Pepe Escobar: ‘Do 11 de setembro ao 7 de
outubro - o colapso da falsa ‘Guerra ao Terror’’
Os acontecimentos de
11 de setembro de 2001 tiveram como propósito impor e sacramentar um novo
paradigma imperialista ao jovem século XXI. A História, entretanto, se decidiu
por um outro rumo.
Retratada como um
ataque ao território pátrio dos Estados Unidos, o 11 de setembro de 2001 gerou
de imediato uma Guerra Global ao Terror, lançada às 11 horas daquela mesma
manhã. Inicialmente batizada pelo Pentágono de “a Longa Guerra”, o termo
mais tarde foi higienizado pelo governo Barack Obama como “Operações de
Contingência Ultramarinas”.
A Guerra ao Terror
fabricada pelos Estados Unidos gastou os notoriamente irrastreáveis oito
trilhões de dólares para derrotar um inimigo fantasma, matou mais de meio milhão de pessoas – em sua imensa maioria muçulmanos – e se subdividiu em
guerras ilegais contra sete estados de maioria muçulmana. Tudo isso foi
incansavelmente justificado por “motivos humanitários” e supostamente
apoiado pela comunidade internacional – antes de esse termo, por sua vez, ser
substituído por “ordem internacional baseada em regras”.
Cui Bono? (quem lucra?) continua sendo a pergunta suprema sobre as
questões relacionadas ao 11 de setembro de 2001. Uma coesa rede de neocons fervorosamente pró-Israel, estrategicamente posicionados em todos os órgãos de defesa e
segurança nacional pelo Vice-presidente Dick Cheney – que havia sido
secretário de defesa no governo do pai de George W. Bush – foi acionada para
impor a agenda há muito planejada do Projeto para o Novo Século Americano (PNAC). Essa ampla
agenda esperava nos bastidores pelo gatilho – uma “nova Pearl Harbor” – que
justificasse uma série de operações de mudança de regime e de guerras em grande
parte do Oeste Asiático e em outros estados muçulmanos, remodelando a
geopolítica global para beneficiar Israel.
A notória revelação
feita pelo General Wesley Clark, do exército dos Estados Unidos, sobre um plano
secreto do regime Cheney de destruir sete grandes países islâmicos
no período de cinco anos, do Iraque, Síria e
Líbia até o Irã, mostra que o planejamento havia sido feito com antecedência.
Esses países-alvo tinham uma coisa em comum: eles eram firmes inimigos do
estado de ocupação e fortes apoiadores dos direitos dos palestinos.
O melhor de tudo, da
perspectiva de Israel, era que a Guerra ao Terror faria com que os Estados
Unidos e seus aliados ocidentais lutassem todas essas guerras benéficas a
Israel em nome da “civilização” e contra os “bárbaros”. Os israelenses não
poderiam ficar mais felizes e satisfeitos com o rumo que as coisas
estavam tomando.
Não é de admirar que o
7 de outubro de 2023 seja uma imagem especular do 11 de setembro de 2001. O
próprio estado de ocupação apregoou que o 7 de outubro era o “11 de setembro de
Israel”. Os paralelos são muitos em mais de um sentido, mas certamente não da
maneira que os apoiadores de Israel e a quadrilha de extremistas que governa
Tel Aviv esperavam.
·
Síria: o ponto de
virada
O Hegêmona ocidental
prima na construção de narrativas e, atualmente, chafurda nos pântanos da
russofobia, da iranofobia e da sinofobia que ele próprio criou. O tabu supremo
continua sendo desacreditar as imutáveis narrativas oficiais, como a do 11 de
setembro.
Mas o construto de uma
narrativa falsa não consegue se sustentar para sempre. Há três anos, no
vigésimo aniversário da queda das Torres Gêmeas e do início da Guerra ao
Terror, assistimos a um espetacular desfecho na intersecção da Ásia Central e
do Sul: o Talibã retomou o poder, celebrando sua vitória sobre o Hegêmona em
sua desnorteada Guerra Eterna.
A essas alturas, a
obsessão com os “sete países em cinco anos” – com o objetivo de forjar um “Novo
Oriente Médio” – estava descarrilhando em todo o espectro. A Síria foi o ponto
de virada, embora alguns digam que os jogos já estavam feitos quando a resistência
libanesa derrotou Israel em 2000, e novamente em 2006.
Mas esmagar a Síria
independente teria aberto o caminho para o Santo Graal do Hegêmona – e de
Israel: mudança de regime no Irã.
As forças de ocupação
dos Estados Unidos entraram na Síria em fins de 2014, com o pretexto de “lutar
contra o terror”. Tratava-se das Ocupações de Contingência Ultramarinas de
Obama em ação. Na verdade, entretanto, Washington estava empregando dois grupos
terroristas importantes – o Daesh, também conhecido como ISIL e ISIS, e a Al
Qaeda, também conhecida como Jabhat al-Nusra e Hayat Tahrir al-Shamna, na
tentativa de destruir Damasco.
Isso foi
conclusivamente provado por um documento da Agência de Inteligência dos Estados
Unidos (DIA), datado de 2012, que teve seu sigilo levantado originário e mais
tarde foi confirmado pelo General Michael Flynn, diretor do DIA à época da
redação do documento: “creio que se tratou de uma decisão intencional [do
governo Obama]” de ajudar, e não de combater o terror.
O ISIS foi concebido
para lutar contra os exércitos iraquiano e sírio. O grupo terrorista teve
origem na Al-Qaeda no Iraque (AQI), sendo então rebatizado de Estado Islâmico
no Iraque (ISI), depois de ISIL e, por fim, ISIS, depois de ter cruzado a
fronteira da Síria em 2012.
O ponto crucial é que
tanto o ISIS quanto a Frente Nusra (mais tarde Hayat Tahrir al-Sham) eram
ramificações extremistas salafi-jihadistas da Al-Qaeda.
A entrada da Rússia na
cena síria a convite de Damasco, em setembro de 2015, foi um divisor de águas.
O Presidente russo Vladimir Putin decidiu-se por se engajar de fato na
verdadeira guerra contra o terror em território sírio, antes que esse terror
atingisse as fronteiras da Federação Russa. O que foi expresso na formulação
padrão que circulava em Moscou à época: a distância entre Aleppo e Grozny é de
apenas 900 quilômetros.
Os russos, afinal, já
haviam sido submetidos ao mesmo tipo e modus operandi de terror na
Chechênia, na década de the 1990. Mais tarde, muitos jihadistas chechenos
escaparam e acabaram se juntando aos suspeitíssimos grupos atuando na Síria e
financiados pelos sauditas.
O grade analista
libanês Anis Naqqash, hoje falecido, mais tarde confirmou que foi o lendário
comandante da Força Quds iraniana, Qassem Soleimani, que, pessoalmente,
convenceu Putin a entrar em cena na guerra da Síria e ajudar a derrotar o
terrorismo. O plano-mestre estratégico, segundo transpirou, era debilitar de
forma fatal os Estados Unidos no Oeste Asiático.
As instituições de
segurança dos Estados Unidos, é claro, jamais perdoariam Putin, e
principalmente Soleimani, por derrotar seus utilíssimos soldados rasos
jihadistas. Por ordem do Presidente Trump, o general iraniano opositor do ISIS
foi assassinado em Bagdá em janeiro de 2020, juntamente com Abu Mahdi
al-Mohandes, o comandante adjunto das Unidades de Mobilização Popular (UMPs) do
Iraque, um vasto espectro de combatentes iraquianos que se juntaram para
derrotar o ISIS no Iraque.
·
O funeral do legado do
11 de setembro
O tour de force
estratégico de Soleimani, de montar e coordenar o Eixo da Resistência contra
Israel e Estados Unidos, foi construído ao longo de muitos anos. No Iraque, por
exemplo, as UMPs foram colocadas na vanguarda da resistência porque os
militares iraquianos – treinados e controlados pelos Estados Unidos –
simplesmente eram incapazes de lutar contra o ISIS.
As UMPs foram criadas
com base em uma fatwa do Grão-Aiatolá Sistani, de junho de 2014 –
quando o ISIS deu início a suas incursões no Iraque – implorando a “todos os
cidadãos iraquianos” que “defendessem seu país, seu povo, a honra de seus cidadãos
e de seus lugares sagrados”.
Diversas UMPs
receberam o apoio das Forças Quds de Soleimani – que, ironicamente, por todo o
restante daquela década, foi taxado por Washington de “terrorista-mestre”.
Paralelamente, o que foi da maior importância, o governo iraquiano hospedou em
Bagdá um centro de inteligência anti-ISIS, comandado pela Rússia.
O crédito pela derrota
do ISIS foi principalmente para as UMPs, complementado pelo auxílio prestado a
Damasco pela integração de unidades da UMP ao Exército Árabe Sírio. Essa foi a
verdadeira guerra ao terror, não aquela invenção americana erroneamente apelidada
de “Guerra ao Terror”.
E, melhor ainda, a
resposta dada ao terror pelo Oeste Asiático foi e continua sendo não-sectária.
Teerã apoia a Síria secular e pluralista e a Palestina sunita; no Líbano há uma
aliança Hezbollah–Cristã; as UMPs iraquianas são uma aliança sunita-xiita-cristã.
O Dividir para Dominar simplesmente não se aplica a uma estratégia antiterror
genuinamente nativa.
O que ocorreu, então,
em 7 de outubro de 2023 propeliu as forças regionais de resistência a um
patamar totalmente inédito.
Em um rápido lance,
foi destruído o mito da invencibilidade israelense e da superioridade de seu
tão louvado serviço de inteligência e vigilância. Enquanto o genocídio em Gaza
prossegue inabalado (com possíveis 200 mil mortes de civis, segundo The Lancet), a economia israelense está sendo destroçada.
O estratégico bloqueio
conduzido pelo Iêmen do Bab al-Mandeb e do Mar Vermelho a qualquer navio
cargueiro vinculado a Israel ou para lá destinado é uma jogada de mestre em
termos de eficiência e simplicidade. Não apenas o estratégico porto israelense
de Eilat foi levado à bancarrota, como também houve o bônus extra de o Hegêmona
talassocrático ser submetido a uma espetacular humilhação quando os iemenitas
de fato derrotaram a Marinha dos Estados Unidos.
Em menos de um ano, as
estratégias conjuntas do Eixo da Resistência, resumidamente, enterraram a sete
palmos a falsa Guerra ao Terror e sua multitrilionária mamata.
Por mais que Israel
tenha lucrado com o desenrolar dos acontecimentos posteriores ao 11 de
setembro, a atuação de Tel Aviv após o 7 de outubro acelerou vertiginosamente
sua derrocada. Hoje, em meio à maciça condenação do genocídio em Gaza por parte
da Maioria Global, o estado ocupador vê-se na condição de pária – maculando
seus aliados e expondo a hipocrisia do Hegêmona a cada dia que passa.
Para o Hegêmona,
a situação torna-se ainda mais alarmante. Lembrem-se da advertência feita
em 1997 pelo Dr. Zbigniew “Grande Tabuleiro” Brzezinski: É imperativo que não
venha a surgir um rival eurasiano capaz de dominar a Eurásia e, portanto, desafiar
a América”.
No final das contas,
toda a combinação do som e fúria do 11 de setembro, da Guerra ao Terror, da
Longa Guerra, da Operação Isso-e-Aquilo ao longo de duas décadas, se metastizou
exatamente naquilo que “Zbig” temia. O que surgiu não foi um mero rival, mas uma
bem-estruturada parceria estratégica russo-chinesa, que vem dando um novo tom a
toda a Eurásia.
De uma hora para
outra, Washington esqueceu totalmente o terrorismo. Esse é o “inimigo”, que
hoje é visto como as duas principais “ameaças estratégicas” aos Estados Unidos.
Não se trata mais da al-Qaeda, em suas muitas encarnações, um frágil criação da
imaginação da CIA, reabilitada e higienizada nas últimas décadas na forma dos
míticos” “rebeldes moderados” da Síria.
O que é ainda mais
sinistro é que o absurdo conceitual da Guerra ao Terror forjada pelos neocons
imediatamente após o 11 de setembro, agora vem-se transformando em uma
guerra de terror (itálicos meus), utilizando, como último
recurso, a jogada desesperada da CIA e do M16 na Ucrânia para “confrontar a
agressão russa”.
O que fatalmente irá
se espalhar para o pântano da sinofobia, uma vez que essas mesmas agências de
inteligência veem a ascensão da China como “o maior desafio geopolítico e de
inteligência “ do século XXI.
A Guerra ao Terror foi
desmoralizada, ela agora está morta. Mas preparem-se para uma série de
guerras de terror deslanchadas por um Hegêmona não acostumado
a não dominar a narrativa, os mares e a terra.
¨ Rússia ultrapassa os EUA e passa a ter o 2º maior Exército do
mundo
O presidente da
Rússia, Vladimir Putin, emitiu um decreto nesta segunda-feira (16) que vai
aumentar o número de membros das Forças Armadas para 2.389.130, sendo 1,5
milhão na ativa. Anteriormente eram 2.209.130 membros, dos quais 1,32 milhão
eram ativos.
Com a medida, a Rússia
vai superar os EUA e se tornar o país com o segundo maior Exército em termos de
pessoal ativo no mundo, depois da China. De acordo com dados públicos, o
ranking dos países por pessoal militar ativo ficará em:
1.China: 2,035 milhões
2.Rússia: 1,5 milhão
3.Índia: 1,455 milhão
4.EUA: 1,328 milhão
5.República Popular
Democrática da Coreia: 1,32 milhão
No primeiro semestre
deste ano, de acordo com dados fornecidos pelo vice-presidente do Conselho de
Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, cerca de 190 mil cidadãos assinaram
contratos com o Ministério da Defesa.
Ameaças ocidentais
O decreto é emitido em
meio a uma investida das potências do Ocidente contra a Rússia. Elas estão
debatendo a possibilidade de levantar a proibição do uso de armas de longo
alcance ocidentais pela Ucrânia para atacar o território russo.
Na última quarta-feira
(11), o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que conversou com
seu homólogo ucraniano, Andrei Sibiga, e com Vladimir Zelensky sobre o
lançamento de mísseis de longo alcance em direção ao território russo.
Desde 24 de fevereiro
de 2022 a Rússia executa uma operação militar especial na Ucrânia, a fim de
proteger a população de um genocídio por parte do regime de Kiev e dar conta
dos riscos de segurança nacional que representa o avanço da Aliança Atlântica.
Fonte: Tradução de
Patricia Zimbres, em Brasil 247/Sputnik Brasil
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