Teologia coaching tem discurso violento,
afirma Ranieri Costa
O Brasil é um Estado
laico, pelo menos oficialmente, desde o final do século 19. Na prática, porém,
as influências da religião no governo ainda são evidentes. Nos últimos anos,
pesquisadores têm chamado atenção para a tendência de algumas igrejas neopentecostais
se organizarem como grandes empresas, difundindo ideologias que atribuem aos
indivíduos a responsabilidade por seu sucesso ou fracasso. Entre elas, é
possível destacar a teologia da prosperidade e a teologia coaching.
Um desses
pesquisadores é o jornalista Ranieri Costa, convidado do Pauta Pública desta
semana. Ele é autor do livro Teologia coaching: a ilusória ideologia de que
nascemos só para vencer, lançado este ano pela Fonte Editorial. Na entrevista,
ele explica o que é esse pensamento, difundido por igrejas e agora também por
influenciadores ou coaches, que utilizam a linguagem religiosa com foco no
sucesso individual – um exemplo deles é o atual candidato à prefeitura de São
Paulo Pablo Marçal. Para Costa, que também é teólogo e pastor evangélico, o
problema não está nas crenças individuais, mas na instrumentalização da fé nas
relações sociais e políticas.
Segundo o pesquisador,
a lógica de responsabilizar unicamente as pessoas e negar os problemas sociais
constitui uma forma de violência discursiva. Ele entende que é violento negar a
dor e a fragilidade humana. “A teologia coaching ignora as desigualdades e
trata como falta de vontade própria, de entusiasmo e de propósito. Com isso, o
ciclo de violência é intensificado neste caso, porque as pessoas que já estão
sofrendo com a desigualdade sofrem com culpa de não conseguirem prosperar.”
<><> Leia
os principais pontos da entrevista:
• [Andrea Dip] O que é a teologia
coaching? Como ela se diferencia da teologia da prosperidade?
Na teologia da
prosperidade, ainda que de forma distorcida, havia uma relação com o divino, ou
seja, o sujeito que está envolvido dentro de uma igreja que comunica a mensagem
da prosperidade, ele tinha a figura de Deus dentro dessa equação. Para prosperar
ele precisava de Deus. Ele precisava dar o dízimo, ter uma vida íntegra e ser
uma pessoa com participação ativa na igreja, mas, no final das contas, o que
daria a ele a prosperidade financeira era a ação de Deus em retribuir o seu ato
de obediência, de generosidade e de comprometimento com a igreja.
Na teologia coaching,
isso muda um pouco porque Deus é tirado dessa relação. É uma teologia que
defende que tudo que o sujeito precisa para prosperar e alcançar o sucesso está
dentro dele mesmo, ou seja, ele não precisa ser retribuído por Deus. Basta apenas
que ele se dedique intensamente a cumprir metas estabelecidas, quase sempre,
através de algum tipo de guru, como esses que nós temos visto por aí. Então, a
teologia da prosperidade barganha com Deus e a teologia coaching é formada por
sujeitos que se consideram deuses de si mesmos, capazes de fazer tudo que
precisa.
• [Andrea Dip] No último domingo, vimos um
absurdo protagonizado por Datena e Marçal durante um debate eleitoral para a
prefeitura de São Paulo. Você diz que a teologia coaching é violenta,
principalmente na política. Por quê? E de que maneira essa onda tem crescido na
política brasileira?
A teologia coaching é
violenta porque nega a dor e a fragilidade humana. Ao fazer essa negação, ela
coloca as pessoas que sofrem numa situação em que, ao buscar essa prosperidade,
elas acabam sendo vítimas da lógica desse discurso e passam a ser os algozes de
si mesmos. Então, o sujeito que passa a ser abastecido com esse tipo de
conteúdo passa a desconsiderar o fracasso e as negatividades. Só que, por mais
que eles desconsiderem essas, elas não deixam de existir. Negar tudo isso,
negar o cenário de desigualdade social que enfrentamos em nosso país, produz
violência.
A teologia coaching
ignora as desigualdades e trata como falta de vontade própria, de entusiasmo e
de propósito. Por isso ela é violenta. Por negar as dores, as fragilidades e as
mazelas, colocando as pessoas que estão sendo abastecidas por esse discurso em
uma posição de que não podem sofrer nem demonstrar o sofrimento. Devem buscar o
sucesso, ignorando todas essas dores e mazelas. Contudo, essas coisas não
deixam de acontecer. Com isso, o ciclo de violência é intensificado neste caso,
porque as pessoas que já estão sofrendo com a desigualdade sofrem com culpa de
não conseguirem prosperar.
• [Andrea Dip] Silas Malafaia, que
influencia bastante o eleitorado evangélico, se posiciona contra Pablo Marçal.
Os dois teoricamente são evangélicos e de direita. Quais são as diferenças e o
desentendimento entre eles.
Primeiro, a gente
precisa falar que esse desentendimento é temporário, não vai durar. Caso Marçal
vá para o segundo turno [contra Boulos], imediatamente Malafaia não vai retirar
o que disse, mas vai declarar apoio ao Marçal. Isso porque, [em entrevista],
ele me disse que apoiaria qualquer pessoa contra o Boulos. Então, a única forma
dessa guerra continuar é com Marçal não indo pro segundo turno ou indo contra
Nunes. Aí pode ser que o Malafaia continue essa briga. Caso contrário, não vai
continuar.
O Malafaia, ele tem de
fato uma importante influência política no contexto evangélico. A igreja
Assembleia de Deus é a maior denominação evangélica do país e é toda
segmentada, não existe uma Assembleia de Deus. Há inúmeras igrejas Assembleia
de Deus, e Silas Malafaia é líder de uma delas, mas, por ele ser líder da
Assembleia, é um cara muito influente. Contudo, a minha leitura é que o Silas
tem uma influência política menor do que ele acha e maior do que a imprensa
acha que ele tem. É aquele cara que tem uma noção exagerada de si mesmo.
Essa briga toda se dá
por questões políticas de apoio a Bolsonaro. O Malafaia percebeu que o Marçal
tem potencial de ocupar o posto do Bolsonaro, mas ele não gosta do Marçal,
nunca gostou. Isso começou lá atrás, quando o Marçal quis falar que o Malafaia tinha
participação na maçonaria. Para um pastor evangélico é uma ofensa muito grande,
e ali começou toda a briga deles. Ele disse para mim que, a princípio, os
problemas que ele tinha com o Pablo Marçal eram teológicos. Silas Malafaia foi
pregador da teologia da prosperidade. Então esse sujeito, que é um dos maiores
pregadores da teologia da prosperidade, diz que tem problemas teológicos com o
cara da teologia coaching. Olha onde a gente tá inserido.
A diferença entre eles
é que o Malafaia é um cara analógico, assim como a teologia da prosperidade.
Muito embora ele se comunique bem nas redes sociais dele, ele tem um alcance
considerável, maior inclusive que os outros pregadores mais antigos da teologia
da prosperidade, mas ele é o cara analógico. Ele não é o cara do online como
Pablo Marçal. E isso se aplica no aspecto teológico, se aplica num aspecto
político e vai para todas as esferas. A capacidade que um tem de se mobilizar
nas redes sociais, ser mais do que a do outro, afeta todas as suas
participações na sociedade.
Fonte: Por Por Andrea
DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto e Stela Diogo, da Agencia
Pública
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