quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Luciano Nascimento: ‘A idade do erro’

Dizem que “o Diabo é perigoso porque é velho”. A despeito da possível validade filosófica do aforismo, é compreensível que sua matriz judaico-cristã cause arrepios em quem está minimamente informado sobre as notícias mais recentes a respeito de Gaza ou da atuação da cancerígena “bancada evangélica” brasileira.

Por isso talvez seja válido buscar uma versão menos ortodoxa da máxima; quiçá algo como “o mal conhece todos os atalhos”. Ainda assim, há uma moralidade quase rasteira permeando a ideia (só aparentemente simples) de que, em geral, no dia a dia, é muito mais fácil errar do que acertar.

A simplicidade da ideia é só aparente porque, infelizmente, o erro não é uma commodity qualquer. Além da natureza difícil de delimitar – o que é “certamente errado”, afinal, fora da exatidão da matemática pura? –, o preço do erro varia bastante, sujeito a muitas variáveis e a poucas constantes.

O continuum tempo-espaço é uma dessas variáveis; o agente da ação criticada também. Na encruzilhada desses dois vetores, o ponto sensível é: algumas pessoas, em determinados tempos-espaços, se erram, geram uma tragédia. Na prática isso equivale a dizer: um erro A, se cometido por B, numa circunstância C, têm um custo D (às vezes mais, às vezes menos aferível); mas, esse mesmo erro A, se cometido por X, em igual circunstância C… implode a equação, derruba tudo.

A conclusão é que o custo do “combo” de alguns erros pode ser tão elevado que simplesmente arriscar errar não é uma opção. É preciso desviar da situação a todo custo, sequer flertar com ela, nem ao menos cogitar a hipótese de que, afinal, ela não seja o que de fato é – um erro, afinal. E é aí que o tempo volta a ter um papel crucial: espera-se que, com o passar dele, as pessoas compreendam essa contingência existencial complexa (a necessidade de conter alguns de seus próprios impulsos) e, conscientemente, passem a errar menos.

No fundo, no fundo, é também uma questão moral. Daí sua fácil captura pela religião, evidente na referência infame e etarista à idade do diabo judaico-cristão: velho que é, ele próprio já teria errado muito e, por isso, saberia onde e como fazer errarem [sic] as pessoas – que, por óbvio, são menos velhas que ele, “o tinhoso”, o “coisa ruim”, o “cão”…

É claro que, afastando a chantagem etarista e o romantismo juvenil (apesar de travestido de idoso), resta claro que maior idade não é nem nunca foi sinônimo inequívoco de maior sabedoria, assim como informação ou conhecimento puros – por melhor e mais sofisticados que se apresentem – tampouco garantem imunidade à falha. “Errar é humano” e o clichê é tão batido quanto verdadeiro.

Mas, então, se errar é inevitável, que fazer? Fechar os olhos e apenas se entregar ao “curtindo a vida adoidado”? Não, não é bem assim – parece.

Errar é inevitável; contudo, nem todo erro é. Os novos, inusitados, advindos de circunstâncias inesperadas ou desconhecidas… esses erros são, quase sempre, inevitáveis; os velhos conhecidos, famosos e íntimos, comezinhos… esses não.

É verdade que a infalibilidade não é um predicativo alcançável pelos seres humanos? É. Porém, também é legítimo esperar de algumas pessoas maior discernimento em relação àquilo que a comunidade na qual elas mesmas estão inseridas convencionou chamar “certo” ou “errado”. Afinal, nem todo mundo navega por este mundo igualmente às cegas – em que pesem o maremoto e o tufão brancos com que a leitura de José Saramago pode fustigar essa afirmação.

Por fim, na equação geral dos fracassos evitáveis, afora as mais idiossincráticas, uma variável essencial é o tempo-espaço, outra é o agente, e outra é, sem dúvida, a idade do erro. Erro velho não se erra; o custo, quase sempre, é alto demais; às vezes, incalculável.

 

•        Maquiavélicos do bem e do mal. Por Paulo Henrique Arantes

Há coisa de cinco séculos, o genial Nicolau Maquiavel escreveu: “As injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, menos saboreadas, ofendam menos; e os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, a fim de que sejam melhor saboreados”. Nos anos 1980, Tancredo Neves trouxe o filósofo florentino para o processo de redemocratização do Brasil: “Notícia ruim a gente dá de supetão; notícia boa a gente dá aos poucos”.

A malícia mineira é puro maquiavelismo, outro nome para ardil, que pode servir tanto ao bem quanto ao mal. Sim, às vezes os fins justificam os meios. Nada a ver com Romeu Zema, é claro, verdadeira draga neoliberal e despossuído daquela formidável mineirice.

Note-se que as notícias positivas neste governo de Luiz Inácio Lula da Silva parecem vir maquiavelicamente a conta-gotas, sempre precedidas de muito suor.  Assim ocorreu com a aprovação do arcabouço fiscal, depois com a reforma tributária, posteriormente com a alta do nível de emprego, em seguida com o aumento do PIB. São avanços sólidos, conquistas decorrentes de princípios socioeconômicos e trabalho. Consolidam-se aos poucos e não se desmancham no ar.

A imprensa neoliberal, que respondeu pela ascensão de Jair Bolsonaro, também pratica seu maquiavelismo; este, um maquiavelismo deletério, pois contrário os interesses da imensa maioria dos cidadãos brasileiros. O povo encontra-se muito, muito distante da Faria Lima, no entanto é bombardeado diariamente com análises econômicas provenientes do mercado de capitais. E só de lá.

Bater na mesma tecla diariamente, até que uma conjectura vire verdade - essa é a estratégia, por exemplo, dos jornalões, um dos quais não consegue mais escamotear seu bolsonarismo. Foi assim durante anos com a “corrupção petista”, tornada muito mais vistosa do que outras corrupções bem piores.

A onda que agora se eleva é para responsabilizar o governo Lula pelas queimadas que se alastram pelo território brasileiro. Há uma tragédia em curso, provavelmente de origem criminosa e potencializada pela seca. A contenção de uma intempérie dessa dimensão não se dá do dia para a noite. O governo mobiliza-se para conter o fogo, como mobilizou-se em socorro às vitimas das chuvas no Rio Grande do Sul, mas, reconheça-se, trata-se de uma missão sobre-humana, incontornável mesmo com brigadistas treinados para tal e uso de aviões para despejo de água nos focos de incêndio.

No médio prazo, como disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o risco de queimadas com as de agora será minimizado pelo fortalecimento da fiscalização e o incentivo a práticas alternativas de manejo de terras, como o uso de métodos mecânicos e biológicos para limpeza de terrenos.

Ter Marina Silva no Meio Ambiente já seria suficiente para o governo atual diferenciar-se completamente do anterior, quando a pasta era chefiada por um sujeito acusado de exportação ilegal de madeira. Porém, maquiavelicamente, os jornalões simplesmente comparam os índices de desmatamento pelo fogo entre os governos, e enxergam equivalência. Não verificam o inusitado, não apontam a vontade política, não valorizam a intenção, nem a disposição.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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