Amazônia e Pantanal têm piores queimadas
das últimas duas décadas, alerta agência europeia
A Amazônia e o
Pantanal, dois dos mais importantes biomas brasileiros, sofrem as piores queimadas
dos últimos 20 anos.
Essa é a principal
conclusão de um novo relatório publicado pelo Serviço de Monitoramento da
Atmosfera Copernicus (Cams, na sigla em inglês), uma agência que integra o
programa espacial da União Europeia.
De acordo com os
dados, divulgados no domingo (22/9), as emissões de carbono nessas duas regiões
estão "consistentemente acima da média" — e chegam até a superar os
recordes observados desde o início dos registros.
Ainda segundo o estudo
do Cams, os incêndios florestais são o principal fator por trás desse aumento
das emissões.
A agência calcula que,
entre 1º de janeiro e 19 de setembro de 2024, o Brasil emitiu 183 megatoneladas
de carbono na atmosfera.
Esse número é similar
ao observado em 2007, ano em que o país teve o recorde na emissão de gases
relacionados ao aquecimento do planeta e às mudanças climáticas.
Das emissões
registradas em 2024, 65 megatoneladas de carbono — ou um terço do total
acumulado no ano todo — foram parar na atmosfera somente em setembro, quando as
queimadas se intensificaram e geraram grande preocupação nacional e
internacional.
• Incêndios 'fora do comum'
O relatório do Cams
ainda chama a atenção para o que acontece nos Estados do Amazonas e Mato Grosso
do Sul.
Nesses dois lugares, a
estimativa acumulada total de emissões de carbono é a maior nos 22 anos de
registros.
Segundo os dados
disponíveis, o Amazonas teve uma emissão de 28 megatoneladas de carbono.
Já no Mato Grosso do
Sul, que abriga a maior parte do Pantanal, houve a liberação de 15
megatoneladas de carbono.
O Cams pontua que os
incêndios florestais das últimas semanas estão "fora do comum", mesmo
diante do fato de as queimadas ocorrerem normalmente nessas regiões no período
que vai de julho a setembro.
A agência europeia
lista alguns fatores que podem explicar essa situação.
"As temperaturas
extremamente altas que a América do Sul apresentou nos últimos meses, a seca
prolongada que deixa o solo com baixa umidade e outros fatores climatológicos
parecem ter contribuído enormemente", sugere a agência no novo relatório.
O pesquisador Mark
Parrington, cientista sênior do Cams, reforça que esses incêndios florestais
acima da média estão relacionados a uma série de problemas.
"A fumaça tem um
impacto que vai muito além da região onde ocorreram as queimadas e chega até o
Oceano Atlântico", resume ele, em um comunicado divulgado à imprensa.
"A escala do
transporte de fumaça e os efeitos disso na qualidade do ar são alguns dos
indicadores da intensidade desses incêndios florestais. Precisamos continuar a
monitorar esses eventos para entender os impactos que eles terão."
O relatório do Cams
revela que os detritos das queimadas na Amazônia e no Pantanal degradam a
qualidade do ar de todo o continente sul-americano.
A fumaça desses
incêndios se espalhou para vários cantos e pode ser observada em lugares tão
distantes quanto o Equador e o Estado de São Paulo.
• Outros alertas
As informações
divulgadas pelo Cams vão ao encontro do que outros estudos e relatórios já
descreviam.
Um levantamento
realizado pela ONG WWF-Brasil observou que os biomas brasileiros haviam
registrado um recorde nas queimadas ainda durante o primeiro semestre deste
ano.
Segundo a instituição,
o Pantanal e o Cerrado concentravam a maioria dos focos de incêndio no período
— e os números de 2024 já superaram qualquer marca obtida desde o início das
medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1988.
No Pantanal, o número
de focos de incêndio durante os primeiros seis meses do ano foi 22 vezes maior
do que o registrado no mesmo período de 2023.
Já na Amazônia, esse
crescimento de pontos de queimada foi de 76%, calcula a WWF-Brasil.
O relatório Monitor do
Fogo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pela
rede MapBiomas, destaca que a área de floresta nativa afetada pelo fogo
aumentou 132% no último mês de agosto em comparação ao mesmo período do ano
passado.
O dado chamou a
atenção dos pesquisadores, porque, geralmente, os incêndios costumam se
concentrar em áreas desmatadas e degradadas — nestes casos, o fogo é usado para
abrir pastagens e fazer a ocupação irregular de terras.
Nas queimadas das
últimas semanas, no entanto, um terço da área afetada é composta de vegetação
nativa.
Em 2019, 12% da área
afetada pelas queimadas era florestas "originais". Neste ano, essa
taxa está em 34%.
O governo federal
anunciou recentemente a criação de um crédito extraordinário de R$ 514,5
milhões para lidar com os incêndios florestais e fortalecer os órgãos de
fiscalização e controle.
Segundo o Ministério
do Meio Ambiente, "a emergência climática elevou em até 20 vezes a
probabilidade de condições climáticas que intensificaram os incêndios na
Amazônia Ocidental de março de 2023 a fevereiro de 2024".
Já no Pantanal,
segundo o ministério, "a mudança do clima intensificou em cerca de 40% os
incêndios florestais registrados em junho".
• Sensações apocalípticas. Por Eugênio
Bucci
Na capa do jornal O
Estado de S. Paulo da terça-feira passada, uma foto mostra Brasília submersa em
fumaça densa, quase opaca. Na TV, paredões de fogo se levantam e marcham. A
olho nu, a fuligem se derrama sobre a cidade; filamentos de carvão vindos no vento
aterrissam como libélulas no capô do automóvel de um milhão de reais.
O desastre climático é
um desastre social, que castiga antes os de baixo, mas quando se impõe pra
valer não respeita a segregação entre as classes. Não respeita nada, cobre até
os astros no céu. A lua fica vermelha, como se obedecesse ao Apocalipse (6,12):
“inteira como sangue”.
Sol prata, chuva preta
(isso quando chove). Aumentam as internações nos hospitais. Sobem os óbitos por
problemas respiratórios. O noticiário dá conta de que um território equivalente
ao estado de Roraima já virou cinza. A realidade se mostra pior do que as
previsões da teoria.
O livro A Terra
Inabitável, do jornalista americano David Wallace-Wells, passava por pessimista
ao ser lançado, em 2017, mas agora parece brando. Seu alerta de que o
descongelamento do solo do Alasca e da Sibéria liberaria gases de efeito estufa
e ressuscitaria micro-organismos capazes de desencadear epidemias desconhecidas
foi superado por cenários ainda mais assustadores.
O cientista Carlos
Nobre se declarou “apavorado”. Num artigo publicado no portal UOL, ele retomou
o adjetivo que deu título ao livro de Wallace-Wells e sentenciou: “se a
temperatura global aumentar em 4ºC até 2100, grande parte do planeta, incluindo
o Brasil, pode se tornar inabitável”. O
rio Solimões se reduziu a um riacho fantasma, inabitável para peixes. As
metrópoles estrebucham entre dois extremos: no primeiro, inundações infectas
alagam as casas com doenças e lama; no segundo, a seca ameaça matar de sede os
moradores.
Uma sensação de
cataclismo toma conta da cabeça de toda gente. É uma premonição totalizante,
que não se limita às condições atmosféricas, às tempestades furiosas e às
golfadas de calor que nos torram em pleno inverno. O catastrofismo contamina
todas as esferas, da rua à cozinha, do bar à sacristia.
Forma-se a impressão
gasosa de que estamos à beira do armagedom, como se a existência fosse entrar
em colapso na semana que vem. O sujeito se entrega ao negativismo depressivo.
Faltou luz elétrica? “Sintoma da crise ambiental sem retorno.” O fatalismo grassa
e o moralismo endoida. Ao ver dois homens andando de mãos dadas na calçada, o
careta olha para o chão, imaginando Sodoma e Gomorra reencarnadas.
O casal liga a
televisão para ver o debate entre candidatos a prefeito e testemunha, ao vivo,
um dos postulantes desferir uma cadeirada no adversário. Uma cadeirada! O
marido bufa: “A política apodreceu.”. A esposa se retira, sem nada dizer.
Para onde quer que se
olhe, proliferam os sinais de esfacelamento generalizado. O telemarketing não
dá sossego – a maioria é golpe. Crianças se viciam em jogos de azar no celular.
A vacina não chegou. O crime organizado controla mercados e cargos públicos. Há
meio século, os punks de Londres gritavam “no future”. Vai ver, estavam certos.
Não que seja novidade
o pressentimento surdo de que o mundo vai acabar depois de amanhã. Vem de
longe. “O tempora! O mores!”, lamentava Cícero há dois mil anos, convencido de
que a degradação dos costumes na Roma de Júlio César prenunciava a agonia do império.
Cícero exagerou? Em termos: o império durou mais do que ele, mas se
despedaçaria uns logo adiante. Todos os poderes, mesmo os mais colossais,
acabam morrendo.
As civilizações
também. No início do século XX, o filósofo e poeta Paul Valéry escreveu: “Nós,
as civilizações, sabemos que somos mortais.”. É óbvio que tinha razão, mas de
uns tempos para cá a situação ficou mais exasperante: passamos a ter de
conviver com a ideia de que, além das civilizações, a humanidade pode mesmo
desaparecer.
No século XVIII, em
pleno Iluminismo, o Marquês de Sade fez questão de sublinhar a finitude da
nossa espécie. Em A filosofia na alcova, a aristocrata libertina Madame
Sain-Ange suspira, sensual e pérfida: “A extinção total da raça humana seria um
serviço prestado à natureza.”.
No final do século
XIX, Tolstói disse quase a mesma coisa em Sonata a Kreutzer. “A espécie humana
se extinguirá?”, pergunta o narrador, que logo se apressa em responder, com uma
nova pergunta: “Mas será possível que alguém, seja qual for sua maneira de ver
o mundo, duvide disso?”.
Agora, o quadro se
agravou. Os fatos nos põem frente a frente com o exaurimento não dos impérios,
não da humanidade, mas do planeta Terra. Estamos presenciando a fadiga do
material e do imaterial: fadiga da natureza e das narrativas sobre a natureza,
fadiga do teto dos templos e das religiões, fadiga do corpo de bombeiros e dos
métodos incorpóreos de combate às queimadas. Fadiga da fadiga.
No entorno de
Brasília, as fontes murmurantes evaporam, as verdes matas ardem e o planalto
crepita. Enquanto o Congresso discute anistias, o fog do fogo engole a capital
federal. Será metáfora? Será o fim?
Fonte: BBC News
Brasil/A Terra é Redonda
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