onda de interesse pelos corredores humanitários com que foram resgatadas dos traficantes de homens as vidas de muitos sírios em fuga da guerra. Apesar da crise, não podemos esconder o fato de que existe na Itália uma generosidade, reveladora do desejo dos nossos cidadãos de ajudar os mais distantes. Devemos mostrar que existem vias que tornam possível a solidariedade: é possível ajudar a ter o pão, a palavra e a paz. As pessoas procuram amar. Quem procura amar, sem saber procura também aquele que é o amor.
A distância não nos condena à indiferença. O amor nos aproxima daqueles que sofrem distantes de nós. Os cristãos, neste mundo globalizado, são chamados a ter uma espiritualidade aberta ao universal, sem esquecer, é claro, o vizinho. E não há melhor universalidade que compartilhar a dor daquele que é pobre ou que está sofrendo. É o sentido do apelo lançado pelo Papa Paulo VI para a fome na Índia.
Os cristãos são aqueles que não dizem: eu não podia e eu não devia ou eu não queria! Neste mundo global, podem ser um reservatório de humanidade e da profecia de um mundo onde a distância não é sem rosto e sem palavra. É o mundo onde o distante se faz próximo, enquanto são lançadas muitas pontes, feitas da solidariedade do pão, da palavra, da paz, sobre o abismo de distância, de indiferença e de incompreensão que divide os povos. A indiferença amplia os abismos. A caridade estende a todos a sua mão e assim imperceptivelmente - como o movimento telúrico - aproxima os mundos.

Para concluir, gostaria de citar um grande filósofo russo, Nikolai A. Berdyaev, que em certo sentido resume com profundidade a questão abordada: "A do pão é para mim uma questão material; mas a questão do pão para o meu próximo, para os homens de todo o mundo, é uma questão espiritual e religiosa. A sociedade deve ser organizada de tal forma que possa haver pão para todos; só então a questão espiritual surgirá antes do homem em toda a sua profunda essência".

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