quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Amazônia e Pantanal têm piores queimadas das últimas duas décadas, alerta agência europeia

A Amazônia e o Pantanal, dois dos mais importantes biomas brasileiros, sofrem as piores queimadas dos últimos 20 anos.

Essa é a principal conclusão de um novo relatório publicado pelo Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus (Cams, na sigla em inglês), uma agência que integra o programa espacial da União Europeia.

De acordo com os dados, divulgados no domingo (22/9), as emissões de carbono nessas duas regiões estão "consistentemente acima da média" — e chegam até a superar os recordes observados desde o início dos registros.

Ainda segundo o estudo do Cams, os incêndios florestais são o principal fator por trás desse aumento das emissões.

A agência calcula que, entre 1º de janeiro e 19 de setembro de 2024, o Brasil emitiu 183 megatoneladas de carbono na atmosfera.

Esse número é similar ao observado em 2007, ano em que o país teve o recorde na emissão de gases relacionados ao aquecimento do planeta e às mudanças climáticas.

Das emissões registradas em 2024, 65 megatoneladas de carbono — ou um terço do total acumulado no ano todo — foram parar na atmosfera somente em setembro, quando as queimadas se intensificaram e geraram grande preocupação nacional e internacional.

•        Incêndios 'fora do comum'

O relatório do Cams ainda chama a atenção para o que acontece nos Estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Nesses dois lugares, a estimativa acumulada total de emissões de carbono é a maior nos 22 anos de registros.

Segundo os dados disponíveis, o Amazonas teve uma emissão de 28 megatoneladas de carbono.

Já no Mato Grosso do Sul, que abriga a maior parte do Pantanal, houve a liberação de 15 megatoneladas de carbono.

O Cams pontua que os incêndios florestais das últimas semanas estão "fora do comum", mesmo diante do fato de as queimadas ocorrerem normalmente nessas regiões no período que vai de julho a setembro.

A agência europeia lista alguns fatores que podem explicar essa situação.

"As temperaturas extremamente altas que a América do Sul apresentou nos últimos meses, a seca prolongada que deixa o solo com baixa umidade e outros fatores climatológicos parecem ter contribuído enormemente", sugere a agência no novo relatório.

O pesquisador Mark Parrington, cientista sênior do Cams, reforça que esses incêndios florestais acima da média estão relacionados a uma série de problemas.

"A fumaça tem um impacto que vai muito além da região onde ocorreram as queimadas e chega até o Oceano Atlântico", resume ele, em um comunicado divulgado à imprensa.

"A escala do transporte de fumaça e os efeitos disso na qualidade do ar são alguns dos indicadores da intensidade desses incêndios florestais. Precisamos continuar a monitorar esses eventos para entender os impactos que eles terão."

O relatório do Cams revela que os detritos das queimadas na Amazônia e no Pantanal degradam a qualidade do ar de todo o continente sul-americano.

A fumaça desses incêndios se espalhou para vários cantos e pode ser observada em lugares tão distantes quanto o Equador e o Estado de São Paulo.

•        Outros alertas

As informações divulgadas pelo Cams vão ao encontro do que outros estudos e relatórios já descreviam.

Um levantamento realizado pela ONG WWF-Brasil observou que os biomas brasileiros haviam registrado um recorde nas queimadas ainda durante o primeiro semestre deste ano.

Segundo a instituição, o Pantanal e o Cerrado concentravam a maioria dos focos de incêndio no período — e os números de 2024 já superaram qualquer marca obtida desde o início das medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1988.

No Pantanal, o número de focos de incêndio durante os primeiros seis meses do ano foi 22 vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2023.

Já na Amazônia, esse crescimento de pontos de queimada foi de 76%, calcula a WWF-Brasil.

O relatório Monitor do Fogo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pela rede MapBiomas, destaca que a área de floresta nativa afetada pelo fogo aumentou 132% no último mês de agosto em comparação ao mesmo período do ano passado.

O dado chamou a atenção dos pesquisadores, porque, geralmente, os incêndios costumam se concentrar em áreas desmatadas e degradadas — nestes casos, o fogo é usado para abrir pastagens e fazer a ocupação irregular de terras.

Nas queimadas das últimas semanas, no entanto, um terço da área afetada é composta de vegetação nativa.

Em 2019, 12% da área afetada pelas queimadas era florestas "originais". Neste ano, essa taxa está em 34%.

O governo federal anunciou recentemente a criação de um crédito extraordinário de R$ 514,5 milhões para lidar com os incêndios florestais e fortalecer os órgãos de fiscalização e controle.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, "a emergência climática elevou em até 20 vezes a probabilidade de condições climáticas que intensificaram os incêndios na Amazônia Ocidental de março de 2023 a fevereiro de 2024".

Já no Pantanal, segundo o ministério, "a mudança do clima intensificou em cerca de 40% os incêndios florestais registrados em junho".

 

•        Sensações apocalípticas. Por Eugênio Bucci

Na capa do jornal O Estado de S. Paulo da terça-feira passada, uma foto mostra Brasília submersa em fumaça densa, quase opaca. Na TV, paredões de fogo se levantam e marcham. A olho nu, a fuligem se derrama sobre a cidade; filamentos de carvão vindos no vento aterrissam como libélulas no capô do automóvel de um milhão de reais.

O desastre climático é um desastre social, que castiga antes os de baixo, mas quando se impõe pra valer não respeita a segregação entre as classes. Não respeita nada, cobre até os astros no céu. A lua fica vermelha, como se obedecesse ao Apocalipse (6,12): “inteira como sangue”.

Sol prata, chuva preta (isso quando chove). Aumentam as internações nos hospitais. Sobem os óbitos por problemas respiratórios. O noticiário dá conta de que um território equivalente ao estado de Roraima já virou cinza. A realidade se mostra pior do que as previsões da teoria.

O livro A Terra Inabitável, do jornalista americano David Wallace-Wells, passava por pessimista ao ser lançado, em 2017, mas agora parece brando. Seu alerta de que o descongelamento do solo do Alasca e da Sibéria liberaria gases de efeito estufa e ressuscitaria micro-organismos capazes de desencadear epidemias desconhecidas foi superado por cenários ainda mais assustadores.

O cientista Carlos Nobre se declarou “apavorado”. Num artigo publicado no portal UOL, ele retomou o adjetivo que deu título ao livro de Wallace-Wells e sentenciou: “se a temperatura global aumentar em 4ºC até 2100, grande parte do planeta, incluindo o Brasil, pode se tornar inabitável”.  O rio Solimões se reduziu a um riacho fantasma, inabitável para peixes. As metrópoles estrebucham entre dois extremos: no primeiro, inundações infectas alagam as casas com doenças e lama; no segundo, a seca ameaça matar de sede os moradores.

Uma sensação de cataclismo toma conta da cabeça de toda gente. É uma premonição totalizante, que não se limita às condições atmosféricas, às tempestades furiosas e às golfadas de calor que nos torram em pleno inverno. O catastrofismo contamina todas as esferas, da rua à cozinha, do bar à sacristia.

Forma-se a impressão gasosa de que estamos à beira do armagedom, como se a existência fosse entrar em colapso na semana que vem. O sujeito se entrega ao negativismo depressivo. Faltou luz elétrica? “Sintoma da crise ambiental sem retorno.” O fatalismo grassa e o moralismo endoida. Ao ver dois homens andando de mãos dadas na calçada, o careta olha para o chão, imaginando Sodoma e Gomorra reencarnadas.

O casal liga a televisão para ver o debate entre candidatos a prefeito e testemunha, ao vivo, um dos postulantes desferir uma cadeirada no adversário. Uma cadeirada! O marido bufa: “A política apodreceu.”. A esposa se retira, sem nada dizer.

Para onde quer que se olhe, proliferam os sinais de esfacelamento generalizado. O telemarketing não dá sossego – a maioria é golpe. Crianças se viciam em jogos de azar no celular. A vacina não chegou. O crime organizado controla mercados e cargos públicos. Há meio século, os punks de Londres gritavam “no future”. Vai ver, estavam certos.

Não que seja novidade o pressentimento surdo de que o mundo vai acabar depois de amanhã. Vem de longe. “O tempora! O mores!”, lamentava Cícero há dois mil anos, convencido de que a degradação dos costumes na Roma de Júlio César prenunciava a agonia do império. Cícero exagerou? Em termos: o império durou mais do que ele, mas se despedaçaria uns logo adiante. Todos os poderes, mesmo os mais colossais, acabam morrendo.

As civilizações também. No início do século XX, o filósofo e poeta Paul Valéry escreveu: “Nós, as civilizações, sabemos que somos mortais.”. É óbvio que tinha razão, mas de uns tempos para cá a situação ficou mais exasperante: passamos a ter de conviver com a ideia de que, além das civilizações, a humanidade pode mesmo desaparecer.

No século XVIII, em pleno Iluminismo, o Marquês de Sade fez questão de sublinhar a finitude da nossa espécie. Em A filosofia na alcova, a aristocrata libertina Madame Sain-Ange suspira, sensual e pérfida: “A extinção total da raça humana seria um serviço prestado à natureza.”.

No final do século XIX, Tolstói disse quase a mesma coisa em Sonata a Kreutzer. “A espécie humana se extinguirá?”, pergunta o narrador, que logo se apressa em responder, com uma nova pergunta: “Mas será possível que alguém, seja qual for sua maneira de ver o mundo, duvide disso?”.

Agora, o quadro se agravou. Os fatos nos põem frente a frente com o exaurimento não dos impérios, não da humanidade, mas do planeta Terra. Estamos presenciando a fadiga do material e do imaterial: fadiga da natureza e das narrativas sobre a natureza, fadiga do teto dos templos e das religiões, fadiga do corpo de bombeiros e dos métodos incorpóreos de combate às queimadas. Fadiga da fadiga.

No entorno de Brasília, as fontes murmurantes evaporam, as verdes matas ardem e o planalto crepita. Enquanto o Congresso discute anistias, o fog do fogo engole a capital federal. Será metáfora? Será o fim?

 

Fonte: BBC News Brasil/A Terra é Redonda

 

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