quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Ucrânia: o Ocidente a um passo da derrota

A derrota militar da Ucrânia são favas contadas, mas o mais perigoso é que será também, e acima de tudo, uma derrota “por procuração” da OTAN contra a Rússia, carregada de consequências para a liderança global ocidental, dentro e fora da Europa. Tratando-se disso, a pergunta do momento é: como a OTAN responderá à sua derrota na Ucrânia?

“É o momento de restabelecer a diplomacia e voltar às negociações, embora leve algum tempo para inverter a propaganda da última década e preparar o público para uma nova narrativa. Como vimos no Afeganistão, as elites político-midiáticas nos assegurarão que estamos ganhando, até que fujamos de forma desorganizada, com pessoas caindo dos aviões”, diz o analista norueguês Glenn Diesen.

Muito dependerá das eleições presidenciais de novembro nos Estados Unidos. A Rússia terá que moderar as exigências de sua “vitória”, seja qual for o significado e o conteúdo real dessa palavra, pois a guerra também está cobrando um alto preço em Moscou. Certamente haverá mais de 200 mil mortos e inválidos. Além disso, a ocupação de território ucraniano pode ser uma fonte de problemas, como apontamos há mais de um ano. Mas o que acontecerá se a OTAN não aceitar sua derrota – ou seja, se os Estados Unidos persistirem na sua vontade de sangrar a Rússia, agora às custas de uma guerra maior? A histeria dos bálticos e dos poloneses sobre uma “ameaça (ofensiva invasora) russa” contra a Europa – que além de inexistente, mostrou-se impossível, dadas as limitações militares na Ucrânia – será desencadeada? Nesse caso, os termos da equação já são conhecidos. Se for alvo do ataque de uma força militar superior, como a OTAN, a liderança russa declarará uma “ameaça existencial” para seu país, o que, segundo sua doutrina, que está sendo revisada para que se torne mais flexível, significa a possibilidade do uso de armas nucleares.

Em Moscou, há motivos de sobra para preocupação. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, esteve esta semana em Kiev para dar o que parece ser um sinal verde para o uso de mísseis ocidentais de longo alcance contra o território russo. É algo que requer informações de inteligência e satélites militares americanos, além da participação direta de militares da OTAN. Putin advertiu na quinta-feira (12/9) que tal decisão “mudaria a própria natureza do conflito”. “Significará que os países da OTAN, os EUA e os países europeus, estarão combatendo contra a Rússia”, e, por isso, Moscou tomará “as decisões (militares) correspondentes”, disse ele. O presidente da Duma [Parlamento], Viacheslav Volodin, afirmou que a Rússia terá que usar “armas mais potentes e destrutivas na defesa de seus cidadãos”. Entre os especialistas há especulações sobre cenários como ataques a infraestruturas ocidentais ou a destruição das pontes sobre o rio Dnieper, que até agora a Rússia respeitou, e que cortariam a comunicação terrestre e ferroviária da Ucrânia ao meio.

Os programas de TV russos transmitem certo cansaço pelo estancamento da prometida “vitória inevitável”. Os militares parecem cientes de que, sem uma mobilização nacional completa – algo que o presidente Putin não quer arriscar – não há capacidade militar para expandir ainda mais a conquista de território ucraniano em direção a Nikolayev e Odessa, privando completamente a Ucrânia de saída para o mar, o que completaria uma vitória militar estratégica. Certamente, não interessa que a frente ucraniana entre em colapso antes das eleições nos Estados Unidos, mas, ganhe quem ganhar em Washington em novembro, sabe-se em Moscou que, se os Estados Unidos/OTAN não aceitarem sua derrota, a perspectiva de uma guerra maior estará à vista.

O presidente Zelenski carrega a derrota estampada no rosto. Já não é mais aquele personagem dinâmico e determinado que protagonizava capas dos principais semanários europeus e norte-americanos. Agora parece cansado, preocupado e agitado. Zelenski perdeu grande parte do apoio de seus padrinhos – chegando até a ser falsamente acusado de estar por trás do atentado americano contra o gasoduto Nord Stream. Não entendem sua última remodelação no governo, nem a ofensiva militar contra a região russa de Kursk, um gesto desesperado de imagem pelo qual pagará um alto preço militar, segundo a imprensa ocidental mais interpretativa. Os ocidentais o incitaram a romper as negociações iniciadas em Minsk e Istambul no início da guerra, e agora não estão sendo coerentes com a intensidade da ajuda que lhe prometeram. É a hora dos recriminações e ressentimentos. Zelenski tem motivos para estar preocupado.

“Superado em número e em armamento, o exército ucraniano enfrenta baixa moral e deserção”, diz a CNN em um relatório exaustivo, impensável em nossos lamentáveis meios de comunicação. Cinco são os pontos do colapso militar: as posições estratégicas dos soldados são mais fracas, faltam recursos, as cadeias de suprimentos não estão suficientemente defendidas, as comunicações costumam falhar e a moral desmorona, explica Diesen. Uma vez iniciado, o colapso tende a ter um efeito de avalanche, ele afirma.

Companhias militares inteiras estão se retirando de suas posições sem permissão, o que desmantela qualquer plano defensivo. O fato de um dos novos F-16 fornecidos pela OTAN, pilotado por um dos melhores oficiais da aviação ucraniana, ter sido derrubado em sua estreia, há duas semanas, por “fogo amigo” de uma bateria Patriot é um sintoma de graves problemas de coordenação. Em relação à retaguarda, cerca de 800 mil homens ucranianos em idade militar “foram para a clandestinidade”, mudando de endereço e trabalhando informalmente para não deixar registros trabalhistas e evitar a mobilização, relatava o Financial Times em 4 de agosto, citando o chefe da comissão de desenvolvimento econômico do parlamento ucraniano, Dmitri Nataluji.

Os efeitos da carnificina que a Ucrânia está sofrendo são incalculáveis. 78% dos cidadãos declaram ter parentes próximos e amigos que foram mortos ou feridos na guerra, de acordo com uma pesquisa telefônica realizada em maio/junho do ano passado. Veremos que preço todo esse bárbaro e injusto sofrimento humano cobrará no futuro. O ressentimento contra a Rússia de toda uma geração de ucranianos vai perdurar por muito tempo. Os vídeos sobre as razias do exército nas ruas, para prender aqueles que evitam o serviço militar, cresceram exponencialmente nas redes sociais. Aparentemente, também melhorou a informação militar russa sobre alvos, como exemplifica a destruição de um centro militar em Poltava, aparentemente com grande concentração de técnicos militares da OTAN, em 3 de setembro. E as perspectivas são ainda mais sombrias para Kiev, pois a Rússia, especialmente após a incursão militar ucraniana em Kursk, está castigando ainda mais as infraestruturas energéticas do país. Tendo já perdido um quinto de seu território nacional e um terço de sua população, a perspectiva de um inverno com severos cortes de luz e aquecimento anuncia um novo êxodo de centenas de milhares de ucranianos para a União Europeia, neste outono/inverno. Não estamos muito longe de um colapso militar ucraniano, que talvez seja questão de alguns meses.

¨      EUA considerarão Rússia uma ameaça independentemente do resultado do conflito ucraniano

Os EUA considerarão a Rússia uma ameaça independentemente do resultado do conflito na Ucrânia, disse o secretário da Força Aérea dos EUA, Frank Kendall.

"Independentemente de quando e como esta guerra terminar, provavelmente a Rússia continuará sendo uma ameaça aguda [para os EUA]", cita o portal da Força Espacial dos EUA as declarações de Kendall na Convenção da Associação da Força Aérea e Força Espacial dos EUA.

O secretário da Força Aérea acrescentou que os EUA continuarão expandindo a cooperação militar com aliados na Europa, referindo como exemplo a recente ratificação de um acordo para distribuição dos custos da integração de mísseis noruegueses JSM em caças F-35.

Ultimamente, o Ocidente tem expressado cada vez mais as ideias sobre um conflito armado direto entre a Aliança Atlântica e a Rússia.

O Kremlin havia observado que a Rússia não ameaça ninguém, mas não ignorará ações potencialmente perigosas para seus interesses. Além disso, nos últimos anos, a Rússia tem observado uma atividade sem precedentes da OTAN em suas fronteiras ocidentais.

<><> Ajuda militar dos EUA à Ucrânia é dificultada pelo esgotamento de estoques de armas, revela mídia

A assistência à Ucrânia por parte dos EUA é dificultada pelo esgotamento de estoques de armas em armazéns norte-americanos, relata o CNN com referência a dois funcionários estadunidenses não identificados.

"Escassez [de armas] significa que a administração [do presidente dos EUA Joe] Biden ainda tem 6 bilhões de dólares [R$ 33,3 bilhões] para armas a Ucrânia, mas o Pentágono está com falta de suprimentos que gostaria de fornecer", apontam fontes.

Um dos interlocutores relatou ao canal de TV que o reabastecimento dos estoques de armas também é um problema para o Pentágono. De acordo com o CNN, os EUA estão aumentando a produção de munições, incluindo as de 155 milímetros, e sistemas de mísseis Patriot, tanto para fornecimento à Ucrânia como para o seu próprio Exército. Entretanto, o processo de reabastecimento de armas pode levar anos e os EUA não serão capazes de atender rapidamente ao aumento acentuado da demanda por sua produção.

"Tem a ver com os estoques em nossos armazéns, com o que os ucranianos estão pedindo e se podemos satisfazer seu pedido com aquelas [armas] que temos agora", cita o canal as palavras do funcionário.

A mídia destaca também que, em abril, o Congresso dos EUA destinou US$ 13,4 bilhões (R$ 74,4 bilhões) adicionais ao governo Biden, que deveriam ser usados especificamente para envio de armas e equipamentos retirados de estoques americanos para a Ucrânia. Segundo explicaram os funcionários em questão, o Departamento de Defesa dos EUA não pôde usar esses meios na totalidade por causa da falta de armas apropriadas, das quais pode prescindir, sem arriscar sua própria segurança.

A Rússia considera que as entregas de armas à Ucrânia impedem a firmação de um acordo, envolvendo diretamente os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte no conflito. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, havia observado que quaisquer cargas contendo armas para a Ucrânia se tornarão um alvo legítimo para a Rússia.

¨      Permissão do Reino Unido de atacar a Rússia 'será um erro de proporções nucleares', diz jornal

O Reino Unido cometerá um enorme erro ao permitir que a Ucrânia ataque o território da Rússia em profundidade, escreve o jornalista Simon Jenkins em um artigo para o The Guardian.

"Permitir que mísseis britânicos de longo alcance sejam usados contra a Rússia pode ser um um erro de proporções potencialmente nucleares [...] A postura musculada dos líderes militares britânicos e do próprio [premiê Keir] Starmer não tem sentido. Ela apenas alimentou o ceticismo sobre a OTAN para o possível próximo presidente dos EUA, Donald Trump", afirma o autor da matéria.

"Depois de mais de dois anos, a guerra da Ucrânia se transformou de uma guerra de independência nacional em um conflito por procuração, econômico e militar, do Ocidente contra a Rússia", diz o artigo.

O artigo observa que o apoio de Vladimir Zelensky pelo Ocidente só agrava a situação política no mundo.

"Os políticos ocidentais ansiosos que se fazem de 'durões' não prestam nenhum serviço à paz ao prometerem apoiar Zelensky até a vitória total. Eles sabem perfeitamente que tal vitória é impossível. A única questão é quanto mais mortes e destruição isso causará nesse meio tempo", concluiu Jenkins.

Na semana passada, o presidente russo Vladimir Putin disse que a OTAN está discutindo não apenas a possibilidade de o Exército ucraniano usar armas ocidentais de longo alcance, mas a participação direta de países da OTAN no conflito com a Rússia.

 

Fonte: Por Rafael Poch, em CTXT | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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