Matheus
Silveira de Souza: ‘Como as redes sociais
alteram a disputa política’
Se política e conflito
são elementos que, com frequência, caminham juntos, fazer política com primazia
é impor que o adversário desenvolva o conflito em um campo alheio, ou seja,
pautar o movimento do oponente e “criar um campo específico dentro do qual o
adversário é obrigado a se mover”. Essa afirmação poderia ser compreendida, em
2018, como a capacidade do bolsonarismo de pautar os temas da agenda pública,
entretanto, o aprofundamento da sociabilidade digital dá outro sentido para
essa reflexão.
As redes sociais se
transformaram na Ágora do século XXI, a esfera onde ocorre o debate público e
político, de modo que a esquerda está determinada, a princípio, a disputar esse
jogo em um campo que lhe é desfavorável. Não é necessário, a cada disputa,
trazer o adversário para o seu campo, considerando o consenso de que as redes
viraram a esfera pública da qual irão emergir os temas que pautam o debate.
Como já sabemos, as
redes sociais não são uma forma de mediar conteúdo, mas elas determinam, pelo
algoritmo, os próprios conteúdos que terão ou não alcance e, por consequência,
quais informações devem ser produzidas caso alguém queira engajamento e atenção.
Um candidato à prefeitura até pode fazer um vídeo explicando os detalhes da sua
proposta de educação para a cidade, mas o algoritmo garantirá que esse conteúdo
tenha um centésimo da repercussão de um corte em que o candidato ataca o
oponente.
Neste ponto, vale não cairmos no fetichismo
da tecnologia e nos lembrarmos que o algoritmo é programado e reprogramado por
um trabalhador que, no fim das contas, obedece às diretrizes de algum
bilionário do Vale do Silício. Vamos
insistir no óbvio: as redes sociais não são neutras, mas moldam
subjetividades, induzem emoções e criam sociabilidades determinadas
por uma dúzia de indivíduos donos de monopólios de tecnologia. O termo empresas-plataformas nos
ajuda a compreender que essas redes sociais são, em verdade, empresas
detentoras de monopólios e responsáveis pelo controle de infraestruturas
digitais.
A síntese desse
fenômeno, em termos de comunicação, é a conhecida frase de que “o meio é a
mensagem”. Como afirmou Bruna Della Torre em recente artigo, não temos redes
sociais em situações políticas, mas situações políticas em redes sociais. O
alto grau de determinação das disputas políticas e eleitorais pela lógica das
redes sociais faz com que pensemos não as redes sociais em um contexto
político, mas em um contexto político em redes sociais.
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Política é comunicação
É possível entender as
mudanças ocorridas nas disputas políticas a partir das transformações efetuadas
nos meios de comunicação ao longo do último século. O rádio como meio de
comunicação em massa foi fundamental para a disseminação da ideologia fascista
na Itália do século passado, acompanhado da popularização de aparelhos
radiofônicos em milhares de casas. O cinema – e o próprio rádio – teve um papel
fundamental para a consolidação do regime nazista. A indústria cultural norte
americana é um ótimo exemplo para visualizarmos a cultura e a comunicação como
formas de criação de consenso.
Podemos argumentar que
os aparelhos ideológicos mudaram ao longo dos anos, e o papel que antes era
desempenhado pelo rádio, pelo cinema e pela televisão, hoje é ocupado pelas
redes sociais e demais plataformas. Embora essa afirmação seja verdadeira, nosso
argumento pretende chegar a outra conclusão. A revolução nos meios de
comunicação cria profundas transformações nas formas de se fazer política.
Em outras palavras, não é apenas o surgimento de novos tipos de aparelhos
ideológicos, mas a transformação da própria forma de realizar a disputa
política e de quais caminhos são mais efetivos para fazê-la. O papel da
Cambridge Analytica na eleição de Donald Trump em 2016, utilizando dados de
milhões de pessoas para criar propagandas políticas segmentadas para grupos de
eleitores específicos, ou ainda, a vitória de Bolsonaro em 2018, mesmo contando
com apenas 8 segundos de horário eleitoral na TV e no rádio, são exemplos
eloquentes dessas transformações.
Roberto Schwarz
analisa Memórias póstumas de Brás Cubas e argumenta que
a forma utilizada por Machado de Assis explicita o
próprio conteúdo do romance, ou seja, parte central do conteúdo está
guardado na própria forma como o autor o desenvolve. Pois bem,
as redes sociais impõem uma determinada forma a partir da qual
podemos nos comunicar que, em última medida, determina o próprio conteúdo da
nossa comunicação.
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Economia da atenção: cortes, memes e outras formas de se comunicar
Qual foi a última vez,
caro leitor, que você assistiu um filme nas plataformas de streaming sem
pausá-lo para mexer no celular? Quantas vezes, no último ano, você parou um
texto curto no meio ou não conseguiu terminar de assistir um vídeo de 5 minutos
no Youtube, pois, aparentemente, há algo mais urgente – e mais curto – para ser
visto? Se um corte de 15 segundos me garantirá uma boa dose de dopamina, não há
por que perder tempo com vídeos longos ou textos extensos.
A atenção virou um
recurso escasso em nossos tempos. Nunca tivemos tanta informação disponível e,
ao mesmo tempo, nossa atenção nunca esteve tão dispersa. As empresas-plataformas possuem
técnicas sofisticadas para capturar nossa atenção, extrair nossos dados e
monetizá-los. O objetivo das redes sociais é nos manter engajados pelo máximo
de tempo em seus conteúdos, dispondo, para tanto, de um detalhado mapa de
nossas preferências.
Novas formas de
comunicação como cortes e memes são uma síntese da nossa época de atenção
fragmentada. A monótona estabilidade do mundo fordista, em que um indivíduo
passava a vida toda no mesmo emprego, parece não combinar com a hiper
aceleração da sociedade subordinada às plataformas digitais. Talvez não seja
uma coincidência que a instabilidade laboral do neoliberalismo – em que o
sujeito-empresa deve investir a todo momento em novas qualificações e buscar
novas oportunidades de empreender – combine tão bem com a sociabilidade criada
pelas empresas-plataformas.
A ascensão meteórica
de Pablo Marçal na disputa pela prefeitura de São Paulo não pode ser explicada
ignorando as determinações das redes sociais na formatação do debate público e
a imposição da lógica da economia da atenção em nossas
interações sociais. Se Bolsonaro e outros líderes da extrema direita
aprenderam, progressivamente, a se apropriar das redes para suas lutas
ideológicas, Marçal encontra nas redes seu habitat natural,
pois é um filhote desse ambiente. A própria tática de criar competições com
prêmios em dinheiro para que milhares de pessoas criem e divulguem cortes com
suas falas é algo que Marçal copiou de Andrew Tate, influenciador, ícone de
movimentos masculinistas e preso por tráfico humano e exploração sexual de
mulheres. Em 2022, após ter criado esse sistema de cortes, Tate foi o nome mais
pesquisado no Google no mundo todo.
O discurso de Marçal é
uma mistura de elementos do mundo coach, fundamentalismo religioso,
antissistema e empreendedorismo. Como sabemos, Marçal não é o responsável pelo
sucesso desse tipo de discurso, mas é apenas o efeito colateral de um fenômeno
mais amplo, ou seja, seu discurso só tem eco porque encontra um terreno fértil
cultivado por décadas de hegemonia neoliberal. É evidente que esses problemas
possuem como raiz comum elementos do capitalismo e que não é a primeira vez que
surgem personagens grotescos e eloquentes na cena política. Entretanto, seria
um equívoco ignorarmos as transformações realizadas pelas redes e plataformas
digitais que impõe novas dinâmicas às disputas que ocorrem em nosso sistema
social.
¨ Marçal perde tração nas redes, buscas caem e se concentram em
temas espinhosos para ex-coach
A ascensão e queda de
Pablo Marçal (PRTB), ex-coach que turbinou a fortuna premiando seguidores que
propagassem seus "cortes" nas redes, aconteceu na mesma proporção do
imediatismo imposto pela era da internet.
É o que indica o
Google Trends, ferramenta da gigante da web que permite a análise de pesquisas
de termos na internet. A plataforma é pública e pode ser acessada por qualquer
usuário.
Consulta realizada
pela Fórum no Google Trends entre o dia 8 de agosto e esta
sexta-feira (13) revelam que o ex-coach perdeu tração nas redes e vem
caindo sistematicamente nas buscas do Google, que se concentram cada vez mais
em temas espinhosos à campanha. Os dados foram colhidos no estado de São Paulo,
já que o Trends não permite um refinamento da busca por cidade.
A desidratação virtual
é refletida na pesquisa DataFolha divulgada nesta quinta-feira
(12), que mostra que Marçal caiu de 22% para 19% das intenções de votos em uma semana. No período, Ricardo Nunes (MDB) saiu de 22%
para 27% e Guilherme Boulos (PSOL) cresceu de 23% para 25%.
O Google Trends mostra
que as buscas por Pablo Marçal atingiram seu ápice em 9 de agosto, um dia após
o debate na Band, quando acusou Guilherme Boulos de usar drogas.
Nesse dia, as buscas
por ele chegaram ao índice de 100, que representa o pico de popularidade de um
termo - um valor de 50 significa que o termo teve metade da popularidade,
comparando-se ao ápice.
Depois disso, houve um
esfriamento e a última subida se deu em 3 de Setembro, um dia após participação
no Roda Viva, já em meio à avalanche de denúncias de assessores ligados ao PCC
e ao tráfico internacional de cocaína.
Em seguida, as buscas
por Marçal desabaram, chegando a 28 nesta quinta-feira (12), quando foi
divulgada a pesquisa Datafolha.
As buscas associadas
ao coach também mudaram de perfil, se relacionando mais a termos negativos para
o ex-coach.
"As buscas no
Google Trends tiveram um pico porque o coach era menos conhecido na política,
mas ter muitas buscas não é, necessariamente, um dado positivo, pois a
pessoa pode acessar o Google também para saber sobre os crimes cometidos pelo
candidato", diz Edgard Piccino, analista do DataFórum.
Na manhã desta
sexta-feira (13), as pesquisas em ascensão referente ao ex-coach se
relacionavam aos seguintes temas:
- pablo marçal pcc
- pcc
- atentado pablo marçal hoje
- pablo marçal já foi preso
- alexandre de Moraes
Os dados também podem
ser refletidos no Datafolha, que aponta uma explosão no índice de rejeição do ex-coach. Em uma semana, os eleitores que dizem que jamais votariam
em Marçal passaram de 38% para 44%.
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Interação no Instagram
A queda das buscas na
internet vem acompanhada de um derretimento nas interações no Instagram do
ex-coach.
Após ter as redes
bloqueadas pela Justiça, em razão da premiação paga no Discord para turbinar
sua popularidade, Marçal criou um novo perfil no Instagram.
No entanto, sem a
milícia paga para propagar seus conteúdos, a interação nas redes vem caindo dia
a dia, mostrando uma perda de interesse dos seguidores.
A nova conta criada
pelo ex-coach tem registado cada vez menos interações, que chegou a menos de 1%
dos seguidores nesta segunda semana de setembro, como mostra dados do
DataFórum, plataforma de análise de redes da Fórum.
Para Edgard Piccino,
há um apagamento cada vez maior do delírio inicial provocado por Marçal nas
redes.
Ele exemplifica com um
vídeo que viralizou nas redes, que mostra uma pessoa dançando de forma
"aloprada", que conquista adeptos, mas em seguida perde o
"encanto".
"Como vemos no
vídeo, o comportamento aloprado do Pablo Marçal nas eleições atraiu uma legião
de seguidores. Entretanto, o efeito do delírio coletivo uma hora murcha, quando
deixa de ser novidade", diz Piccino.
Para o analista do
DataFórum, assim como acontece nas redes sociais, o fator "novidade"
que impulsionou Marçal pode estar chegando ao fim, o que poderia sinalizar um
teto do ex-coach nas pesquisas de intenção de votos.
"Os dados mostram
que Pablo Marçal explodiu nas redes por ser uma novidade perturbadora,
estapafúrdia. Porém, quando a novidade envelhece, deixa de ser novidade. Por
isso o Pablo Marçal pode já ter passado seu pico de interesse, e isso poderia
se refletir em um teto, inclusive nas pesquisas eleitorais", conclui
Piccino.
¨ Andrew Tate: quem é o guru de Marçal preso por tráfico humano e
estupro
Você já ouviu falar de
Andrew Tate? Este influenciador digital praticamente inventou o sistema de
cortes de redes sociais que tem sido amplamente usado pela campanha de Pablo
Marçal (PRTB) à prefeitura de São Paulo.
Considerado um
"guru" de Marçal, Tate ficou conhecido por suas opiniões
misóginas sobre masculinidade e mulheres. Ele tem estado envolvido em
várias alegações e controvérsias que atraíram significativa atenção da mídia.
Tate é um ex-Big
Brother do Reino Unido e ex-lutador de kickboxing que se tornou
influenciador nas redes sociais. Ele está preso na Romênia sob acusações de
tráfico humano, estupro, assédio contra menores de idade e formação de
quadrilha.
Ele e seu irmão,
Tristan, foram presos em março de 2022, com as autoridades romenas alegando que
atraíam mulheres sob falsos pretextos para transformá-las em prostitutas.
Relatórios indicam que
pelo menos seis vítimas foram submetidas a abusos físicos e mentais, levando a
investigações em andamento e buscas adicionais nas propriedades de Tate em
agosto de 2024.
Ele já fez declarações
sugerindo que as mulheres "pertencem ao lar" e que elas são
responsáveis pelas agressões sexuais que sofrem.
Ele é apontado como um
dos responsáveis pelo aumento nos incidentes de misoginia entre jovens,
especialmente em ambientes educacionais no Reino Unido e na Austrália.
Nas redes sociais, os
cortes de Tate viralizam e alcançam milhões de pessoas - inclusive durante seu
período na cadeia - e o rei da masculinidade tóxica inspirou o
método Marçal que fez com que o ex-coach se tornasse o líder nas redes sociais
- mas não nas pesquisas - para a prefeitura de São Paulo.
Em entrevista à Jovem
Pan, Marçal afirmou que copiou os métodos do americano. "Eu modelei
um americano que fez isso e se tornou o cara mais pesquisado do mundo na
Internet", afirmou o candidato.
Fonte: Le Monde/Fórum
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