domingo, 22 de outubro de 2017

Quarenta anos de espera. Por Vittorio Medioli

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, na última decisão, deixou-me perplexo, concedendo liminar que suspende o processo de extradição de Cesare Battisti, italiano refugiado no Brasil. Deixou assim ao colegiado do STF o veredito para 24 de outubro. Embora o tempo esteja escasso na Alta Corte, isso representa mais uma perda de tempo e reitera uma intromissão num affair de Estado, e não de justiça.
Battisti é um condenado à prisão perpetua na Itália; nunca apresentou defesa aos tribunais de seu país, já que as possibilidades de sair inocentado eram nulas. Nunca explicou o inexplicável, escondendo-se como perseguido de uma democracia!
Fugitivo da nação que o condenou por quatro assassinatos torpes, transitou nos últimos 40 anos por vários países, que o abrigaram com honras marxistas.
Marxista ele não é, apenas tomou emprestada a ideologia para esconder sua insuficiência moral, até aprender a desempenhar o papel de dublê de ideólogo.
Até o Partido Comunista italiano e seus satélites, que conhecem bem Battisti, nunca gastaram uma palavra em defesa dessa figura, eles também o querem de volta. Os requerimentos de extradição do governo italiano espelham a unanimidade: a necessidade de justiça.
Hoje no poder está o partido sucedâneo do Partido Comunista; voltando, não vai cair nas garras de fascistas.
Para entender melhor o sucesso internacional dele, é preciso recorrer a um ex-presidente francês, que, sofrendo de antipatia ancestral pela eterna rival, aproveitou a figura de Battisti para vender a imagem do italiano anti-herói. Compreensível para François Mitterand, forjado entre duas guerras mundiais, brigas leste versus oeste, socialismo contra liberalismo, esquerda contra direita.
Curtido e viciado na Guerra Fria, nas conspirações, no terror – erguido à Presidência da República da França, ateu confesso, intelectualmente árido, precisava atender como bom demagogo o atávico ódio à Itália dos gauleses de Vercingetórix, vencidos por Júlio César.
A milenar rivalidade pode ser entendida apenas por quem a tocou como complexo de inferioridade da França, cuja civilização nasceu de uma costela de Roma, assim como sua língua.
Pisotear na Itália, em sérias dificuldades na década de 70, recuperando-se da derrota da Segunda Guerra Mundial, era tudo que um demagogo agricultor francês poderia sonhar. E, quando surgiu uma figura tenebrosa, um anti-Leonardo da Vinci, um anticristo para se contrapor à Igreja Romana, o ateu Mitterrand adotou Battisti, “Ecce homo italicus”. Mitterrand ergueu um contraponto estúpido e fez dele a forma de minorar a Itália e dela se distanciar. Vingar-se-ia de Roma como tosco provinciano gaulês e, mais ainda, como ateu que em Roma é obrigado a reconhecer os méritos civilizatórios.
Na história da França, o italiano aparece com recorrente insolência para os gauleses. Desde Júlio César, todos os papas, Catarina de Médici, o imperador Napoleão Bonaparte sofreram a inteligência italiana. E, para irritá-lo, está ainda no Louvre a mais procurada obra de arte de Paris, produzida em Florença, por Leonardo da Vinci.
Mitterrand nunca teve a elegância que fez a fama de Paris. Um tosco provinciano acabrunhado. Escolheu a triste figura de Battisti para mostrar ao mundo o italiano dos sonhos dele. Um delinquente, inculto, que mata pelas costas inocentes indefesos.
Sem poder declarar guerra pelas armas, Mitterrand a declarou rasgando as normas europeias, a diplomacia, adotando a antítese de Leonardo da Vinci para compensar os complexos nacionais de inferioridade. Como a dizer: “Italiano é isso aí”.
E, por incrível que pareça, a largueza dos italianos não entendeu exatamente isso. Um povo miscigenado não tem tempo para xenofobia. Assim respeitam o francês e o hospedam com carinho, apesar de não serem retribuídos na França.
Mitterrand, ateu tardiamente convertido ao “caviar e champanhe”, precisava do conflito étnico, de se imiscuir, cultivar ressentimentos como um líder barato (que se foi sem deixar saudade). Desafiar uma decisão soberana da Justiça italiana o deixava altivo em sua pequenez diplomática.
Em seu longo mandato presidencial se esquivou de visitar a Itália, o fez raríssimas vezes, forçado por compromissos internacionais.
O jovem Battisti nem sequer foi aceito nas Brigadas Vermelhas, que conheceu no cárcere romano de Regina Coeli quando cumpria pena por furtos e assaltos à mão armada em cidadezinhas do Lazio. De origem humilde, aluno que preferia matar aulas e viver de furtos a estudar. Com sinais de desajustado social, tentou se arrolar nas famosas Brigadas, que o descartaram por ser excessivamente instável e imprevisível. Não servia para nada, nem para bucha de canhão. Dessa forma, ao ser solto, migrou para Milão, entrando numa milícia proletária armada, rebarba de movimentos ideologizados, vivendo de assaltos a lojas, carimbados de genéricos revolucionários.
Celebrizado por Mitterrand, bajulado como espécie folclórica nos círculos do “caviar” de Paris, acostumou-se a seu papel de sortudo. Com a queda de Mitterrand, razão de sua boa vida, migrou para vários países até se abrigar sob as asas de Lula, agora associado a escândalos de corrupção e a Battisti ainda mais execrado.
O Cesare que de Júlio não tem nada é visto em Roma como um desaforo à soberania da Justiça nacional e criou muito mal-estar contra gauleses e brasileiros.

A Itália não aceita mais interferência, o quer de volta para encerrar um vexame, entendido como ofensa, que dura 40 anos. STF, para quê? Essa é pergunta que a Itália se faz.

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