Leucemia mielóide crônica: veja o que se
sabe sobre a doença
A incidência da
leucemia mielóide crônica (LMC) é de um a dois casos por 100 mil pessoas por
ano, correspondendo a 15% das leucemias em adultos.
A faixa etária
preferencial situa-se entre 45 a 55 anos, porém pode ocorrer, mais raramente,
em idosos, crianças e adolescentes.
Classicamente, a LMC
manifestava-se em três fases consecutivas:
• a fase crônica, na qual o paciente se
mantém clínica e laboratorialmente estável por 3 a 5 anos;
• a fase acelerada, caracterizada,
geralmente, por um ou mais dos seguintes achados: aumento significativo do
baço, presença de mais de 15% de blastos, mais de 20% de basófilos e
plaquetopenia; e
• a chamada crise blástica, uma agudização
da leucemia que é de difícil controle ao tratamento. Essa fase caracteriza-se
pela presença de 30% de blastos ou infiltração leucêmica extramedular.
Dependendo da natureza das células blásticas, a agudização pode ser linfóide
(30% dos casos) ou mielóide (70% dos casos).
A LMC é uma doença que
envolve uma alteração cromossômica específica, com influências ambientais, como
exposição à radiação e a agentes químicos.
O evento genético
responsável pela LMC consiste em uma translocação recíproca t(9;22) (q34;q1.1)
nas células-tronco hematopoiéticas. Cerca de 95% dos casos de LMC têm a
translocação entre os cromossomos 9 e 22, o que resulta no cromossomo
Philadelphia (Ph).
A detecção
citogenética dessa translocação identifica a LMC típica. A detecção desta
anormalidade nos anos 1960, na Universidade da Pensilvânia, foi a primeira
evidência de que o câncer poderia advir de alterações genéticas adquiridas.
Estudos posteriores
nesse sentido demonstraram que a translocação cromossômica produz um gene
quimérico, formado pela fusão de dois genes: o gene breakpoint cluster region
(BCR) — localizado no cromossomo 22 — e o gene abelson oncogene (ABL) —
localizado no cromossomo 9 –. produzindo um transcrito ativo BCR-ABL no
cromossomo rearranjado Philadelphia (Ph).
Na LMC, os transcritos
BCR-ABL podem ter tamanhos diferentes, pois as quebras cromossômicas ocorrem em
diferentes locais do gene BCR, resultando em duas isoformas de ácido
ribonucléico (RNA) mensageiro (b3a2 e b2a2), as quais são, geralmente,
traduzidas em uma proteína de, aproximadamente, 210 kDa com função de tirosina
cinase.
Alguns pacientes com
LMC podem ter um ponto de quebra alternativo no cromossoma 22, resultando em
proteína de 190 kDa.
Aproximadamente 50%
dos pacientes são totalmente assintomáticos, e o diagnóstico é feito com um
hemograma, realizado por uma situação clínica qualquer, um pré-operatório ou
mesmo em um check-up.
Sintomas sistêmicos
podem ocorrer, como fadiga, cansaço, sudorese ou emagrecimento. Devido ao
aumento do baço, pode haver distensão ou um aumento do volume abdominal, dor ou
sensação de saciedade. É comum haver aumento do ácido úrico ou sinais de
artrite gotosa.
A esplenomegalia
ocorre em 50% a 80% dos casos; anemia, em cerca de 50%; e grandes leucocitoses
(> 100.000/mm3), em 50% a 70% dos pacientes. Um achado possível é plaquetose
(> 600.000/mm3). Cabe sempre a realização de uma investigação para LMC em pacientes
suspeitos de trombocitemia essencial.
A contagem diferencial
de leucócitos mostra escalonamento com desvio à esquerda, desde neutrófilos
maduros até mieloblastos. Basofilia e eosinofilia são achados comuns. A
fosfatase alcalina leucocitária é geralmente baixa.
O estudo da medula
óssea (MO) pelo mielograma ou da biópsia mostra hiperplasia granulocítica.
Outros achados inespecíficos da biópsia são fibrose reticulínica e
vascularização.
O diagnóstico final é
feito pela pesquisa do cromossomo Ph, com a análise do cariótipo,
preferencialmente em amostra de MO, por meio de coloração por banda G. Em uma
situação de premência do resultado, pode-se fazer a pesquisa do rearranjo
BCR/ABL por Fish, técnica rápida e específica, na qual se utilizam sondas
moleculares para identificar anomalias cromossômicas.
A técnica de PCR é a
mais frequentemente empregada para detecção de rearranjos BCR-ABL.
A Análise prognóstica
pode ser feita por meio de vários índices, dos quais o score prognóstico de
Sokal é o mais comum, levando em conta quatro variáveis:
• tamanho do baço;
• porcentagem de blastos;
• idade; e
• contagem de plaquetas (>
700.000/mm3).
Historicamente, até
1950, o principal recurso terapêutico para tratamento da LMC era a
radioterapia. Em 1953, Galton introduziu com sucesso o busulfan oral e, em
1972, a hidroxiuréia passou a ser a principal droga utilizada no manuseio da
LMC, produzindo controle hematológico com poucos efeitos colaterais.
No entanto, essas
medidas terapêuticas, apesar de produzirem controle clínico e hematológico dos
pacientes, não alteram a história natural da doença representada pela evolução
para as fases acelerada e blástica, com consequente óbito.
O transplante de
medula óssea (TMO) era o único tratamento curável. Hoje, praticamente limitado
a poucos casos específicos
Desde a aprovação em
2000 do primeiro inibidor de tirosino-cinase, o imatinibe, esta droga passou a
ser o tratamento de escolha de primeira linha na LMC
Estes medicamentos
representam um dos maiores avanços terapêuticos no manejo da LMC. E foram a
base para outras terapêuticas chamadas alvo em outros tumores.
A experiência
adquirida com este produto, que age na esfera molecular, mostrou como o
conhecimento da biologia e da fisiopatologia de uma doença pode ser útil no
desenvolvimento de uma ação terapêutica.
Hoje, outros
medicamentos podem ser utilizados no tratamento da LMC, seja em primeira linha
ou em pacientes resistentes ou com mutações. Podemos citar o Dasatinibe,
Nilotinibe, Bosutinibe e recentemente o Ponatinibe e o Ascimetinibe.
Podemos afirmar que
pacientes responsivos a estes medicamentos podem ter expectativa de vida normal
e estudos estão mostrando que pessoas com respostas estritas por mais de quatro
anos e sob vigilância podem ter a medicação suspensa.
Para mim, que
participei dos estudos multicêntricos com os chamados medicamentos de primeira
e segunda geração, é um privilégio ver uma mudança tão importante da medicina
Fonte: Por Nelson
Hamerschlak, hematologista coordenador do programa de hematologia e
transplantes de medula óssea do Hospital Israelita Albert Einstein, para CNN
Brasil
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