quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Brasil e China apostam no pragmatismo para trazer paz à Ucrânia, mas Zelensky é obstáculo

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o plano apresentado pelos países para encerrar o conflito ucraniano é eficiente, mas frisam que Vladimir Zelensky pode rejeitar a proposta por se tratar de dois países próximos da Rússia e por sua intenção pessoal de perpetuar o embate.

Em uma recente viagem a Pequim, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, expressou apoio ao plano traçado por Brasil e China para alcançar a paz entre Rússia e Ucrânia.

O plano foi anunciado em maio, durante um encontro em Pequim entre o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, e o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi. Ele tem como base seis pontos, que incluem a redução das hostilidades e a organização de uma conferência internacional pela paz que inclua todas as partes envolvidas na mesa de negociação.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam se há possibilidade de Vladimir Zelensky considerar a proposta para encerrar o conflito, uma vez que a estratégia de EUA e seus aliados europeus não tem surtido efeito.

O que propõe o plano elaborado por Brasil e China?

Para Eduardo Galvão, professor de relações internacionais do IBMEC de Brasília, o principal ponto da proposta é trazer soluções pragmáticas para temas sensíveis que atualmente travam as negociações de paz, sendo o principal deles a disputa em torno de regiões que optaram pela adesão à Rússia.

"Essas questões são deixadas de lado para negociações futuras, mediadas por atores internacionais, o que é uma forma de abrir espaço devagar, passo a passo, para o diálogo, sem travar a discussão em temas que, no momento, parecem insolúveis", afirma.

Outro ponto, acrescenta o especialista, é que o plano determina a neutralidade da Ucrânia, o que seria uma forma de dissipar o temor da Rússia de ter suas fronteiras cercadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"É uma questão de soberania, de proteção. Além disso, a proposta foca ainda na criação de mecanismos de não agressão mútua, com o propósito de garantir que nem o Ocidente nem o Oriente ameacem diretamente as fronteiras russas no futuro."

Ele afirma que com o plano Brasil e China tentam mudar a abordagem de se prender à polarização que marcou o período da Guerra Fria.

"O que o Brasil e a China estão sugerindo aqui é que em vez de continuarmos presos a alianças militares rígidas, estratégias de confronto, deveria se priorizar o diálogo e a diplomacia multilateral [...]. Esse é o caminho que contraria a tendência atual do Ocidente, que tem apostado muito nas sanções, nas pressões militares, mas será que é uma estratégia que realmente resolve o problema? Não me parece. Então essa proposta sino-brasileira, ela aposta em algo diferente, é uma abordagem que busca equilíbrio, busca neutralidade."

  • Qual a probabilidade de Zelensky aceitar discutir o plano?

Até o momento, Zelensky se encontra irredutível em sua decisão de não sentar na mesa de negociação com a Rússia. Nesse contexto, questionado sobre qual a probabilidade da proposta de Brasil e China avançar, Galvão afirma que até então a estratégia foi discutir os termos com apenas uma das partes do conflito, o que não foi aceito pelo presidente russo Vladimir Putin.

"Isso foi, inclusive, comentado por Putin. Ele falou: 'Olha, não posso aderir, não posso concordar com uma proposta da qual eu não participei da negociação. O Ocidente não pode me impor às suas condições. Se quiserem conversar, eu estou disposto'. Então, me parece que, sendo uma proposta construída entre países que tentam se colocar em uma posição mais neutra, ou seja, que não tomaram partido do Ocidente nem da Rússia e dos seus aliados, me parece que esses termos teriam mais condições de avançar."

  • O que Brasil e China ganham em termos políticos caso a proposta vingue?

Galvão afirma que Brasil e China "têm empreendido esforços para se posicionarem como potências mundiais".

"Então, isso [a proposta sendo bem-sucedida] reforçaria muito o papel como lideranças globais dos dois países, principalmente nos fóruns onde eles fazem parte. A gente está falando de América Latina, de Mercosul, a gente também está falando de BRICS", afirma.

Ele acrescenta que Brasil e China também têm interesses comerciais na busca pelo fim do conflito, uma vez que ele "atrapalha alguns fluxos comerciais, principalmente de commodities", que são comercializados por ambos.

Fernanda Albuquerque, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAM, PUC-SP), avalia a proposta de Brasil e China como bastante realista, prática e imparcial.

Entretanto, ela acrescenta que o fato de ter sido elaborada por dois países que têm proximidade com a Rússia e fazem parte do BRICS faz com que Zelensky não veja a proposta com bons olhos.

"Os mediadores ideais, pensando em termos de relações internacionais, seriam países neutros em relação aos dois lados do conflito, país neutro tanto em relação à Rússia quanto à Ucrânia, o que é complicadíssimo de a gente apontar. Até porque eles até existem, mas países que sejam neutros não vão ter o protagonismo ou a influência internacional que seria necessária para liderar uma negociação dessa magnitude, o conflito mais falado do século XXI ao lado do conflito Israel-Hamas", afirma a especialista.

Para Albuquerque, uma solução razoável seria a mediação ser feita por "um país aliado da Rússia e um país aliado da Ucrânia, como, por exemplo, China e Estados Unidos".

Ela afirma ainda que há interesse de Zelensky em prolongar o conflito, que está conferindo a ele uma notoriedade e visibilidade que nunca sonhou e somente conseguiu por conta do conflito e do apoio ocidental.

"Então, com certeza, esse conflito ajuda a manter esse poder, a perpetuar a sua manutenção no cargo e há uma herança histórica de seu nome, de seu mandato na Ucrânia."

  • Russofobia afeta a percepção do conflito

Albuquerque ressalta que a imagem de inimigo construída pelo Ocidente em torno da Rússia prejudica o entendimento sobre as causas do conflito. Ela frisa que a russofobia acompanha a Rússia desde a Guerra Fria e não acabou com o fim da União Soviética (URSS).

"O mundo ocidental não retirou aquela imagem que tinha da União Soviética, apenas transferiu, o que era União Soviética virou Rússia, e continuou meio que mantendo esse inimigo, mantendo o outro como ruim, como negativo em oposição aos Estados Unidos, ao mundo ocidental."

Ela afirma que essa russofobia impede a percepção das causas do início do conflito, e ressalta que "todos os conflitos que existem, existe um motivo pelo qual eles acontecem, existe toda uma construção".

"Como essa russofobia é muito grande, é transparecido, é mostrado para nós como se fosse tudo muito irracional, do que vem do Putin, do que vem do Oriente, do que vem da Rússia", afirma a especialista.

  • Para plano dar certo, Ucrânia deve se libertar do controle dos EUA

Trabalhando como engenheiro industrial, Miguel Machado, viveu 16 anos na Ucrânia e foi presidente da Associação Cimenteira da Ucrânia.

Ele aponta que em 2014, após o golpe de Estado que depôs o presidente Viktor Yanukovych e levou ao poder Pyotr Poroshenko, apoiado por Washington, o país vivenciou um violento processo de ucranização nos planos "multiétnico, multicultural, multirreligioso e multilinguístico", no qual o idioma russo passou a ser proibido. Nomes de locais públicos, como ruas e praças, foram trocados.

"Aliás, os primeiros setbacks [revezes] da nova democracia saída de 2014 na Ucrânia, como por exemplo as perseguições e assassinatos políticos, que houve bastante, foram todos silenciados no Ocidente. No Ocidente não se soube de nada."

Ele afirma que essa estratégia foi articulada para transformar a Ucrânia em um "objeto antirrusso, e de preferência que projetasse a solidariedade estratégica dos Estados Unidos".

"Mas para isso era preciso eliminar o elemento russo. E foi-se a tudo, não é? Não foi só mudar o nome das ruas, muita gente ficou [morta] pelo caminho", afirma.

Machado considera Brasil e China capazes de serem mediadores, mas diz que ambos, inevitavelmente, são vistos como a favor da Rússia. Isso porque a Ucrânia se transformou no que ele aponta como uma fronteira dos valores ocidentais que luta pelo velho paradigma.

"O próprio [...] Zelensky antagonizou a Lula, antagonizou a China, e neste momento acho que do lado de Kiev não há condições para aceitar esses dois parceiros", afirma.

Ele avalia que para que Brasil e China desempenhem o papel de mediadores, primeiro deve haver uma mudança de regime que torne a Ucrânia "libertada do controle americano".

"Enquanto os Estados Unidos controlarem a tomada de decisão na Ucrânia e financiarem o seu Estado, vão continuar a usar essa plataforma como a usaram até agora."

¨      Robert Kennedy Jr. e Donald Trump Jr. apelam a negociações de paz entre Rússia e Ucrânia

A Casa Branca deve iniciar conversações com o Kremlin sobre a Ucrânia, de acordo com um artigo conjunto do filho do candidato à presidência dos EUA Donald Trump Jr. e do ex-candidato à presidência Robert Kennedy Jr., publicado no jornal The Hill.

O artigo fala sobre a possível aprovação pelo governo Biden de autorização para a Ucrânia atacar alvos no território da Rússia longe da zona de conflito.

Os autores avisam que tal decisão gera o risco mais alto de um confronto nuclear desde a época da Crise do Caribe no ano de 1962, quando a União Soviética implantou mísseis balísticos em Cuba em resposta à implantação de mísseis norte-americanos na Turquia, que atingiriam os maiores centros políticos e industriais da URSS.

"Precisamos exigir, agora mesmo, que [Kamala] Harris e o presidente [Joe] Biden revertam sua agenda de guerra insana e iniciem negociações diretas com Moscou", escreveram.

Eles apontam que a febre militarista em Washington atingiu um nível sem precedentes, lembrando que a vice-presidente e a candidata democrata Kamala Harris, em um debate com Trump, "evocou imagens de forças russas rolando pela Europa", o que é "absurdo".

Conforme o artigo, o candidato republicano Donald Trump prometeu acabar com esse conflito, mas quando ele retornar à Casa Branca "pode ser tarde demais".

Neste contexto, a agência de notícias Bloomberg disse que aliados de Kiev acreditam que o momento certo para chegar a acordos sobre a Ucrânia pode ser o período entre a eleição presidencial dos EUA e a posse.

Segundo o artigo, os EUA deveriam pensar mais seriamente do que antes sobre um possível fim negociado para o conflito ucraniano.

Ao mesmo tempo, segundo as fontes da agência, se espera que Vladimir Zelensky defenda a adesão da Ucrânia à União Europeia (UE) e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como parte do chamado plano da "vitória" da Ucrânia que ele quer apresentar a Joe Biden.

Além disso, Zelensky quer concluir acordos de segurança para Kiev continuar a receber armas avançadas.

Como observou uma autoridade sênior dos EUA, Washington espera que esse plano seja maximalista e abstrato.

Soldados das Forças Democráticas da Síria (SDF, na sigla em inglês), apoiadas pelos

A eleição presidencial dos EUA vai ser realizada em 5 de novembro. O Partido Democrata é representado pela vice-presidente Kamala Harris, enquanto o Partido Republicano pelo ex-presidente Donald Trump. A posse do novo presidente deve ocorrer em 20 de janeiro de 2025.

Em julho, o presidente russo Vladimir Putin disse que um cessar-fogo na Ucrânia é impossível sem o acordo do "lado oposto" sobre medidas irreversíveis e aceitáveis para a Rússia.

Ele enfatizou que a Rússia não pode permitir que o inimigo se aproveite do cessar-fogo para melhorar sua situação e recuperar suas forças.

Contudo, à margem do Fórum Econômico do Oriente em setembro, Putin disse que se a Ucrânia desejasse negociar, a Rússia não se recusaria, mas essas negociações seriam realizadas com base nos acordos estabelecidos em Istambul em 2022.

¨      Conflito em Gaza é o maior problema internacional cuja solução EUA estão atrasando, diz Lavrov

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) não deve ignorar o conflito israelo-palestino porque é o principal problema internacional da atualidade, declarou nesta segunda-feira (16) o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov.

Segundo Lavrov, a última resolução do Conselho de Segurança da ONU, que apela ao cessar-fogo na Faixa de Gaza, foi deixada de lado.

"Os EUA não cumpriram as suas promessas, mas isso não significa que devamos abandonar os nossos esforços. Ficaríamos satisfeitos se a mediação do Egito e de outros países árabes trouxesse resultados. O Conselho de Segurança da ONU não deveria ignorar esse problema porque hoje é o maior problema internacional", disse Lavrov em uma conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo egípcio.

O chanceler russo também comentou que assim que o conflito na Faixa de Gaza cessar, "teremos de lidar imediatamente com o envio de cargas humanitárias porque a situação humanitária na Faixa de Gaza é catastrófica".

"É muito importante não congelar novamente esse conflito. Todos os oponentes devem ser forçados a cumprir as decisões do Conselho de Segurança da ONU e da Assembleia Geral [da ONU] sobre a criação de um Estado palestino, o que não é uma tarefa fácil", disse o chanceler.

No dia 18 de julho, o Knesset (parlamento Israelense) aprovou uma declaração contra o estabelecimento do Estado Palestino a oeste da Jordânia, afirmando que "a criação de um Estado palestino no coração da terra de Israel poria em perigo a existência do Estado de Israel e dos seus cidadãos, intensificaria o conflito israelo-palestino e desestabilizaria a região", entre outras coisas.

Em 1947, a ONU, com a participação ativa da União Soviética, decidiu criar dois Estados: Israel e Palestina, mas apenas o primeiro foi criado.

A Palestina insiste que as futuras fronteiras entre ambos os Estados soberanos sejam traçadas nos moldes anteriores à guerra de 1967 (Guerra dos Seis Dias), e admita uma troca de territórios, com a esperança de criar o seu Estado na Cisjordânia e em Gaza, com capital em Jerusalém Oriental.

Israel, por sua vez, se recusa a restabelecer as fronteiras de 1967 e a partilhar com os árabes Jerusalém, que proclamou como a sua capital "eterna e indivisível".

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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