quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Joaquim de Carvalho: o negócio de Datena e Marçal é o mundo cão e agora o levam para locais que se imaginava civilizados

“Não te estupro porque você não merece”, disse Jair Bolsonaro à deputada Maria do Rosário, em 2014, repetindo frase de onze anos antes, no Salão Verde, quando ainda ameaçou agredir fisicamente a colega parlamentar.

Bolsonaro se elegeu presidente e continuou a agredir verbalmente quem o contraria, sobretudo mulheres. 

“Se o comportamento incivilizado deu certo para Bolsonaro, por que não daria para mim?” Talvez seja este o raciocínio do candidato que ostenta em seu currículo uma prisão temporária por furto a banco, seguida de uma condenação.

Pablo Marçal é um patife profissional, capaz de baixeza ainda maior que a de Bolsonaro, a quem apoiou, inclusive financeiramente.

Sua especialidade é a luta da lama, a corrida no esgoto, a dança na pocilga. 

Marçal, no entanto, tem hoje uma utilidade: ele é o sinal da falência da atual estrutura política, e, assim, sua presença em debates é um grito de que o sistema tem falhas que precisam ser corrigidas.

A política é, na essência, a arte de resolver conflitos sem o recurso à violência. A política é a muralha que evita, por exemplo, guerras.

Não fosse a política formal, viveríamos todos como no filme Mad Max, com uma arma ao alcance da mão para poder sobreviver.

Não por acaso, as cenas vergonhosas do debate na TV Cultura foram protagonizadas por dois outsiders da política, mas com algo em comum: José Luíz Datena, que ficou rico e famoso com a exposição da barbárie, e Pablo Marçal, que começou sua trajetória no crime e também fez fortuna.

Os dois conhecem o mundo cão: um ex-preso e um jornalista que faz do crime um espetáculo, e passa a falsa imagem de que estamos todos perdidos.

Penso que o uso da palavra Jack por Marçal foi o que mais enfureceu Datena. Ele estava sendo transformado em um dos personagens de seu espetáculo, que, como ele, muitas vezes são condenados sem provas.

Há alguns anos, fiz uma reportagem sobre um jovem negro apresentado nos programas policiais da TV, inclusive o de Datena, como o Maníaco da Pompeia, um homem que atacava mulheres na escadaria de um bairro de São Paulo.

Contra ele, havia o reconhecimento pessoal de uma suposta vítima. Havia pelo menos seis outras, mas só uma a reconheceu. Foi o suficiente para a Polícia Civil pedir sua prisão, o Ministério Público concordar e um juiz aceitar o pedido.

Claro que a exposição nos programas de TV como de Datena contribuiu para que o suspeito fosse transformado em condenado e, apesar da fragilidade da prova, trancado em presídio.

A reportagem que fiz mostrou que ele era inocente. A vítima havia dito que contraiu Aids em razão do estupro. Um exame feito no jovem negro mostrou que ele não tinha o vírus.

Portanto, se houve o estupro, o criminoso era outro. A expressão “se houve” é pertinente porque, quando saiu o resultado do exame, eu procurei a suposta vítima. Ela estava casada quando descobriu a doença, e o marido não tinha o vírus.

Como o caso do Maníaco da Pompéia era assunto na imprensa sensacionalista, aquela mulher pode ter inventado a história.

Fiz a pergunta a ela, já que um inocente tinha sido preso por conta de falso reconhecimento, e a resposta foi um choro silencioso. É o mundo cão, de onde brotam figuras como Marçal, e que é explorado por Datena.

O que vimos no episódio da cadeirada é a invasão desse mundo no espaço que se imaginava civilizado.

Marçal merece uma cadeirada, mas não física. Até porque não resolve e transforma o algoz em vítima. 

Quem deveria dar a cadeirada é a Justiça Eleitoral, onde existem ações que denunciam Marçal e seu partido, o PRTB, por graves irregularidades, como abuso do poder econômico e compra de votos e fraudes na eleição da cúpula que dirige o partido, ao que tudo indica com a participação do crime organizado.

O que a Justiça Eleitoral espera? Que, em vez de cadeirada, haja tiros? No mundo de onde emergiram Datena e Marçal, isso é possível, na verdade rotineiro.

 

¨      A cadeirada do Datena mostra que estamos indo de Marçal a pior. Por Ricardo Nêggo Tom

O lamentável episódio ocorrido no último domingo durante o debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo revela o quanto o comportamento da nossa sociedade vem sendo influenciado por aventureiros e delinquentes, que se lançam na política sem nenhuma proposta e com a certeza de que podem contribuir para a completa destruição do nosso tecido social. A cadeirada dada por José Luiz Datena em Pablo Marçal é apenas um recorte da violência, entre os diversos outros que o extremismo de direita vem produzindo mundialmente e de forma sistemática, seja de forma ativa ou passiva.

Datena, apesar de ter sido provocado de maneira covarde por Marçal, é um dos precursores dos programas policialescos de sobrenome "urgente" na televisão brasileira, que oferecem a violência urbana como entretenimento. São atrações que suscitam pânico social nos telespectadores, fazendo escorrer sangue na tela e clamando por um punitivismo extremo e ineficiente. Um lixo jornalístico que banaliza a vida e naturaliza a morte. Datena não é um santo e sabe usar a violência a favor de seus interesses.

Por outro lado, Pablo Marçal tem todos os predicados de um delinquente que poderia protagonizar uma edição inteira do "Brasil Urgente". Condenado por integrar uma quadrilha de assalto a banco, investigado por tentativa de homicídio coletivo, coach que cobra R$ 5 mil por palestras, pastor estelionatário que prometeu fazer uma mulher cadeirante andar em nome de Jesus, charlatão que invade velórios para tentar ressuscitar mortos, empresário de negócios incertos, acusado de ter ligações com o PCC e dono de uma fortuna de origem questionável. Haja cadeira para satisfazer a sanha punitivista contra um elemento tão desqualificado, desonesto e desordeiro.

A violência verbal que a extrema-direita costuma utilizar contra seus adversários políticos foi "melhorada" por Marçal, que a emprega de forma direta, mas com expressões faciais leves e bem-humoradas, o que pode sugerir aos ouvintes uma "pilha" sobre os adversários. Mas não é. E pode ser mais violento que uma cadeirada. Marçal sabe como desestabilizar emocionalmente as pessoas, o que é uma característica dos psicopatas. Psicopatia é um transtorno mental comum, caracterizado por traços de egocentrismo, falta de empatia e remorso, além de comportamento antissocial e dificuldade de inibir ações prejudiciais às pessoas. Estamos falando de Pablo Marçal.

O coach picareta manifesta um comportamento caracterizado pelo padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que se inicia na infância ou adolescência e continua na vida adulta. Isso explica o fato de ele ter integrado uma quadrilha que aplicava golpes virtuais em correntistas bancários aos 18 anos. É possível que, ainda mais jovem, Marçal tenha se envolvido em outros ilícitos. Sua vida adulta prova que ele nunca teve limites e nunca soube respeitar os dos outros. Sua delinquência é inata. Talvez tenha passado despercebida a expressão usada por Marçal ao acusar Datena de assédio sexual. "Jack" é uma gíria de cadeia para estuprador, o que prova a familiaridade do coach com a linguagem da criminalidade.

Faço aqui um questionamento e provoco uma reflexão. Por que Pablo Marçal ainda não teve sua candidatura impugnada? A quem interessa sua participação nos debates, uma vez que seu partido não tem tempo de TV nem representante eleito na Câmara Federal? Estariam os donos da mídia hegemônica interessados na audiência que a baixaria de Marçal pode oferecer? Outro fato curioso é que, apesar de sua incalculável fortuna, ele não evitou que o PRTB fosse despejado da sede em São Paulo por falta de pagamento de R$ 163 mil em aluguéis. Uma quantia que o milionário coach picareta poderia facilmente pagar com um pix.

Voltando à cadeirada, seria gratificante ver a justiça eleitoral impugnando as candidaturas de ambos. Entre Datena e Marçal, eu torço pela cadeira. No entanto, é importante destacar que a violência verbal pode gerar violência física. Datena, embora controverso, é um ser humano sujeito a reações. E Marçal entrou na disputa para agir desonestamente, provocar e vencer pelo desequilíbrio emocional. A situação é semelhante à do deputado Glauber Braga, do PSOL-RJ, que enfrenta processo de cassação por reagir a uma provocação de um membro do MBL, plantado na política para atacar adversários de esquerda.

Pablo Marçal nos mostra que Jair Bolsonaro ainda não era o fundo do poço. Sempre pode piorar mais quando a democracia é confundida com permissividade e impunidade. O mais preocupante é que muitos jovens periféricos estão sendo seduzidos pelo discurso de prosperidade que o coach dissemina. Do jeito que está, é bom proteger nossas cadeiras, porque estamos indo de Marçal a pior. Que morte horrível da sociedade brasileira.

 

¨      Na sociedade do espetáculo, uma cadeirada não é nada. Por Denise Assis

Há algum tempo tento entender o que nos leva a ter no cenário político pessoas como Jair Bolsonaro e Pablo Marçal, necessariamente nesta ordem. Apelei para o filósofo Guy Debord, que nos legou o seguinte ensinamento:

“Nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política -, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade moderna.” (Débora em: A sociedade do espetáculo: ContraPonto Editora-1997). Explica, mas por aqui há algo além. Voltando no tempo, no ano de 2019, pouco após a vitória de Bolsonaro, quando ele viajou a Nova Iorque e foi recebido na casa do embaixador Sérgio Amaral, em um jantar que reuniu a nata do submundo: Sergio Moro, Olavo de Carvalho e Jair, na mesma mesa, o recém-eleito disse que não havia vindo para construir nada. Sua chegada ao poder era para destruir. O guru e mentor “intelectual” (Rsrsrs), de Bolsonaro, aprovou. Era essa a proposta de suas teorias fascistas. Nada no lugar. Nenhuma instituição funcionando. Tudo refeito à luz das teorias fascistas. Ao Estado, nada. Aos cidadãos tudo que almejassem, fora da política.

Deu certo. Bolsonaro quase conseguiu empastelar os poderes, jogou a população contra o STF e concorreu ativamente para a morte de mais de 400 mil pessoas, segundo cálculos científicos, das 700 mil mortes pela Covid-19. Nada de vacinas, nada de empresas estatais, nada de combate ao desmatamento. Nada de vida. Apenas o poder.

Sua candidatura à presidência era vendida com falas contra “tudo o que está aí”. Só faltava – ao estilo hippie dos anos 70 -, bradar a palavra de ordem: “abaixo o sistema”.

Sua tese, embora viesse de um político tradicional, que há 28 anos transitava pelos corredores da política como deputado, fazendo sabe-se lá o quê, caiu como música nos ouvidos da gente comum, dos integrantes da classe C, que não almoçam Constituição, não se interessam por leis, a não ser quando ela os alcança e acham que o Estado só existe para lhes tungar o pouco que têm.

É disso que o povo gosta. Dos arroubos dos que transitam por todas as camadas, dando a impressão de serem alheios às regras, convenções, legislação.

A ideia de que transgridem e ninguém os pega, concedeu a Bolsonaro, e agora a Pablo Marçal, essa aura de “mito”, de seres superiores, que conseguiram o que eles tentam: andar para as leis e o “sistema” e escapar.

E nesse ponto receberam grande ajuda dos que alongaram os processos contra eles, usaram de todos os subterfúgios para não os punir e deixaram que Bolsonaro, Marçal e seus comparsas seguissem sem ser molestados por essa “chatice” de poderes Judiciário, Legislativo e regras constitucionais. E, a dar-lhes uma mãozinha, lá está o procurador geral da República, Paulo Gonet, que do mesmo campo ideológico, os leva a considerar que o crime compensa. (Só depois das eleições... Só depois do Natal...Só depois do réveillon... Só depois do Carnaval...)

É comum ver os fascistas de amarelo repetirem como a um mantra, o artigo da Constituição: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Para o cidadão médio, bombado, de mais músculos que cérebro, o típico frequentador das hostes do “mito”, esse é o princípio que os aproxima de Jair e de Marçal. Nada de lei, nada de regras, nada de “autoridade”. Eles são o poder. O poder de querer e fazer o que os vier à telha. Por isso, tanto Jair quanto Pablo os representam. Pairam acima das regras do jogo. Nada pega contra eles. Isso, sim, aos olhos da sua gente, é ser herói. E fazem por merecer a idolatria e votos.

 

Fonte: Brasil 247

 

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