Qual o risco de a gripe aviária virar uma
nova pandemia entre humanos?
A gripe aviária é uma das doenças que mais
tem chamado a atenção de autoridades em saúde no mundo. Desde o início de 2024,
a infecção causada pelo vírus influenza A (H5N1) vem se espalhando
principalmente nos Estados Unidos. Por lá, já atinge aves domésticas, gado
leiteiro e humanos que tiveram contato com animais infectados. No início de
janeiro, foi registrada no mesmo país a primeira morte pela doença.
A gripe aviária normalmente ocorre em aves
selvagens, mas vem aparecendo em outros animais em diversos países. Ela pode
contaminar pessoas que tenham contato próximo com esses bichos, causando
infecções leves ou graves, e assim levar à síndrome respiratória aguda grave e
à morte. No entanto, não é transmitida facilmente entre pessoas.
Até o momento, autoridades como o Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, e a Organização
Mundial da Saúde (OMS) avaliam que o risco de uma emergência global causada
pelo vírus H5N1 é baixo. “Embora se espere que ocorram infecções humanas
adicionais associadas à exposição a animais infectados ou ambientes
contaminados, o impacto geral na saúde pública dessas infecções, em nível
global, no momento, é pequeno”, diz a OMS em documento publicado em 20 de
dezembro de 2024.
Desde 2003, foram notificadas à OMS mais de
950 infecções humanas causadas pelo vírus H5N1 no mundo, sendo que cerca de
metade resultou em mortes. O Brasil detectou um surto em aves silvestres em
maio de 2023. Já nos EUA, houve um salto no número de casos – de apenas um em
2022 para 66 em 2024.
A cada ano, novos picos são esperados.
“Infecções em animais [pelos vírus da gripe aviária] acontecem há décadas, com
pequenos surtos localizados”, explica a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do
Hospital Israelita Albert Einstein. Elas geralmente começam quando aves
migratórias espalham a doença para locais como Europa e Estados Unidos. Também
surgem em regiões onde há contato entre grande número de animais. Por isso,
pode aparecer em aves de criação, aves domésticas e outros mamíferos, como
porcos, vacas e até cachorros.
O problema é quando um grande número de
animais é atingido ou há alta mortalidade de aves, por exemplo. Segundo
Gouveia, isso aumenta o risco de contaminação do ser humano e a possibilidade de
o vírus sofrer mutações. Os porcos, por exemplo, podem ser infectados ao mesmo
tempo com o vírus da influenza comum e a aviária, o que permitiria uma troca
genética capaz de gerar uma cepa mais adaptada a infecções humanas.
Com base nas informações de soroprevalência
disponíveis sobre esse vírus, espera-se que a imunidade da população humana
contra esse agente infeccioso seja “mínima”, segundo a OMS. Por isso, uma
possível pandemia seria preocupante.
A entidade global de saúde mantém um programa
de vigilância dos casos e das características dos vírus. Até o momento, não
foram encontradas mutações capazes de gerar uma transmissão sustentada entre
seres humanos. A OMS também avalia o desenvolvimento de possíveis vacinas
contra esse agente infeccioso.
<><> Cuidados necessários
Os especialistas alertam para nunca manipular
animais doentes ou mortos. “Mesmo se encontrar um pássaro morto no parque, não
se deve tocá-lo. Deve-se acionar as autoridades competentes”, orienta Gouveia.
Como os sintomas da gripe aviária são similares aos da gripe comum, vale ficar
alerta se eles ocorrerem após exposição a animais enfermos.
A OMS recomenda o aumento da vigilância e a
detecção precoce dos casos, além de medidas para reduzir o risco de
contaminação em trabalhadores expostos. O documento também destaca, como forma
de prevenir epidemias, a importância do conceito de Saúde Única, que considera
que aspectos ambientais, a saúde animal e a saúde humana estão interligados e
um afeta o outro.
• Como
acontece a transmissão para humanos
Com o aumento das infecções por gripe aviária
em gado leiteiro e galinhas, os casos em humanos também estão crescendo. Na
quarta-feira (18), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos
Estados Unidos confirmaram o primeiro caso grave da doença em humano.
As infecções por gripe aviária são raras em
pessoas. Neste ano, 61 casos humanos foram confirmados nos EUA, segundo o CDC,
e apenas três não eram de pessoas que trabalham em granjas avícolas ou
leiteiras.
Como o nome sugere, os vírus da influenza
aviária preferem infectar aves. Eles invadem as células ao se fixarem em
açúcares que se projetam de suas superfícies, chamados ácidos siálicos. O H5N1,
o vírus da gripe aviária por trás do surto atual nos EUA, demonstrou afinidade
apenas com os tipos de receptores de ácido siálico que são mais abundantes no
trato respiratório das aves.
Mas os vírus da gripe também podem mutar
rapidamente, e desde 2022, o H5N1 tem infectado uma variedade crescente de
mamíferos, incluindo gado leiteiro.
Isso deixou os cientistas em alerta porque
quanto mais ele circula em animais, melhor se torna em encontrar novos
hospedeiros.
Um estudo publicado na semana passada na
revista Science mostrou que apenas uma mudança fundamental no material genético
do vírus permitiria que ele se ligasse aos tipos de ácidos siálicos mais comuns
no nariz e pulmões das pessoas. Mas é quase impossível prever quando isso
poderia acontecer — ou se algum dia acontecerá.
<><> Eventos de transmissão de
animais para humanos
Quando humanos foram infectados com gripe
aviária, quase sempre foi através do contato com animais infectados. Com
exceção de um, todos esses casos de transmissão foram leves.
O primeiro caso grave dos Estados Unidos foi
anunciado esta semana em uma pessoa na Louisiana que permanece hospitalizada em
estado crítico. O CDC informou que a pessoa foi exposta a aves doentes e mortas
em sua propriedade, não de aves comerciais.
Não há registros de que alguém que contraiu
H5N1 nos EUA tenha transmitido a infecção para outra pessoa. Por essa razão, o
CDC estima que o risco atual para o público é baixo, mas existem certas
ocupações e situações que podem aumentar o risco de uma pessoa contrair gripe
aviária.
Os dois grupos de pessoas que correm mais
risco são os trabalhadores rurais que trabalham com vacas ou aves e pessoas que
mantêm criações em quintais, disse o Dr. Michael Osterholm, diretor do Centro
de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota.
As aves eliminam o vírus através da saliva,
muco e fezes, e ele pode se tornar aerotransportado quando sua cama e penas são
agitadas nos celeiros, particularmente durante operações de abate.
“Pode estar no ar”, disse Osterholm. “Então
não é apenas o contato tocando as aves, mas também a caspa e toda a poeira que
ocorre quando você está lidando com aves.”
O vírus também se concentra nos úberes das
vacas leiteiras, e estudos encontraram altas concentrações do vírus da gripe
aviária no leite cru ou não pasteurizado.
As salas de ordenha são ambientes úmidos, e
os trabalhadores podem ser infectados se receberem um respingo de leite cru nos
olhos ou se colocarem leite nas mãos e depois esfregarem os olhos. Gotículas de
leite contaminado com vírus também podem se tornar aerotransportadas se forem
pulverizadas do equipamento de ordenha.
Um dos sintomas mais proeminentes em
trabalhadores rurais infectados tem sido olhos vermelhos e irritados, ou
conjuntivite. Isso pode ser porque os olhos humanos compartilham os mesmos
tipos de receptores de ácido siálico que são mais comuns em aves. Gatos foram
infectados após beberem leite cru de vaca. Também houve relatos de bezerros
ficando doentes após beberem leite infectado.
<>< Riscos do leite cru
Gatos foram infectados após beber leite cru
de vaca. Também houve relatos de bezerros ficando doentes após beber leite
infectado. “Não temos os mesmos dados para humanos”, disse Osterholm.
Nenhuma infecção humana foi relacionada ao
consumo de leite cru, embora uma criança na Califórnia tenha recentemente
testado positivo para influenza após beber uma grande quantidade de leite cru.
No entanto, o CDC não conseguiu confirmar se a infecção era gripe aviária,
então esta criança está listada como um caso suspeito.
Mas há muitos dados sobre outros patógenos
que podem ser encontrados no leite cru, mesmo sem evidências específicas para
H5N1. Em 2023 e 2024, surtos de infecções por E. coli e salmonela foram
rastreados até o leite cru. Ele também pode abrigar outros patógenos como
listeria e Campylobacter.
A pasteurização mata todos esses germes
nocivos, incluindo o H5N1, como mostra um estudo governamental recente.
No entanto, a refrigeração não. Um estudo
recente da Universidade de Stanford, que envolveu a contaminação de leite cru
com vírus da gripe e testes em células em placas de Petri, descobriu que o vírus
ainda podia infectar células por até cinco dias após ser refrigerado.
<><> Mantendo-se seguro
De acordo com o CDC, a melhor maneira de se
proteger da gripe aviária é evitar fontes de exposição. As pessoas podem
contrair gripe aviária quando vírus suficiente entra em seus olhos, nariz ou
boca ou quando o inalam. Isso geralmente requer exposição próxima e prolongada
a animais infectados.
Por esse motivo, o CDC recomenda que as
pessoas se mantenham afastadas de aves ou outros animais doentes ou mortos, e
evitem tocar em superfícies contaminadas com fezes ou saliva, como lixo ou
cama.
Se você precisar manipular aves, vacas ou
outros animais doentes, como em uma fazenda ou ambiente de resgate, o CDC
recomenda o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) apropriados. Isso
inclui:
• Óculos
de proteção;
• Luvas
descartáveis;
• Uma
máscara facial N95;
• Macacão;
• Botas
de borracha.
Como o leite cru pode carregar tantos germes
perigosos, especialistas aconselham evitá-lo e optar por produtos lácteos
pasteurizados.
Mas e quanto aos ovos crus? A Food and Drug
Administration (FDA), dos EUA, afirma que é improvável que ovos de um rebanho
infectado cheguem às prateleiras das lojas, pois as aves adoecem rapidamente
com a gripe aviária, e existem salvaguardas implementadas, como inspeções, para
evitar que ovos contaminados cheguem ao mercado.
Ainda assim, é uma boa ideia cozinhar ovos e
aves até uma temperatura segura e prevenir a contaminação cruzada entre
alimentos crus e cozidos na cozinha.
• Vírus
sobrevive em queijo de leite cru por meses, diz estudo
Queijo cru produzido com leite de gado
leiteiro infectado com gripe aviária pode abrigar o vírus infeccioso por meses
e pode representar um risco à saúde pública, de acordo com um novo estudo de
pesquisadores da Universidade Cornell, financiado pela Administração de
Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA).
Queijos de leite cru são aqueles feitos com
leite que não foi tratado termicamente ou pasteurizado para matar germes.
Embora a lei federal dos Estados Unidos
proíba a venda de leite cru entre estados, a venda de queijo de leite cru é
legal em todo o país, desde que seja maturado por pelo menos 60 dias antes de
chegar às prateleiras das lojas. Este requisito, em vigor desde 1949, é
considerado redutor do risco de contaminação, pois permite o desenvolvimento de
ácidos e enzimas naturais, que se acreditava eliminarem patógenos.
O novo estudo mostra que este processo de
maturação pode não inativar o vírus H5N1, no entanto, e ressalta o risco de
consumir alimentos crus ou mal cozidos durante o surto de gripe aviária, que
continua infectando gado leiteiro, aves e um número crescente de outras
espécies animais. O mesmo grupo de pesquisadores descobriu anteriormente que o
vírus H5N1 permaneceu infeccioso em leite cru refrigerado por até oito semanas.
Diego Diel, que liderou o estudo, acredita
que o vírus pode ser tão estável no leite e no queijo porque está protegido
pela complexa matriz de moléculas ao seu redor. “O conteúdo de proteína e
gordura no queijo e no leite fornece um bom ambiente para o vírus sobreviver em
temperatura de refrigeração”, diz Diel, professor associado de virologia em
Cornell.
Robert F. Kennedy Jr., secretário do
Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, afirmou que os alimentos não
representam risco de gripe aviária. “A doença não é transmitida através dos
alimentos, então você não pode pegá-la – até onde sabemos, você não pode
pegá-la de um ovo, leite ou carne de um animal infectado”, afirma Kennedy à Fox
News em uma entrevista exibida na terça-feira (11).
Mas isso é apenas parcialmente verdadeiro.
Gatos e outros animais foram infectados por leite cru de vaca e alimentos crus
para animais de estimação, e houve pelo menos três infecções humanas
confirmadas nas quais os investigadores não conseguiram determinar a fonte de
exposição da pessoa ao vírus H5N1.
Não houve relatos confirmados de pessoas
adoecendo por comer ou beber alimentos contaminados com gripe aviária,
incluindo queijo de leite cru, mas trabalhadores de laticínios foram infectados
ao serem atingidos por leite cru no rosto ou olhos.
Ainda não está totalmente claro se os humanos
podem ser infectados ao comer ou beber alimentos contaminados, segundo Diel,
observando que seu estudo não foi realmente projetado para responder a essa
questão. “Eu acho que é possível. Existe um risco de infecção”, afirma.
“Obviamente depende da dose, quanto desse produto contaminado é ingerido.”
Também pode depender da cepa do vírus no
leite ou queijo. Diel e sua equipe testaram a estabilidade do vírus B3.13, que
originalmente infectou o gado nos EUA em março de 2024. O B3.13 causou apenas
doença leve em pessoas. No entanto, uma nova cepa, D1.1, que foi associada a
alguns casos humanos graves, também passou para o gado, aumentando ainda mais o
risco.
<><> Avaliação do risco de
queijos crus
Para o estudo, os pesquisadores fizeram mini
queijos com leite contaminado com o vírus H5N1. Eles produziram estes queijos
em três níveis de pH: 6,6, 5,8 e a fórmula mais ácida, 5,0.
Os pesquisadores então testaram os queijos ao
longo do tempo para ver se permanecia algum vírus capaz de infectar células.
Eles injetaram amostras em ovos de galinha fertilizados, considerado o teste
padrão-ouro.
Os níveis do vírus permaneceram altos durante
os primeiros sete dias após a fabricação do queijo e depois caíram um pouco nos
queijos produzidos em níveis de pH 6,6 e 5,8. Mas, importante, o vírus
permaneceu infeccioso durante todo o período de maturação de dois meses,
mostrando que era notavelmente estável no queijo por um longo período.
Esses resultados foram confirmados por alguns
exemplos do mundo real. Os pesquisadores testaram amostras de queijo de leite
cru de uma fazenda que inadvertidamente os produziu com leite de vacas
infectadas com gripe aviária. Estes resultados também mostraram que os níveis
do vírus permaneceram altos e mantiveram-se infecciosos durante os dois meses
completos de maturação.
“Nosso estudo demonstra que o vírus HPAI H5N1
exibe notável estabilidade durante todo o processo de fabricação do queijo”,
escreveram os autores em seu estudo preliminar, publicado antes da revisão por
pares na sexta-feira (14).
No entanto, o estudo sugeriu que tornar o
queijo de leite cru mais ácido pode matar o vírus e tornar o queijo mais seguro
para consumo. Nenhum vírus vivo foi detectado no queijo produzido com o pH mais
baixo, 5,0. Estudos anteriores também demonstraram que os métodos comuns de
pasteurização inativam o vírus.
<><> Produtos pasteurizados são
mais seguros
Especialistas afirmaram que o novo estudo
estava consistente com testes de estabilidade do vírus no leite.
“Também observamos que o leite pode alterar o
pH necessário para inativar o vírus”, afirma Seema Lakdawala, professora
associada de microbiologia e imunologia da Universidade Emory, que tem estudado
a transmissão do H5N1.
“Nós e outros pesquisadores observamos
repetidamente que o leite impedirá a degradação do vírus em superfícies, e
aumenta a estabilidade do pH, de modo que é necessário um pH muito mais baixo
que o normal para inativar o vírus”, explica Lakdawala, que não participou do
novo estudo.
O FDA publicou as descobertas do estudo na
sexta-feira (14) junto com resultados preliminares de seu próprio estudo
contínuo de amostragem de queijo cru.
O estudo de amostragem do FDA, anunciado em
dezembro, testou 110 amostras de queijo retiradas de prateleiras de lojas em
todo o país. Até agora, 96 dessas amostras foram negativas pelo teste de reação
em cadeia da polimerase, ou PCR, que detecta tanto vírus vivo quanto partículas
virais inativas, indicando que esses queijos provavelmente não foram feitos com
leite contaminado. Os resultados das 14 amostras restantes estão pendentes,
informou a agência.
“O FDA continua trabalhando com parceiros
federais e estaduais para lidar com o surto contínuo de HPAI A (H5N1) em gado
leiteiro. O FDA amostrou um total de 464 produtos lácteos pasteurizados,
incluindo leite, queijo, manteiga e sorvete, todos negativos para H5N1 viável.
Além disso, múltiplos estudos de pesquisa confirmaram que a pasteurização
inativa o vírus”, afirmou o comunicado.
Ainda assim, especialistas dizem que o estudo
é um bom lembrete da importância da vigilância – e de não consumir produtos de
leite cru.
“Esta é mais uma razão pela qual devemos
insistir em garantir que não haja gripe aviária em produtos lácteos e consumir
apenas produtos lácteos pasteurizados”, finaliza Lakdawala.
Fonte: CNN Brasil

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