Um
grande salto à frente lembra a fracassada tentativa da China, entre 1958-1961,
de impulsionar o crescimento da economia além do fisicamente possível. O grande
salto para trás de Michel Temer tem tudo para dar certo: uma burguesia
econômica tíbia, profissionais liberais (engenheiros, médicos, dentistas,
advogados, etc.) conservadores em sua maioria, heterogêneo apêndice do
terciário de mão de obra rudimentar e reacionária (balconistas, caixas e
congêneres), categorias intermediárias entre o assalariamento e a incapacidade
de crescer – pequenos comerciantes, escritórios periféricos do setor de
serviços – igualmente reacionárias e um operariado de baixo poder ofensivo,
exceto em alguns momentos da trajetória econômica, majoritariamente caudatário
de lideranças partidariamente comprometidas.
No
passado, excepcionais lideranças, conduzindo um estamento político ainda pouco
contaminado pelo vírus acumulativo das gerações capitalistas, empurraram um
empresariado gaguejante em direção à modernidade. Contaram com auxílio de uma
burocracia estatal de alta competência e valores nacionalistas, formada desde
os anos 30, e que atravessou com dignidade, com exceção minoritária, o período
ditatorial. A imprensa, nos intervalos de liberdade, era ideologicamente plural
e economicamente competitiva. Não havia lugar para cenas como a do dia 17 de
abril de 2016, na Câmara dos Deputados, nem mesmo sob a vigilância de olhos e
ouvidos fardados.
Hoje,
Michel Temer dá o tempero insosso ao caldeirão reacionário em que se misturam
os pelotões de sempre da retaguarda. Dos políticos vertebrados poucos restam,
paralisados pelo nível de despudor explícito das negociatas entre Legislativo e
Executivo, com participações especiais do Judiciário, noticiadas como rotina
por uma imprensa concentrada, chantagista e vingativa. A burocracia estatal
espatifou-se em tribos predatórias e ameaçadoras: polícia federal, procuradores
públicos, fiscais aduaneiros, auditores, juízes e todas as demais gangues,
medindo-se semanal, mensal, anualmente, em campeonato de extorsões da renda
nacional à vista do público desarmado, sem refúgio e sem nicho de apelação. A
população brasileira está sendo sistematicamente estuprada por folhas de
pagamento em que os penduricalhos de benefícios laterais a título de todos os
auxílios de que ela própria é desvalida, transformados no meu champanhe, minha
vida dos casamentos-ostentação de políticos, juízes, empresários, banqueiros e
chalaças.
O
governo de Michel Temer dá as primeiras passadas, acelerando para o grande
salto para trás e a grande queima de estoques. A massa assalariada brasileira
está sendo vendida a preços de saldo, com as liquidações iniciais dos programas
educativos e sociais. O patrimônio de recursos materiais, como antes, será
oferecido como xepa. A repressão à divergência não será tímida. Não há nada a
esperar.