quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Especialistas destacam prós e contras da inteligência artificial na educação

Da mesma maneira que a educação teve que se adaptar ao Google, surge um novo desafio: a inteligência artificial (IA). Com ela, as estimativas apontam para um futuro cada vez mais tecnológico. Em 2026, cerca de 90% do conteúdo on-line poderá ser gerado por IA, de acordo com um relatório da Agência de Aplicação da Lei da União Europeia. Além disso, o valor desse mercado deve aumentar em US$ 180 bilhões nos próximos anos, segundo pesquisa da Brainy Insights.

Especialistas são categóricos: não dá para fingir que a mudança não está acontecendo. Nesse cenário, a escola deverá acompanhar as transformações da sociedade, entre elas a do mercado de trabalho. Algumas adaptações já estão acontecendo, e há hoje gestores, professores e alunos beneficiados pelo uso da inteligência artificial em sala de aula.

"A inteligência artificial tem três vertentes de aplicação na educação: auxiliar o aluno, o professor e a parte administrativa das escolas", explica Mariza Ferro, coordenadora da Comissão de Educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). "Falando do aluno, existem algumas funcionalidades, como a personalização do conteúdo para a maneira que ele gosta mais de aprender. Dentro de um currículo personalizado, podemos ter ferramentas de feedback com dicas para esse estudante e modos de ele superar as suas dificuldades acadêmicas", completa.

A IA já ajuda os estudantes a fazerem os trabalhos da escola. Um deles é Felipe Figueiró, 17 anos, aluno da Escola SEB Brasília, que utiliza a tecnologia como apoio em seus estudos. "Uso o ChatGPT para filtrar informações e fazer resumos. Às vezes, tenho um prazo de uma semana para estudar e encontro documentos de mais de 70 páginas, então a ferramenta me ajuda a resumir e ter uma base de estudo", explica.

"Tem que saber usar também. Às vezes, eu vejo pessoas pegando redações completas do ChatGPT. Mas acho que se você conciliar com aquilo que você quer, ajuda. Antes eu já não fazia, mas hoje consegui encontrar meus tópicos e utilizar a ferramenta da melhor forma possível", complementa o estudante.

•        Professores e gestores

Para os professores, a inteligência artificial ajuda a agilizar tarefas e a proporcionar atividades pensadas para cada aluno. Rodrigo Duran, doutor em ciências da computação e professor do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, utiliza a IA generativa — a que gera textos e imagens, como o ChatGPT — para contextualizar as atividades de acordo com o gosto dos estudantes.

"Hoje em dia, a IA generativa permite que adaptemos questões que já existem para o contexto que o aluno tenha um certo interesse. Por exemplo, eu sei qual é o tópico que quero trabalhar com eles. Então eu posso pedir ao ChatGPT para adequar a questão para o contexto do League of Legends, que é o que os alunos do ensino médio gostam. E ele cria de forma muito eficiente essas questões contextualizadas", conta.

Além disso, o professor explica que a equipe do instituto utiliza a inteligência artificial para gerar simulados para os estudantes que não têm acesso a essas provas com frequência. O que antes demandava muito tempo para o educador, agora a IA generativa oferece milhares de opções de questões estilo Enem em segundos.

Para os gestores, por sua vez, a inteligência artificial atua como uma ferramenta para levantar dados e facilitar a organização administrativa da escola. Um dos projetos existentes para auxiliar nessa demanda se chama Educ.AI e foi desenvolvido por Yasmin Feitosa, Giovana Dovich Costa e Augusto Silva, enquanto alunos de engenharias elétrica e computacional na Universidade de São Paulo (USP).

O programa utiliza dados disponibilizados pelo governo federal para correlacionar a nota do Enem à infraestrutura da escola. "Pensamos como a infraestrutura da escola impacta na nota do Enem. O que impacta mais: ter um banheiro ou ter um ar-condicionado? Ou ainda um computador disponível? A partir dessa ideia, fizemos o modelo de machine learning que consiga auxiliar principalmente as pessoas responsáveis pelas escolas, sobretudo escolas públicas, a gerir melhor os recursos financeiros, que são extremamente escassos no Brasil para educação", explica Augusto Silva.

O projeto, apresentado na Brazil Conference at Harvard & MIT, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), é utilizado por gestores brasileiros. "Descobrimos que a parte de gestão das escolas públicas é uma das coisas que mais dá dor de cabeça aos diretores, então vimos também a possibilidade de criar essa plataforma em que  também supervisores e coordenadores possam entrar e ter questões facilitadas", afirma Yasmin Feitosa.

•        Os riscos de cair em ciladas

Bem como não se pode ignorar a emergência da inteligência artificial nas escolas, especialistas alertam que não se pode negligenciar os riscos e os potenciais perigos apresentados por ela, sobretudo no contexto de sala de aula.

Um dos problemas mais frequentes relatados por professores são alunos que copiam os exercícios do ChatGPT. “Temos uma lista de discussão de professores de programação do mundo inteiro, e uma das questões levantadas por um educador foi que ele estava em pânico, pois tinha dado o primeiro teste on-line e não sabia o que fazer com tantas cópias do ChatGPT. A solução dada pelos outros professores foi voltar para o teste em papel. Parece que a única solução é isolar essas ferramentas para que os alunos não se sintam tentados a usar”, relatou Rodrigo Duran, doutor em ciências da computação e professor do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul.

Outra questão é a veracidade da informação apresentada pelos chatbots. O sistema de programação da plataforma elabora uma resposta para uma pergunta de acordo com um conjunto de probabilidades. Ou seja, nem sempre a informação estará correta e, sem pensamento crítico para distinguir os dados corretos dos falsos, é provável que os alunos sejam “enganados” pelo algoritmo.

“A IA não foi treinada para te dar a verdade. Ela foi treinada para apresentar um texto que parece ter sido feito pelo humano. Nem sempre aquele texto é verdadeiro. Percebemos que, se os estudantes não têm essa expertise, esse pensamento crítico, eles aceitam o que vem naquela IA. Mais do que nunca, o pensamento crítico vai ser necessário”, continua Duran.

Felipe Figueiró, 17 anos, aluno do Colégio SEB Brasília, concorda. “É preciso saber filtrar o que se lê, porque, às vezes, existem novas inteligências artificiais que não foram criadas da maneira certa, e as pessoas acreditam em tudo o que acontece. No fim das contas, é preciso desenvolver o senso crítico.”

Apesar de preocupante, o ChatGPT, é o menor dos problemas que a inteligência artificial pode apresentar na educação, segundo Mariza Ferro, coordenadora da Comissão de Educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). “Essa questão é algo que assusta, mas não é realmente o ponto. Uma das questões mais delicadas é a segurança e a privacidade de dados. Grande parte do que chamamos de inteligência artificial são modelos de aprendizado de máquina, e eles precisam de dados para serem treinados. Como será a privacidade de dados dos alunos?”, questiona.

A especialista ainda descreve que a maneira que esses dados são utilizados podem induzir julgamentos com base em preconceitos. “Por exemplo, em um processo seletivo, o recrutador vê qual é o candidato mais provável de evadir, levando em consideração fatores como bairro, etnia e classe social. Ele pode pedir para a IA ranquear os ‘mais prováveis’ a permanecerem no curso de acordo com esses critérios, e remover os outros candidatos baseando-se em um preconceito de classe e raça”, afirma.

•        Em busca de respostas

O futuro será tomado cada vez mais pela inteligência artificial, isso é fato. O que não se sabe, porém, é se IA é a heroína ou a vilã em sala de aula. Como define o professor Rodrigo Duran, ela seria uma “anti-heroína”, com potencial de utilização positiva, mas com um lado delicado a ser levado em consideração.

Embora existam questões polêmicas, os especialistas ouvidos pela reportagem concordaram que se faz necessário ensinar como utilizar a inteligência artificial em sala de aula. Assim como foi feito com o Google, que aos poucos se consolidou como ferramenta pedagógica, os profissionais da educação buscam maneiras de dialogar com a IA.

<><> Prós x contras da IA em sala de aula

# Prós: Ajuda os alunos a fazerem tarefas e trabalhos; Personaliza o conteúdo de acordo com os interesses dos estudantes; Proporciona feedback aos estudantes.

# Contras: IA não é treinada para fornecer a verdade; Dados podem ser manipulados de modo a induzir preconceitos; Suprime a criatividade dos alunos.

 

•        As estratégias para combater fake news nas escolas

Diante de um cenário de difusão constante de informações (e desinformações), o tema do combate às notícias falsas se tornou central nas discussões, e se engana quem pensa que a educação para as mídias se resume ao combate às fake news. A boa notícia é que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê a inclusão da educação midiática, isto é, a alfabetização para o mundo das mídias, no ensino básico como um dos temas centrais. Mas como saber se o tema é trabalhado de forma adequada com os alunos?

Coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta, Daniela Machado explica que a educação para as mídias pode ser incluída nas mais diversas disciplinas escolares. "Quando falamos de educação midiática, estamos falando de um conceito guarda-chuva que dá conta de uma série de habilidades essenciais para que a gente efetivamente participe da vida em uma sociedade conectada", explica.

Entre essas habilidades, está não só saber se uma informação é verdadeira ou falsa, mas desenvolver uma leitura crítica para entender o contexto da mensagem, se é um dado ou uma opinião, além de formar produtores de conteúdo mais responsáveis com o que vão postar ou não. 

A especialista explica que, na hora de analisar se uma escola trabalha ou não a conectividade com o mundo virtual, não basta olhar para a infraestrutura, mas também para como o uso da tecnologia é abordado. "Não é suficiente ter os dispositivos, a gente também precisa ter a oportunidade de aprender a navegar neste grande universo da informação para fazer um uso melhor de tudo isso."

<><> Novos leitores

Um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em 2021 trouxe um alerta para o cuidado com a nova geração de leitores do país. A publicação Leitores do século XXI: Desenvolvendo habilidades de alfabetização em um mundo digital mostrou que 67%, ou aproximadamente 7 a cada 10, dos estudantes de 15 anos no Brasil não sabem distinguir um fato de uma opinião. O número deixa o país em uma posição preocupante. A média entre os países registrados pela OCDE foi de 53% de adolescentes que não apresentam capacidade de distinção textual analisada.

A preocupação com a formação de novos leitores foi o recorte escolhido pela jornalista Gracielly Bittencourt quando, durante uma oficina para profissionais da área, foi desafiada a pensar em iniciativas para o combate às fake news na região onde mora. À época, antes da pandemia de covid-19, a repórter escolheu um tema que seria ainda mais relevante nos anos seguintes: as campanhas de vacinação.

Segundo Gracielly, a proposta inicial era falar sobre a vacina contra o papilomavírus humano (HPV). "O público-alvo dessa vacina são adolescentes de 9 a 14 anos, então pensei: 'Não tem lugar melhor para fazer isso do que nas escolas'", conta.

Em 2022, nasceu o projeto Conhecimento é vacina para a desinformação, que visita escolas públicas do DF para discutir a disseminação de notícias falsas, em especial na saúde. A iniciativa já passou pelas escolas Centro de Ensino Médio (CEM) 2 de Ceilândia, Centro de Ensino Fundamental (CEF) Queima Lençol, em Sobradinho, e CEM Urso Branco, no Núcleo Bandeirante, com dois dias de programação que envolvem palestras e oficinas com especialistas.

A coordenadora do projeto conta que o grupo aplica um questionário antes das atividades para saber se os alunos se vacinaram e o motivo para terem ou não tomado o imunizante. Ao fim dos dois dias, eles fazem outra pesquisa. "Vejo muitas respostas com 'eu não tomei porque eu achava isso, agora que eu entendi tal como funciona, porque é importante, eu tomaria'. Então tem esse efeito prático nos estudantes". diz. Gracielly destaca ainda o poder "multiplicador" da oficina. Segundo ela, muitos professores querem abordar o tema em sala de aula, mas ainda faltam orientações sobre como trabalhar o assunto.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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