Na
cobertura da condenação criminal de Lula por Sergio Moro no caso do tríplex, várias
vozes críticas da imprensa acabaram por proferir outras “sentenças” contra o
ex-presidente.
A
“acusação”, nestes casos, é de que Lula desenvolveu excessiva proximidade com
as elites, “crime” (no sentido político) que, se nem sempre autoriza o justiçamento
jurídico que caracterizou a sentença de Moro, ajuda a explicar o revés que se
abateu sobre o ex-presidente e, talvez o mais importante, lança dúvidas sobre a
sua capacidade de representar interesses progressistas nas eleições de 2018.
Em
comentário ao programa Democracy Now!, o editor e co-fundador do The Intercept,
Glenn Greenwald, questionou “qual a real ameaça de Lula aos oligarcas?”,
ponderando que ele (Lula) “formou alianças com plutocratas e empresários do
ramo do petróleo e construção civil”, “ganhou dinheiro fazendo negócios com
figuras poderosas” e “não é o Lula de 1986, um sindicalista agitador e
socialista ferrenho, ele se integrou à estrutura de poder”.
Em
artigo para a The New Yorker, o jornalista e escritor Alex Cuadros registrou
que, quando esteve no poder, Lula “decidiu não bater de frente com o sistema.
Para viabilizar sua agenda progressista, ele decidiu trabalhar com o sistema,
fazendo alianças com políticos da velha guarda que, mesmo tendo sido apoiadores
da ditadura e do mercado, sempre colocaram a patronagem acima da ideologia”.
Na
Folha de São Paulo, o filósofo Vladimir Safatle tratou da sentença de moro como
“mais um resultado desta política conciliatória –a adaptação ao modelo de
corrupção funcional do sistema brasileiro e, consequentemente, a fragilização
completa de figuras um dia associadas, por setores majoritários da população, a
alguma forma de esperança de modernização social”.
Essas
preocupações são pertinentes e legítimas, mas perdem de vista importantes
elementos do passado, do presente, e até mesmo do futuro da vida política de
Lula, um político cuja história se confunde com a história do próprio Brasil
pós-redemocratização.
Em
primeiro lugar, a aproximação de Lula com as elites foi uma exigência da
democracia no Brasil. Lula não é o “sindicalista agitador e socialista
ferrenho” porque o eleitorado brasileiro lhe sinalizou, por mais de uma vez,
que aquela persona jamais chegaria à presidência.
Depois
da derrota em primeiro turno nas eleições de 1998, Lula aprendeu essa lição e
se apresentou, em 2002, como candidato da conciliação, que não faria
transformações drásticas na estrutura social e econômica do Brasil, mas que
apenas ampliaria o espaço material e simbólico da população mais pobre. Na
definição simples de Emilio Odebretch, “a coisa que ele mais quer é ver a população
carente, sem prejuízo, essa é que é a visão mais correta dele, não é tirar de
um para dar ao outro, não, [mas] como pode, aquele que pode, ajudar o outro a
crescer”.
Com
mote (“que todo brasileiro possa fazer três refeições por dia”) e slogan (“Brasil,
um país de todos”) condizentes com o papel de “Lulinha paz e amor”, Lula não
apenas foi reeleito em 2006, quando o PT já estava seriamente abalado por
denúncias de corrupção, como também fez de Dilma Rousseff sua sucessora, em
2010.
Por
outro lado, foi a pouca disposição de Dilma para compor (no Executivo, adotando
perfil tecnocrático nos Ministérios; no Congresso, reduzindo o espaço do PMDB,
e na economia, dobrando a aposta na busca por uma “nova matriz econômica”) que
ensejou reação crescente das elites, culminando com a não aceitação dos
resultados eleitorais em 2014 e com o golpe de 2016.
Contra
isso, não bastou Dilma ter tentado trazer Lula para o governo em uma época na
qual ele sequer havia sido denunciado criminalmente. Conversas foram veiculadas
ilegal e repetidamente nos jornais, Dallagnol fez comício, Celso de Mello
lançou brados de indignação, as camisas da CBF ocuparam as ruas, e uma incomum
liminar de Gilmar Mendes lançou Dilma (e Lula) no fogo do impeachment, admitido
no Congresso “por Deus”, “pela família” e até mesmo pela memória de
ex-torturadores. Reações que não se repetiram depois, quando acusados e
denunciados por crimes bem mais graves passaram a ocupar cadeiras dos
Ministérios e do próprio Planalto.
Que
as elites tenham prosperado com Lula e rejeitado Dilma não quer dizer que, em
algum momento, tenham aceitado Lula e o reconhecido como um dos seus. Para Leo
Pinheiro, Lula era o “Brahma”. Para Emilio Odebretch, que assim teria aprendido
de Golbery, Lula era o “bon vivant”, que “gosta de uma cachacinha”. Para a
força tarefa, já disseram jornalistas com acesso privilegiado a informações da
Lava Jato, era o “nine”[nove, em inglês, em referência ao fato de o
ex-presidente ter perdido um dedo quando torneiro mecânico]. Para o juiz de
Brasília que primeiro interrogou o ex-presidente, era o “Seu Luís Inácio”.
Das
galhofas com os caracteres físicos ao tratamento que dispensam no trato
cotidiano do ex-presidente, sobram evidências de que, para tais segmentos e
seus afiliados das classes médias e médias altas, Lula deve ser proscrito da
vida política nacional. Aspiração para a qual uma condenação sem provas cabais
por corrupção e lavagem de dinheiro, que em democracias liberais avançadas
deveria ser motivo de vergonha e questionamento, vira motivo de celebração.
Diante
disso, o elemento mais problemático do atual quadro brasileiro não parece estar
na ligação contingente de Lula com as elites. Lula já se reinventou uma vez e
poderia se reinventar novamente. As elites é que, ao contrário de outros tempos,
não parecem mais dispostas a participar de qualquer estratégia de composição. E
isso, como ocorreu outras vezes na história, tende a ser obstáculo não apenas
para a política progressista, mas para a própria política democrática.
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