quinta-feira, 19 de setembro de 2024

"Moraes tem o poder que a Constituição lhe atribui", diz jurista e ex-reitor da UnB

Ex-reitor e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o professor emérito José Geraldo de Sousa Júnior considera correta e medida essencial para a soberania nacional o bloqueio das atividades do X (antigo Twitter), determinado pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, Elon Musk, o bilionário dono do X, tem interesses ilegítimos ao desafiar a autoridade do STF e se negar a cumprir suas decisões. Por isso, o bombardeio.

Mas José Geraldo acredita que Alexandre de Moraes terá apoio do STF e das instituições democráticas contra os críticos que o consideram poderoso demais e autoritário. "Ele (Moraes) tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados", afirma o professor, um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

O jurista também elogia os ministros Rogério Schietti e Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisões na esfera criminal que garantem os direitos de réus de serem julgados dentro do devido processo legal, independentemente do crime cometido e da "opinião publicada".

<><> O Supremo Tribunal Federal bloqueou as atividades do X (antigo Twitter) por descumprimento de decisões judiciais. A medida foi correta?

Corretíssima e em defesa da soberania nacional e dos interesses da sociedade, conforme previstos na Constituição e nas leis. Contra elas apenas setores obscurantistas e autoritários, associados à ganância e ao lucro a qualquer custo.

<><> Na sua visão, o que Elon Musk pretende com esse bombardeio ao ministro Alexandre de Mores?

Quem acompanha o ativismo de Musk na esfera global tem notado que o cerne de sua atuação é o de instituir de modo privado na estrutura de governança política representada pelo Estado de Direito caracterizado pela democracia, o processo eleitoral, o funcionamento constitucional das instituições, incluindo as legislativas e as judiciárias, para criar uma "governança clandestina" (uma espécie de "estado privado e profundo"). Não só com X, mas também com a Starlink, que serve a esses objetivos, e já instalada em áreas sensíveis de segurança do país, com planos de conexão de escolas, na atuação tática da área de mineração, especialmente no território amazônico, do Brasil e dos países que compartilham o bioma, suas riquezas estratégicas, em seu significado nacional, regional e global e que pode servir para ludibriar decisões judiciais. O STF e não só o ministro Alexandre de Moraes parecem ter se dado conta disso.

<><> Existe um movimento político contra o ministro Alexandre de Moraes. Acredita que ele vai vencer essa batalha?

Sim. Porque ele deverá contar com a solidariedade crítica do próprio Supremo, dos meios de comunicação não corporativos e não associados ao financiamento de setores do capital aliados a esse projeto e da reserva de consciência jurídica nutrida nas instituições democráticas.

<><> Os críticos dizem que o ministro Alexandre de Moraes tem poder demais. Qual a sua opinião?

Ele tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados. Não foi assim no inquérito 470 do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Ação Penal (AP) 470 (Conhecida como Mensalão)? Não foi assim no lavajatismo, que levou a cunhar um termo novo, o lawfare? Em qualquer caso, o devido processo legal é que deve presidir o juízo crítico da atuação judicante, e não a opinião publicada.

<><> Ao convidar o ministro Alexandre de Moraes para a tribuna de honra do desfile do 7 de Setembro, o presidente Lula passa alguma mensagem?

A mensagem que confia e que se submete ao governo do direito. Agora e quando se submeteu às decisões que o sentenciaram à prisão por mais de 500 dias, até ser inocentado, no âmbito do devido processo legal, sem recorrer a mobilizações subalternas que ainda se dão nos 8 de janeiro, nos 7 de setembro e nas injunções anticonstitucionais por auto-anistia.

<><> Acha que estamos evoluindo na jurisprudência penal do STJ?

Penso que sim. Quando um ministro — Rogerio Schietti — decide que  "a confissão como fonte para uma eventual avaliação judicial do acusado só pode ter valor quando prestada em um ambiente institucional próprio, com garantias", confirma essa evolução.

<><> O garantismo vem predominando nas decisões. Isso é positivo?

Ainda não, mas já aponta um horizonte descortinável, positivo, de avanço. Veja as decisões da ministra Daniela Teixeira no reconhecimento de provas produzidas com violação do direito ao silêncio, garantido constitucionalmente. Aqui neste espaço do Direito & Justiça, a ministra fez profissão de fé garantista: "Na prática, eu sempre vou garantir o direito de defesa do réu. Por pior que tenha sido o crime por ele cometido. Ele matou? Tem prazo para a prisão, tem direito a atenuantes, tem direito a tratamento digno. Sei que muitas pessoas não entendem, criticam e me mandam "adotar o criminoso". Mas vou sempre acreditar na força da lei, nas regras decididas pelo Poder Legislativo, que representa o povo. Como juíza, cabe a mim aplicar a lei processual e a lei penal e não fazer julgamento moral do réu".

<><> Qual é o principal debate jurídico que precisa ser travado neste momento, na sua avaliação?

Não fazer da lei uma promessa vazia de realização do Direito. Discutir o acesso democrático à Justiça e a própria Justiça a que se quer acesso. Ser guardião, como escreveu um colega meu Antonio Escrivão Filho, e não porteiro da Constituição (Kafka), principalmente em temas como direitos humanos (vida), em face do neoliberalismo (coisificação do humano). Fazer-se teoricamente sensível às exigências do justo (conforme vem indicando o CNJ sobre protocolos para decisões com enfoque de gênero, antirracistas, atentas a sistemas ancestrais de juridicidade). Compreender que a Constituição não é só o texto que a veicula, mas são as disputas por posições interpretativas que a realizam. Em suma, com Victor Nunes Leal (antigo ministro do STF, aposentado pelo AI-5), referindo-se ao Supremo, esperar que a sua atenção capte o movimento do direito a andar pelas ruas porque, "quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto".

 

•        Moisés Mendes: ‘Por que Moraes e delegados têm dados devassados, mas a PF não consegue devassar celulares de investigados?’

Não são hackers, são delinquentes de dentro da estrutura do Estado os que acessaram ou cederam suas senhas para o uso criminoso de dados de Alexandre de Moraes e de delegados da Polícia Federal. São servidores públicos devassando informações de um ministro do STF e de colegas do serviço público.

Sabemos que hackers invadem ambientes virtuais com o artifício das chaves falsas. Os que chegaram a dados de Moraes em arquivos oficiais, conforme reportagem de Leticia Casado, do UOL, usaram senhas de funcionários públicos.

A investigação da PF, informa Leticia, revela que 17 servidores realizaram consultas não autorizadas a um sistema sob controle do Ministério da Justiça. Foram milhares de acesso em massa, o que evidencia a atuação de robôs.

Além de liberarem dados usados para intimidar Moraes, os mesmos servidores e seus ajudantes abasteceram os que tentaram chantagear a delegada da Polícia Federal Denisse Ribeiro, com o envio de emails com alertas de que ou ela cedia a uma quadrilha anti-Moraes ou poderia morrer.

Denisse está na origem das investigações sobre a estrutura de produção e disseminação de fake news, dentro do governo Bolsonaro, com gente atuando no Palácio do Planalto. 

O que ninguém relembra na grande imprensa é que a delegada foi a primeira autoridade policial a tratar pelos nomes, em documento oficial, o esquema de mentiras e difamação dessa estrutura de milicianos bolsonaristas.

Denisse Ribeiro escreveu, em relatório de fevereiro de 2022, enviado ao ministro Alexandre de Moraes, que havia um gabinete do ódio para atacar pessoas. E que agiam ali, na forma de quadrilha, como se fossem milícias digitais.

Esse relatório da PF, com as primeiras informações sobre a gangue das fake news, cita o gabinete do ódio e as milícias, porque uma delegada da PF assim se refere aos bandidos até hoje sob investigação e em atividade, mesmo fora do governo.

Denisse afastou-se do caso logo depois e nunca mais se ouviu falar dela. Reaparece agora como uma das autoridades ameaçadas, entre outros delegados cercados pelos que acessaram e ameaçaram (ou abasteceram os ameaçadores) policiais e o ministro envolvidos nas investigações sobre os milicianos de Bolsonaro.

E quem mais surge como ameaçado, além de Moraes e Denisse? O delegado Fabio Shor, que a substituiu a partir de 2022 nesse caso. O que deixa claro que o objetivo da quadrilha, que continuou agindo, é o de amedrontar os que investigam o gabinete do ódio.

E agora vamos às interrogações. Como um grupo de servidores consegue entrar nos dados de um ministro do Supremo, usando o aparato de Estado, com a invasão de sistemas que deveriam estar sob proteção do Ministério da Justiça? Como esses dados devassados são usados inclusive no X, apesar dos alertas do STF ao próprio X?

Como os conteúdos são facilmente acessados, por consultas em massa, para ameaçar um ministro do Supremo e delegados da Polícia Federal, enquanto a PF não consegue acessar informações de investigados, mesmo que com a toda a estrutura de peritos dedicados a essas tarefas?

Um exemplo que já ficou clássico: como a PF não consegue devassar dois aparelhos do autoproclamado véio da Havan, apreendidos em agosto de 2022, enquanto dados de Moraes são acessados por robôs com senhas dos próprios servidores públicos?

O próprio Alexandre de Moraes informou há um ano que o inquérito sobre indícios de atitudes golpistas do dono da Havan seria prorrogado, porque o sujeito não fornece as senhas e a PF não consegue entrar nos celulares.

Pergunta-se: como é possível que tais aparelhos sejam tão indevassáveis, enquanto ficamos sabendo que Moraes e os delegados que trabalham em inquéritos sobre a estrutura criminosa do bolsonarismo continuam sob ameaça constante de milicianos digitais?

Por que os dados do mais valente ministro do STF estão por aí, sendo usados pelos que pretendem amedrontá-lo? E os dados véio da Havan, em que poderosa nuvem foram se acomodar, para que sejam tão inacessíveis?

 

•        Bolsonaro preso e Trump impune. Por Eduardo Guimarães

O Brasil está dando show na persecução penal dos golpistas que tentaram instituir uma ditadura militar no Brasil. Estamos "humilhando" os Estados Unidos no que diz respeito à punição ao golpismo da extrema-direita.

A despeito do que pensa o povo, o Brasil tem uma democracia muito mais sólida do que se poderia imaginar. É quase inacreditável que estejamos conduzindo de forma tão eficiente os processos penais contra Bolsonaro e sua quadrilha golpista.

É inacreditável porque sempre nos vimos como uma nação sem leis, um país em que a impunidade impera. Ainda assim, o que temos visto desde que Bolsonaro e seus asseclas começaram a assediar o Brasil ainda durante a pandemia foi uma reação admirável que devemos debitar ao Supremo Tribunal Federal e à Polícia Federal.

Infelizmente, a Procuradoria Geral da República foi aparelhada por Bolsonaro em setembro de 2018 e assim permaneceu até dezembro do ano passado, quando Lula, a pedido de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, nomeou Paulo Gonet como chefe do Ministério Público do Brasil.

Com um PGR alinhado com a lei, vem aí uma ação penal arrasadora contra Jair Bolsonaro, após ação igualmente arrasadora contra idealizadores, financiadores e executores da tentativa de solapar a democracia brasileira em um processo golpista que durou quatro longos anos.

O 8 de janeiro de 2023 começou em 1o de janeiro de 2019, com a posse de Bolsonaro. Dali em diante, tudo que ele fez foi para se perpetuar no poder. Suas ações para fortalecer a pandemia de covid 19 derivaram da preocupação em não permitir prejuízos a empresários e banqueiros que seriam vitais para mantê-lo na Presidência indefinidamente.

Eis que, contra Bolsonaro, ergue-se a Suprema Corte de Justiça brasileira, sob a batuta cadenciada e irrefreável de um magistrado daquela Corte que surpreendeu a todos, pois fora indicado pelo eternamente golpista Michel Temer.

Alexandre de  Moraes foi a melhor surpresa que o Brasil teve em décadas.

O Supremo manteve Bolsonaro "dentro das quatro linhas" contra a sua vontade. Ignorou ameaças e difamação; conteve a aceleração da marcha golpista de Bolsonaro e suas hordas de degenerados de extrema-direita; reagiu com energia e celeridade às tentativas de parar o país e depredar Brasília que começaram no dia seguinte à vitória de Lula.

Após o 8 de janeiro, com Moraes à frente, o STF organizou os Poderes da República, inclusive a Presidência do Congresso, e passou a empreender a persecução penal dos executores da tentativa de golpe.

Moraes Instaurou os inquéritos 4781 (fake news), 4874 (milícias digitais) e 4920, 4921, 4922 e 4923 (atos antidemocráticos), além da Petição (PET) 11108, sobre a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

O STF já condenou 227 pessoas pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas vão de 3 a 17 anos de prisão.

A Polícia Federal, de junho para cá, já indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro em dois crimes graves, falsificação de cartões de vacinação e roubo de joias do Patrimônio Público brasileiro e já anunciou que, mês que vem,  indiciará Bolsonaro pela trama golpista menos de dois anos após ele ter deixado a Presidência.

Só como termo de comparação, Lula foi denunciado pelo MPF em 2016 e foi preso em 2018. Após deixar a Presidência, em 1o de janeiro de 2011, demorou 5 anos para ser indiciado e 7 anos para ser preso. Bolsonaro deve ir para a cadeia no primeiro semestre do ano que vem. Cerca de dois anos e meio após o fim do mandato.

Enquanto isso, os EUA, que sempre consideramos muito mais duros com os criminosos, patina na persecução penal dos golpistas locais.

Michael Sparks, de 47 anos, o primeiro golpista julgado por a invadir o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, foi condenado em agosto último a cerca de quatro anos de prisão. E Donald Trump deve ficar impune.

 

Fonte: Correio Braziliense/Brasil 247

 

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