terça-feira, 18 de março de 2025

Qual o risco de a gripe aviária virar uma nova pandemia entre humanos?

A gripe aviária é uma das doenças que mais tem chamado a atenção de autoridades em saúde no mundo. Desde o início de 2024, a infecção causada pelo vírus influenza A (H5N1) vem se espalhando principalmente nos Estados Unidos. Por lá, já atinge aves domésticas, gado leiteiro e humanos que tiveram contato com animais infectados. No início de janeiro, foi registrada no mesmo país a primeira morte pela doença.

A gripe aviária normalmente ocorre em aves selvagens, mas vem aparecendo em outros animais em diversos países. Ela pode contaminar pessoas que tenham contato próximo com esses bichos, causando infecções leves ou graves, e assim levar à síndrome respiratória aguda grave e à morte. No entanto, não é transmitida facilmente entre pessoas.

Até o momento, autoridades como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) avaliam que o risco de uma emergência global causada pelo vírus H5N1 é baixo. “Embora se espere que ocorram infecções humanas adicionais associadas à exposição a animais infectados ou ambientes contaminados, o impacto geral na saúde pública dessas infecções, em nível global, no momento, é pequeno”, diz a OMS em documento publicado em 20 de dezembro de 2024.

Desde 2003, foram notificadas à OMS mais de 950 infecções humanas causadas pelo vírus H5N1 no mundo, sendo que cerca de metade resultou em mortes. O Brasil detectou um surto em aves silvestres em maio de 2023. Já nos EUA, houve um salto no número de casos – de apenas um em 2022 para 66 em 2024.

A cada ano, novos picos são esperados. “Infecções em animais [pelos vírus da gripe aviária] acontecem há décadas, com pequenos surtos localizados”, explica a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein. Elas geralmente começam quando aves migratórias espalham a doença para locais como Europa e Estados Unidos. Também surgem em regiões onde há contato entre grande número de animais. Por isso, pode aparecer em aves de criação, aves domésticas e outros mamíferos, como porcos, vacas e até cachorros.

O problema é quando um grande número de animais é atingido ou há alta mortalidade de aves, por exemplo. Segundo Gouveia, isso aumenta o risco de contaminação do ser humano e a possibilidade de o vírus sofrer mutações. Os porcos, por exemplo, podem ser infectados ao mesmo tempo com o vírus da influenza comum e a aviária, o que permitiria uma troca genética capaz de gerar uma cepa mais adaptada a infecções humanas.

Com base nas informações de soroprevalência disponíveis sobre esse vírus, espera-se que a imunidade da população humana contra esse agente infeccioso seja “mínima”, segundo a OMS. Por isso, uma possível pandemia seria preocupante.

A entidade global de saúde mantém um programa de vigilância dos casos e das características dos vírus. Até o momento, não foram encontradas mutações capazes de gerar uma transmissão sustentada entre seres humanos. A OMS também avalia o desenvolvimento de possíveis vacinas contra esse agente infeccioso.

<><> Cuidados necessários

Os especialistas alertam para nunca manipular animais doentes ou mortos. “Mesmo se encontrar um pássaro morto no parque, não se deve tocá-lo. Deve-se acionar as autoridades competentes”, orienta Gouveia. Como os sintomas da gripe aviária são similares aos da gripe comum, vale ficar alerta se eles ocorrerem após exposição a animais enfermos.

A OMS recomenda o aumento da vigilância e a detecção precoce dos casos, além de medidas para reduzir o risco de contaminação em trabalhadores expostos. O documento também destaca, como forma de prevenir epidemias, a importância do conceito de Saúde Única, que considera que aspectos ambientais, a saúde animal e a saúde humana estão interligados e um afeta o outro.

•        Como acontece a transmissão para humanos

Com o aumento das infecções por gripe aviária em gado leiteiro e galinhas, os casos em humanos também estão crescendo. Na quarta-feira (18), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos confirmaram o primeiro caso grave da doença em humano.

As infecções por gripe aviária são raras em pessoas. Neste ano, 61 casos humanos foram confirmados nos EUA, segundo o CDC, e apenas três não eram de pessoas que trabalham em granjas avícolas ou leiteiras.

Como o nome sugere, os vírus da influenza aviária preferem infectar aves. Eles invadem as células ao se fixarem em açúcares que se projetam de suas superfícies, chamados ácidos siálicos. O H5N1, o vírus da gripe aviária por trás do surto atual nos EUA, demonstrou afinidade apenas com os tipos de receptores de ácido siálico que são mais abundantes no trato respiratório das aves.

Mas os vírus da gripe também podem mutar rapidamente, e desde 2022, o H5N1 tem infectado uma variedade crescente de mamíferos, incluindo gado leiteiro.

Isso deixou os cientistas em alerta porque quanto mais ele circula em animais, melhor se torna em encontrar novos hospedeiros.

Um estudo publicado na semana passada na revista Science mostrou que apenas uma mudança fundamental no material genético do vírus permitiria que ele se ligasse aos tipos de ácidos siálicos mais comuns no nariz e pulmões das pessoas. Mas é quase impossível prever quando isso poderia acontecer — ou se algum dia acontecerá.

<><> Eventos de transmissão de animais para humanos

Quando humanos foram infectados com gripe aviária, quase sempre foi através do contato com animais infectados. Com exceção de um, todos esses casos de transmissão foram leves.

O primeiro caso grave dos Estados Unidos foi anunciado esta semana em uma pessoa na Louisiana que permanece hospitalizada em estado crítico. O CDC informou que a pessoa foi exposta a aves doentes e mortas em sua propriedade, não de aves comerciais.

Não há registros de que alguém que contraiu H5N1 nos EUA tenha transmitido a infecção para outra pessoa. Por essa razão, o CDC estima que o risco atual para o público é baixo, mas existem certas ocupações e situações que podem aumentar o risco de uma pessoa contrair gripe aviária.

Os dois grupos de pessoas que correm mais risco são os trabalhadores rurais que trabalham com vacas ou aves e pessoas que mantêm criações em quintais, disse o Dr. Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota.

As aves eliminam o vírus através da saliva, muco e fezes, e ele pode se tornar aerotransportado quando sua cama e penas são agitadas nos celeiros, particularmente durante operações de abate.

“Pode estar no ar”, disse Osterholm. “Então não é apenas o contato tocando as aves, mas também a caspa e toda a poeira que ocorre quando você está lidando com aves.”

O vírus também se concentra nos úberes das vacas leiteiras, e estudos encontraram altas concentrações do vírus da gripe aviária no leite cru ou não pasteurizado.

As salas de ordenha são ambientes úmidos, e os trabalhadores podem ser infectados se receberem um respingo de leite cru nos olhos ou se colocarem leite nas mãos e depois esfregarem os olhos. Gotículas de leite contaminado com vírus também podem se tornar aerotransportadas se forem pulverizadas do equipamento de ordenha.

Um dos sintomas mais proeminentes em trabalhadores rurais infectados tem sido olhos vermelhos e irritados, ou conjuntivite. Isso pode ser porque os olhos humanos compartilham os mesmos tipos de receptores de ácido siálico que são mais comuns em aves. Gatos foram infectados após beberem leite cru de vaca. Também houve relatos de bezerros ficando doentes após beberem leite infectado.

<>< Riscos do leite cru

Gatos foram infectados após beber leite cru de vaca. Também houve relatos de bezerros ficando doentes após beber leite infectado. “Não temos os mesmos dados para humanos”, disse Osterholm.

Nenhuma infecção humana foi relacionada ao consumo de leite cru, embora uma criança na Califórnia tenha recentemente testado positivo para influenza após beber uma grande quantidade de leite cru. No entanto, o CDC não conseguiu confirmar se a infecção era gripe aviária, então esta criança está listada como um caso suspeito.

Mas há muitos dados sobre outros patógenos que podem ser encontrados no leite cru, mesmo sem evidências específicas para H5N1. Em 2023 e 2024, surtos de infecções por E. coli e salmonela foram rastreados até o leite cru. Ele também pode abrigar outros patógenos como listeria e Campylobacter.

A pasteurização mata todos esses germes nocivos, incluindo o H5N1, como mostra um estudo governamental recente.

No entanto, a refrigeração não. Um estudo recente da Universidade de Stanford, que envolveu a contaminação de leite cru com vírus da gripe e testes em células em placas de Petri, descobriu que o vírus ainda podia infectar células por até cinco dias após ser refrigerado.

<><> Mantendo-se seguro

De acordo com o CDC, a melhor maneira de se proteger da gripe aviária é evitar fontes de exposição. As pessoas podem contrair gripe aviária quando vírus suficiente entra em seus olhos, nariz ou boca ou quando o inalam. Isso geralmente requer exposição próxima e prolongada a animais infectados.

Por esse motivo, o CDC recomenda que as pessoas se mantenham afastadas de aves ou outros animais doentes ou mortos, e evitem tocar em superfícies contaminadas com fezes ou saliva, como lixo ou cama.

Se você precisar manipular aves, vacas ou outros animais doentes, como em uma fazenda ou ambiente de resgate, o CDC recomenda o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) apropriados. Isso inclui:

•        Óculos de proteção;

•        Luvas descartáveis;

•        Uma máscara facial N95;

•        Macacão;

•        Botas de borracha.

Como o leite cru pode carregar tantos germes perigosos, especialistas aconselham evitá-lo e optar por produtos lácteos pasteurizados.

Mas e quanto aos ovos crus? A Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, afirma que é improvável que ovos de um rebanho infectado cheguem às prateleiras das lojas, pois as aves adoecem rapidamente com a gripe aviária, e existem salvaguardas implementadas, como inspeções, para evitar que ovos contaminados cheguem ao mercado.

Ainda assim, é uma boa ideia cozinhar ovos e aves até uma temperatura segura e prevenir a contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos na cozinha.

•        Vírus sobrevive em queijo de leite cru por meses, diz estudo

Queijo cru produzido com leite de gado leiteiro infectado com gripe aviária pode abrigar o vírus infeccioso por meses e pode representar um risco à saúde pública, de acordo com um novo estudo de pesquisadores da Universidade Cornell, financiado pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA).

Queijos de leite cru são aqueles feitos com leite que não foi tratado termicamente ou pasteurizado para matar germes.

Embora a lei federal dos Estados Unidos proíba a venda de leite cru entre estados, a venda de queijo de leite cru é legal em todo o país, desde que seja maturado por pelo menos 60 dias antes de chegar às prateleiras das lojas. Este requisito, em vigor desde 1949, é considerado redutor do risco de contaminação, pois permite o desenvolvimento de ácidos e enzimas naturais, que se acreditava eliminarem patógenos.

O novo estudo mostra que este processo de maturação pode não inativar o vírus H5N1, no entanto, e ressalta o risco de consumir alimentos crus ou mal cozidos durante o surto de gripe aviária, que continua infectando gado leiteiro, aves e um número crescente de outras espécies animais. O mesmo grupo de pesquisadores descobriu anteriormente que o vírus H5N1 permaneceu infeccioso em leite cru refrigerado por até oito semanas.

Diego Diel, que liderou o estudo, acredita que o vírus pode ser tão estável no leite e no queijo porque está protegido pela complexa matriz de moléculas ao seu redor. “O conteúdo de proteína e gordura no queijo e no leite fornece um bom ambiente para o vírus sobreviver em temperatura de refrigeração”, diz Diel, professor associado de virologia em Cornell.

Robert F. Kennedy Jr., secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, afirmou que os alimentos não representam risco de gripe aviária. “A doença não é transmitida através dos alimentos, então você não pode pegá-la – até onde sabemos, você não pode pegá-la de um ovo, leite ou carne de um animal infectado”, afirma Kennedy à Fox News em uma entrevista exibida na terça-feira (11).

Mas isso é apenas parcialmente verdadeiro. Gatos e outros animais foram infectados por leite cru de vaca e alimentos crus para animais de estimação, e houve pelo menos três infecções humanas confirmadas nas quais os investigadores não conseguiram determinar a fonte de exposição da pessoa ao vírus H5N1.

Não houve relatos confirmados de pessoas adoecendo por comer ou beber alimentos contaminados com gripe aviária, incluindo queijo de leite cru, mas trabalhadores de laticínios foram infectados ao serem atingidos por leite cru no rosto ou olhos.

Ainda não está totalmente claro se os humanos podem ser infectados ao comer ou beber alimentos contaminados, segundo Diel, observando que seu estudo não foi realmente projetado para responder a essa questão. “Eu acho que é possível. Existe um risco de infecção”, afirma. “Obviamente depende da dose, quanto desse produto contaminado é ingerido.”

Também pode depender da cepa do vírus no leite ou queijo. Diel e sua equipe testaram a estabilidade do vírus B3.13, que originalmente infectou o gado nos EUA em março de 2024. O B3.13 causou apenas doença leve em pessoas. No entanto, uma nova cepa, D1.1, que foi associada a alguns casos humanos graves, também passou para o gado, aumentando ainda mais o risco.

<><> Avaliação do risco de queijos crus

Para o estudo, os pesquisadores fizeram mini queijos com leite contaminado com o vírus H5N1. Eles produziram estes queijos em três níveis de pH: 6,6, 5,8 e a fórmula mais ácida, 5,0.

Os pesquisadores então testaram os queijos ao longo do tempo para ver se permanecia algum vírus capaz de infectar células. Eles injetaram amostras em ovos de galinha fertilizados, considerado o teste padrão-ouro.

Os níveis do vírus permaneceram altos durante os primeiros sete dias após a fabricação do queijo e depois caíram um pouco nos queijos produzidos em níveis de pH 6,6 e 5,8. Mas, importante, o vírus permaneceu infeccioso durante todo o período de maturação de dois meses, mostrando que era notavelmente estável no queijo por um longo período.

Esses resultados foram confirmados por alguns exemplos do mundo real. Os pesquisadores testaram amostras de queijo de leite cru de uma fazenda que inadvertidamente os produziu com leite de vacas infectadas com gripe aviária. Estes resultados também mostraram que os níveis do vírus permaneceram altos e mantiveram-se infecciosos durante os dois meses completos de maturação.

“Nosso estudo demonstra que o vírus HPAI H5N1 exibe notável estabilidade durante todo o processo de fabricação do queijo”, escreveram os autores em seu estudo preliminar, publicado antes da revisão por pares na sexta-feira (14).

No entanto, o estudo sugeriu que tornar o queijo de leite cru mais ácido pode matar o vírus e tornar o queijo mais seguro para consumo. Nenhum vírus vivo foi detectado no queijo produzido com o pH mais baixo, 5,0. Estudos anteriores também demonstraram que os métodos comuns de pasteurização inativam o vírus.

<><> Produtos pasteurizados são mais seguros

Especialistas afirmaram que o novo estudo estava consistente com testes de estabilidade do vírus no leite.

“Também observamos que o leite pode alterar o pH necessário para inativar o vírus”, afirma Seema Lakdawala, professora associada de microbiologia e imunologia da Universidade Emory, que tem estudado a transmissão do H5N1.

“Nós e outros pesquisadores observamos repetidamente que o leite impedirá a degradação do vírus em superfícies, e aumenta a estabilidade do pH, de modo que é necessário um pH muito mais baixo que o normal para inativar o vírus”, explica Lakdawala, que não participou do novo estudo.

O FDA publicou as descobertas do estudo na sexta-feira (14) junto com resultados preliminares de seu próprio estudo contínuo de amostragem de queijo cru.

O estudo de amostragem do FDA, anunciado em dezembro, testou 110 amostras de queijo retiradas de prateleiras de lojas em todo o país. Até agora, 96 dessas amostras foram negativas pelo teste de reação em cadeia da polimerase, ou PCR, que detecta tanto vírus vivo quanto partículas virais inativas, indicando que esses queijos provavelmente não foram feitos com leite contaminado. Os resultados das 14 amostras restantes estão pendentes, informou a agência.

“O FDA continua trabalhando com parceiros federais e estaduais para lidar com o surto contínuo de HPAI A (H5N1) em gado leiteiro. O FDA amostrou um total de 464 produtos lácteos pasteurizados, incluindo leite, queijo, manteiga e sorvete, todos negativos para H5N1 viável. Além disso, múltiplos estudos de pesquisa confirmaram que a pasteurização inativa o vírus”, afirmou o comunicado.

Ainda assim, especialistas dizem que o estudo é um bom lembrete da importância da vigilância – e de não consumir produtos de leite cru.

“Esta é mais uma razão pela qual devemos insistir em garantir que não haja gripe aviária em produtos lácteos e consumir apenas produtos lácteos pasteurizados”, finaliza Lakdawala.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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