O Ministro
do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, na última decisão, deixou-me perplexo,
concedendo liminar que suspende o processo de extradição de Cesare Battisti,
italiano refugiado no Brasil. Deixou assim ao colegiado do STF o veredito para
24 de outubro. Embora o tempo esteja escasso na Alta Corte, isso representa
mais uma perda de tempo e reitera uma intromissão num affair de Estado, e não
de justiça.
Battisti
é um condenado à prisão perpetua na Itália; nunca apresentou defesa aos
tribunais de seu país, já que as possibilidades de sair inocentado eram nulas.
Nunca explicou o inexplicável, escondendo-se como perseguido de uma democracia!
Fugitivo
da nação que o condenou por quatro assassinatos torpes, transitou nos últimos
40 anos por vários países, que o abrigaram com honras marxistas.
Marxista
ele não é, apenas tomou emprestada a ideologia para esconder sua insuficiência
moral, até aprender a desempenhar o papel de dublê de ideólogo.
Até
o Partido Comunista italiano e seus satélites, que conhecem bem Battisti, nunca
gastaram uma palavra em defesa dessa figura, eles também o querem de volta. Os
requerimentos de extradição do governo italiano espelham a unanimidade: a
necessidade de justiça.
Hoje
no poder está o partido sucedâneo do Partido Comunista; voltando, não vai cair
nas garras de fascistas.
Para
entender melhor o sucesso internacional dele, é preciso recorrer a um
ex-presidente francês, que, sofrendo de antipatia ancestral pela eterna rival,
aproveitou a figura de Battisti para vender a imagem do italiano anti-herói.
Compreensível para François Mitterand, forjado entre duas guerras mundiais,
brigas leste versus oeste, socialismo contra liberalismo, esquerda contra
direita.
Curtido
e viciado na Guerra Fria, nas conspirações, no terror – erguido à Presidência
da República da França, ateu confesso, intelectualmente árido, precisava
atender como bom demagogo o atávico ódio à Itália dos gauleses de
Vercingetórix, vencidos por Júlio César.
A
milenar rivalidade pode ser entendida apenas por quem a tocou como complexo de
inferioridade da França, cuja civilização nasceu de uma costela de Roma, assim
como sua língua.
Pisotear
na Itália, em sérias dificuldades na década de 70, recuperando-se da derrota da
Segunda Guerra Mundial, era tudo que um demagogo agricultor francês poderia
sonhar. E, quando surgiu uma figura tenebrosa, um anti-Leonardo da Vinci, um
anticristo para se contrapor à Igreja Romana, o ateu Mitterrand adotou
Battisti, “Ecce homo italicus”. Mitterrand ergueu um contraponto estúpido e fez
dele a forma de minorar a Itália e dela se distanciar. Vingar-se-ia de Roma
como tosco provinciano gaulês e, mais ainda, como ateu que em Roma é obrigado a
reconhecer os méritos civilizatórios.
Na
história da França, o italiano aparece com recorrente insolência para os
gauleses. Desde Júlio César, todos os papas, Catarina de Médici, o imperador
Napoleão Bonaparte sofreram a inteligência italiana. E, para irritá-lo, está
ainda no Louvre a mais procurada obra de arte de Paris, produzida em Florença,
por Leonardo da Vinci.
Mitterrand
nunca teve a elegância que fez a fama de Paris. Um tosco provinciano
acabrunhado. Escolheu a triste figura de Battisti para mostrar ao mundo o
italiano dos sonhos dele. Um delinquente, inculto, que mata pelas costas
inocentes indefesos.
Sem
poder declarar guerra pelas armas, Mitterrand a declarou rasgando as normas
europeias, a diplomacia, adotando a antítese de Leonardo da Vinci para
compensar os complexos nacionais de inferioridade. Como a dizer: “Italiano é
isso aí”.
E,
por incrível que pareça, a largueza dos italianos não entendeu exatamente isso.
Um povo miscigenado não tem tempo para xenofobia. Assim respeitam o francês e o
hospedam com carinho, apesar de não serem retribuídos na França.
Mitterrand,
ateu tardiamente convertido ao “caviar e champanhe”, precisava do conflito
étnico, de se imiscuir, cultivar ressentimentos como um líder barato (que se
foi sem deixar saudade). Desafiar uma decisão soberana da Justiça italiana o
deixava altivo em sua pequenez diplomática.
Em
seu longo mandato presidencial se esquivou de visitar a Itália, o fez
raríssimas vezes, forçado por compromissos internacionais.
O
jovem Battisti nem sequer foi aceito nas Brigadas Vermelhas, que conheceu no
cárcere romano de Regina Coeli quando cumpria pena por furtos e assaltos à mão
armada em cidadezinhas do Lazio. De origem humilde, aluno que preferia matar
aulas e viver de furtos a estudar. Com sinais de desajustado social, tentou se
arrolar nas famosas Brigadas, que o descartaram por ser excessivamente instável
e imprevisível. Não servia para nada, nem para bucha de canhão. Dessa forma, ao
ser solto, migrou para Milão, entrando numa milícia proletária armada, rebarba
de movimentos ideologizados, vivendo de assaltos a lojas, carimbados de
genéricos revolucionários.
Celebrizado
por Mitterrand, bajulado como espécie folclórica nos círculos do “caviar” de
Paris, acostumou-se a seu papel de sortudo. Com a queda de Mitterrand, razão de
sua boa vida, migrou para vários países até se abrigar sob as asas de Lula,
agora associado a escândalos de corrupção e a Battisti ainda mais execrado.
O
Cesare que de Júlio não tem nada é visto em Roma como um desaforo à soberania
da Justiça nacional e criou muito mal-estar contra gauleses e brasileiros.
A
Itália não aceita mais interferência, o quer de volta para encerrar um vexame,
entendido como ofensa, que dura 40 anos. STF, para quê? Essa é pergunta que a
Itália se faz.
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