O banco em que a moeda é o tempo, e não o
dinheiro
Bancos de tempo se
espalharam pelo mundo nas últimas décadas. No Brasil, Florianópolis tem uma das
primeiras iniciativas do tipo, com mais de 20 mil participantes trocando serviços
que vão de quadros a aulas de inglês.
"Tempo é
dinheiro." E se a famosa frase, dita por Benjamin Franklin no século 18,
fosse alterada para "tempo é vida"? Foi assim que ativistas
ambientais e moradores de Florianópolis, em Santa Catarina, resolveram abordar
a questão, há 9 anos.
O grupo, que se reunia
periodicamente para discutir diversos temas, mudou ainda mais a percepção sobre
dinheiro e sociedade depois de assistir ao filme Zeitgeist (espírito da época),
em que Peter Joseph lança um olhar crítico sobre a manipulação das massas por
grandes instituições, governos e poderes econômicos. Inspirados por essa ideia,
esses moradores e ativistas criaram, em setembro de 2015, o banco de tempo, uma
rede solidária que transforma tempo em moeda, conectando pessoas e serviços.
"Já existia um
banco pequeno em Garopaba, também em Santa Catarina, que se inspirou no de
Portugal. Depois, trouxeram a ideia e adaptaram para Florianópolis", conta
Adriana Klin, bióloga e facilitadora do banco na capital catarinense.
O advogado Edgar Cahn
ajudou a popularizar a ideia nos Estados Unidos nos anos 80 e 90 e ficou
conhecido como o fundador do banco de tempo moderno, estabelecendo o termo
TimeBank como marca registrada. Ele criou o conceito de timebanking,
inicialmente chamado de time dollars, uma nova moeda de troca de tempo, e não
dinheiro.
Hoje há bancos do
tempo espalhados pelo mundo. Na Itália, por exemplo, iniciativas semelhantes
começaram no início dos anos 90. Em 2002, a ideia chegou a Portugal, onde hoje
há várias agências de banco de tempo. Não há uma contabilização oficial de
quantos bancos como esse existem mundo afora.
No Brasil, o Banco de
Tempo de Florianópolis - BTF foi um dos primeiros e, atualmente, é considerado
referência no país.
Foi no aniversário de
um ano do banco que a instituição ganhou força. Moradores se reuniram para uma
festa, que teve transmissão de uma emissora local, o que atraiu novos membros.
"O grupo ficou, então, com mais de 10 mil pessoas", relembra Klin.
Ele funciona por meio de um grupo no Facebook, que hoje conta com mais de 20
mil participantes, em sua maioria mulheres.
• De massagens a mudas de planta
Para participar, a
pessoa deve solicitar o acesso ao grupo do Banco de Tempo de Florianópolis na
rede social e, uma vez admitida pelos responsáveis da conta, precisa preencher
um formulário com suas habilidades e dados pessoais.
"Geralmente,
pedimos para cadastrar um talento que te realiza, que te deixa pleno. Essa
habilidade nem sempre precisa estar envolvida com a questão de dinheiro. É algo
que você desempenha muito bem", explica Gilvana da Silva Machado, uma das
facilitadoras do BTF e que participa ativamente das trocas desde fevereiro de
2017.
Por causa do sucesso e
aceitação positiva na cidade, os facilitadores, como são chamados os
administradores da página, pretendem fazer melhorias para que a ideia se
perpetue e chegue a mais pessoas. Na pandemia de covid-19, eles permitiram que
moradores de outras cidades e estados participassem e experimentassem as
trocas.
Como o Facebook está
caindo em desuso, elas afirmam que estão estudando a possibilidade de criar um
site ou aplicativo para concentrar os cadastros dos participantes e manter
ativo o banco de tempo.
No banco de tempo, não
há dinheiro envolvido. Uma hora de jardinagem equivale a uma hora de massagem,
por exemplo. Basta o usuário publicar o pedido de serviço ou ofertar algo na
página e aguardar o contato de interessados.
Você "paga"
com horas, que poderão ser usadas para solicitar outra atividade no futuro,
criando um ciclo de colaboração e reciprocidade. Na prática, caso o indivíduo
tenha feito um bolo e gastado duas horas nesse processo, ao disponibilizar o alimento
para alguém, ele receberá suas horas no banco. Tudo fica controlado dentro de
uma planilha administrada internamente.
São aceitos todos os
tipos de serviço: aulas de inglês, peças em crochê, massagens, oferta de
comidas, mudas de plantas e muitos outros.
Machado conta que já
utilizou os serviços dentro do banco diversas vezes. Um dos mais marcantes foi
quando precisou encontrar uma doula para acompanhá-la durante sua gestação.
"No momento, não estava com muitas condições e propus a ideia. Expliquei como
funcionava e ela cadastrou o talento dela no banco", diz.
"Um dos meus
talentos era o tarô, mas como a assistência da doula envolvia cerca de 20
horas, fui ofertando e trocando até completar as horas", explica.
• Senso de comunidade
A artista plástica e
gaúcha Maria Selenir dos Santos, de 56 anos, conheceu o banco de tempo em
2017.Ao ingressar no BTF, ela ofertou seus quadros. Seu trabalho era todo feito
de forma sustentável, o que, segundo ela, estava alinhado com a instituição.
"Eu vi bastante
propósito no banco, e tinha a ver com a minha pesquisa. Um trabalho de
conscientização de que é possível viver em harmonia e sem intervenção
industrial", diz.
Durante dois anos,
participou ativamente do banco, o que lhe permitiu conhecer muita gente e se
conectar ainda mais com moradores locais.
Desde 2017, Maria já
trocou mais de 100 quadros pintados por ela. Quando deixou a ilha, em 2019,
levou até mesmo um móvel que recebeu também por meio do BTF. Hoje, ela mora em
Brasília e participa do banco de forma online, sempre que possível.
Além dos itens
materiais, a gaúcha ressalta que o principal benefício da iniciativa foi a
humanização das relações sociais. "No banco, me senti pela primeira vez
vivendo dentro de uma comunidade. Não era financeiro, mas, sim, uma
parceria."
Além dos quadros, ela
já ofereceu aulas de Tai Chi Chuan e recebeu diversos alimentos em sua casa,
como bolos e tortas.
Assim como Maria, a
profissional de educação física Luális Alves, 40 anos, utiliza os serviços do
BTF há alguns anos. Ela já participou da plantação de hortas comunitárias,
trocou alimentos, deu aula de ginástica funcional e outras atividades. Mas,
para ela, o ganho principal do projeto são as conexões pessoais.
"Eu acho que o
mais legal da plataforma é essa troca olho no olho, esse serviço oferecido para
além do dinheiro", ressalta.
• Todos têm o mesmo valor
Uma das filosofias do
banco é reconhecer a importância e o valor das horas para todo mundo. Não há
distinção em relação ao serviço ofertado e muito menos a quem oferece.
"O tempo é igual
para todos. Não existe isso de o meu tempo é mais precioso que o seu. Essa
troca não é igual ao dinheiro", diz Machado.
Segundo as
representantes do banco, a organização é uma poderosa ferramenta de inclusão e
transformação social. "Havia pessoas que nos agradeciam. Algumas
conseguiam comer só porque recebiam por lá e não tinham grana para comprar um
alimento", diz Klin.
"Uma faxineira
que trabalhava lá por quatro ou cinco horas e ganhava essas horas depois,
conseguia fazer uma massagem ou ter acesso a uma consulta com um médico que,
muitas vezes, não conseguiria pagar", acrescenta a bióloga.
Ao valorizar o tempo e
a participação de todos de maneira igualitária, a iniciativa tem atraído um
número crescente de pessoas que buscam fortalecer os vínculos comunitários e
explorar novas formas de convivência.
"Em um mundo onde
o valor das coisas costuma ser medido em dinheiro, o banco de tempo surge como
uma alternativa real para construir laços e colaborar de maneira mais
humana", pontua Alves.
Fonte: DW Brasil
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