Mudanças climáticas: assim as favelas se
preparam
O dia
16 de março foi escolhido, no Brasil, como o Dia Nacional de Conscientização
sobre as Mudanças Climáticas, instituído pela Lei nº 12.533/2011. Neste
contexto, e em ano de Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas de 2025 no Brasil (COP30), o Dicionário de Favelas Marielle Franco traz para
discussão a emergência das favelas e periferias diante das injustiças ambientais e o agravamento
da crise climática. Esses territórios já são afetados pelos mais variados
extremos climáticos — tragédias que afetam diretamente o funcionamento normal
de uma comunidade, causando perdas materiais, danos ao ambiente e à saúde da
população. Vimos isso acontecer, por exemplo, pelos extremos de chuvas
torrenciais que assolaram estados como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, e
por uma das maiores secas da história, que acometeu diversas regiões, do
Sudeste ao Nordeste. Por ainda não sermos cidades resilientes — e nossas
favelas muito menos —, as pessoas sofrem cotidianamente com essa realidade.
Além
disso, os primeiros meses do ano de 2025 têm também registrado um aumento
assustador das temperaturas nas grandes cidades: o dia mais quente do Rio de Janeiro
em 2025 foi em fevereiro, quando a temperatura chegou a 44°C. Este foi o maior
valor registrado na cidade desde 2014, quando começaram as medições do Sistema
Alerta Rio. O recorde de sensação térmica foi de 62,3°C, em Guaratiba, Zona
Oeste da cidade. Enquanto isso, as praias lotadas da Zona Sul do Rio viraram
manchetes, com fotos e narrativas romantizadas pela mídia comercial.
Não há
mais como negar. Populações de todo o mundo vivem hoje sob graves consequências
das mudanças climáticas, resultado das explorações de recursos que,
principalmente, países ricos e suas empresas cometeram e ainda cometem ao longo
dos séculos. Estudiosos sobre o tema, organizações sociais e populações
originárias por anos fazem alertas e lutam contra essas explorações e impactos
nos seus devidos territórios. É preciso falar sobre o racismo ambiental, sobre
quem são os povos mais atingidos pela negligência do Estado, pela ausência de
políticas e de soluções concretas, para além das discussões técnicas, caras,
futuristas e, em geral, fora da realidade.
- As
responsabilidades dos governos e das empresas
Segundo
a campanha da Organização das Nações Unidas com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS),
registros dão conta que, desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal
impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de
combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás. “A queima de combustíveis
fósseis gera emissões de gases de efeito estufa que agem como um grande
cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as
temperaturas. Exemplos de emissões de gases de efeito estufa que estão causando
mudanças climáticas incluem dióxido de carbono e metano, vindos do uso de
gasolina para dirigir um carro ou carvão para aquecer um prédio, por exemplo”.
O desmatamento de terras e florestas também pode liberar dióxido de carbono,
assim como aterros para lixo são uma das principais fontes de emissões de
metano. Energia, indústria, transporte, edificações, agricultura e uso da terra
estão entre os principais emissores.
No
Brasil, um país de tamanho continental, conhecido mundialmente pela região
amazônica, os impactos são diversos. Apesar de ter passado por um processo de
desindustrialização no início deste século, o agronegócio segue como uma das
principais fontes de produção e exportação, um dos maiores emissores de gases
poluentes — junto ao petróleo, energia não renovável. Nos últimos anos,
inclusive, em razão da manutenção de uma política de investimento ao agro,
desmatamentos e queimadas devastaram florestas e populações. Por isso, o país
possui muitas responsabilidades.
Dados do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram a dimensão das mudanças climáticas — que se
manifestam, por exemplo, em ondas de calor. “No período de referência, entre
1961 e 1990, o número de dias com ondas de calor era de sete e se ampliou para
52 dias no período entre 2011 e 2020. As precipitações nos últimos anos reduziram
em uma média de 10% a 40% no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, contribuindo
para a severa seca de 2024”. Nesta mesma pesquisa, é revelado que, por outro
lado, “o Sul e parte de São Paulo e Mato Grosso do Sul apresentaram um aumento
de 10% a 30% nas chuvas”. Ainda de acordo com o Instituto, essa distribuição
irregular das precipitações, combinada com outros fatores como queimadas
provocadas, intensificou os incêndios florestais em mais de 60% do território
nacional. Além disso, “o número de dias seguidos sem chuva no país cresceu 25%
em 60 anos, passando de 80 para 100 dias, em média. Fato que reforça como
caminhamos para uma piora no âmbito climático é que a maior parte desse aumento
se deu nos últimos 30 anos, com o acréscimo de 15 dos 20 dias adicionados à
média”.
Um estudo da Coppe/UFRJ sobre
estratégias de adaptação às mudanças climáticas na cidade do Rio de Janeiro identificou o
potencial de exposição e avaliou a vulnerabilidade de várias zonas da cidade.
Diante de um cenário de mudanças climáticas e crise ambiental, é notório que
favelas e periferias de todo o país tendem a ser ainda mais afetadas, entendendo
que se trata de espaços negligenciados pela ausência de políticas públicas e
que têm constantemente seus direitos violados, principalmente, os direitos à
saúde, à educação e ao saneamento. A falta de infraestrutura adequada,
aliada à escassez de áreas verdes e serviços públicos, intensifica os efeitos
das mudanças climáticas nas favelas, perpetuando um ciclo de desigualdade
ambiental.
Isso quer dizer que os moradores dessas áreas vulneráveis enfrentam
dificuldades constantes para ter acesso a benefícios ambientais essenciais,
como ar limpo, água potável e espaços verdes. Ao mesmo tempo, eles estão
continuamente expostos a riscos ambientais maiores, como poluição, enchentes e
deslizamentos.
Gabriela
Santos, moradora do Complexo do Alemão, na Zona Norte do município do Rio de
Janeiro, e co-fundadora da ONG Voz das Comunidades, graduanda em
geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dedica-se a
investigar potencialidades dos territórios e mudanças climáticas, com foco em mobilização
e criação de soluções inclusivas. Ele afirma, em entrevista ao InVivo –
Museu da Vida Fiocruz: “as favelas enfrentam desafios únicos, como
alta densidade populacional, infraestrutura precária e condições de habitação
inadequadas, que as tornam especialmente suscetíveis aos impactos das mudanças
climáticas”.
A
questão habitacional e de saneamento básico são históricos problemas
enfrentados pela população favelada e periférica. Além dos impactos climáticos,
essa falta de estrutura habitacional prejudica a saúde da população favelada,
pois a falta de acesso à água potável e a
um ambiente com luz solar, aumentam os riscos de doenças como a tuberculose, por exemplo.
Segundo o Boletim Epidemiológico da Tuberculose
do Ministério da Saúde divulgado em 2022, pela primeira vez em uma década,
a taxa de óbitos por tuberculose a cada 100 mil habitantes aumentou. “Pelos
dados de 2021, o Rio de Janeiro é o segundo estado com maior incidência da
doença, com 67,4 casos a cada 100 mil habitantes, atrás apenas do Amazonas, com
71,3. O aumento registrado não foi somente na taxa de mortalidade; a de
letalidade também subiu”. Segundo o Ministério da Saúde, em 2019, a letalidade
no Rio de Janeiro era de 6,58%; em 2021 a taxa subiu para 6,72%.
A essas
históricas ausências de direitos que tornam a vida dos favelados e periféricos
do país mais vulneráveis diante da grave crise climática atual, são nomeadas
como “racismo ambiental”. Desde 2010,
o Mapa de Conflitos envolvendo
Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, um projeto da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) cujo objetivo é apresentar a visão das populações atingidas por essas
pautas, suas demandas, estratégias de resistência e propostas de
encaminhamento, faz um levantamento de conflitos socioambientais no país. Até
abril de 2022, os pesquisadores já haviam contabilizado 615 conflitos. A
análise desses dados evidencia o racismo ambiental: São 184 casos de lutas de
povos indígenas por seus direitos, 134 de quilombolas, 74 de ribeirinhos, 68 de
comunidades urbanas, entre outros. O Mapa, ao ser construído, levou em
consideração o tipo de população atingida e o local do conflito, como por
exemplo: povos indígenas, operários, quilombolas, agricultores familiares,
moradores em encostas, ribeirinhos, pescadores, população periférica, tanto em
áreas urbanas quanto rurais. Ainda segundo o estudo, foi considerado “a síntese
do conflito e o contexto ampliado do mesmo, apresentando os principais
responsáveis pelo conflito, as entidades e populações envolvidas na luta por
justiça ambiental, os apoios recebidos ou não (como participação de órgãos
governamentais, do Ministério Público e de parceiros da sociedade civil), as
soluções buscadas e/ou encontradas”.
- Quais as
soluções criadas pelas favelas e periferias?
Diante
de tantas circunstâncias que deixam escancaradas a negligência e a falta de
políticas públicas para as favelas e periferias, os moradores – como é o
movimento natural da comunidade – encontram meios de sanar algumas dessas
questões. Como exemplo disso, Lorena Froz, nascida e criada na Maré, favela
localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, é fundadora do ‘Faveleira’,
Coletivo cujo objetivo é produzir conteúdos ligados ao meio ambiente com
pessoas que moram em favelas. “Quando começam a falar de justiça climática
sempre falam de algo muito externo, algo muito de fora, e a gente esquece de
discutir o que está acontecendo aqui no micro. No Conjunto de Favelas da Maré,
por exemplo, é muito preocupante quando a gente pensa na crise climática que
acontece na região.”, diz a engenheira ambiental. Para Lorena, é importante que
se aborde a problemática do tema ao dia a dia da população: “A
gente pode falar sobre crise climática e sustentabilidade falando sobre
absolutamente qualquer coisa, está inserido em absolutamente tudo. Não tem como
a gente viver ignorando essas duas temáticas.”, complementa.
Outro
exemplo é a Rede Favela Sustentável, um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat) desenhado para
construir redes de solidariedade, dar visibilidade, e desenvolver ações
conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a
sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região
metropolitana do Rio de Janeiro. A Rede é formada por 700 integrantes, sendo
mobilizadores comunitários de mais de 300 favelas do estado do Rio de Janeiro,
com objetivo de trabalhar integrados na luta por justiça climática através da
realização do potencial das favelas como modelos de comunidades sustentáveis.
Reaproveitando
resíduos e recriando a partir de sucatas, Valdirene Militão, também do Conjunto
de Favelas da Maré, trabalha em prol da sustentabilidade e da emancipação
econômica das mulheres. Por meio de oficinas, ela as ensina a reaproveitar
restos de materiais das mais variadas origens para comercializá-los de
diferentes formas, o que possibilita a geração de renda para as artesãs. Além
disso, Valdirene fomenta outras iniciativas sustentáveis, sendo uma das
idealizadoras do Projeto Ricardo Barriga, que surgiu na
pandemia do coronavírus, em 2020, cujo atividades desenvolvidas têm por
objetivo promover a cultura da sustentabilidade, como a oficina de sabão feito
com óleo de cozinha usado.
Outra
iniciativa que usa óleo de cozinha usado é de Begha Silva, também morador da
Maré, que recolhe o material para financiar seu projeto de cinema a céu aberto.
A ideia surgiu em 2013, enquanto Begha, que trabalha usando uma caixa de som e
uma bicicleta fazendo anúncios pela favela, notou a curiosidade com que os
pequenos acompanhavam o seu trajeto. O ‘Cinema do Beco’, como ficou oficialmente conhecido, é
itinerante e transita por todas as favelas que compõem a Maré, compartilhando
cultura e conhecimento com crianças e jovens do território. Assim como Bhega,
temos também trabalhos sobre sobre sustentabilidade e ação ambiental nas
favelas,
como uma campanha que transforma óleo reciclado em cestas básicas, o uso de
energia solar no Vidigal, a Horta-Escola Comunitária Maria Angu na Favela da
Kelsons e o biossistema de saneamento ecológico
do Vale Encantado,
que trata 100% do esgoto da comunidade.
Inclusive,
em junho 2022 aconteceu um encontro para construção da “Carta de Direitos Climáticos da Maré”, organizado
pelo The Climate Reality Project Brasil em parceria com as organizações
e iniciativas Cocô Zap, Data_Lab, Faveleira, Raízes da Mata Maré e Redes da
Maré. O evento contou com a presença de 29 moradores do território e
facilitadores. Eles debateram os impactos do clima em suas vidas e selecionaram
4 eixos temáticos para criar demandas que buscam construir um futuro melhor
para a comunidade em tempos de emergência climática. Este eixo foi também
considerado no Plano de Ação Popular do CPX, do Complexo do
Alemão, no Rio de Janeiro, mobilizado pelo Instituto Raízes em Movimento, em parceria com o
Ibase, a Agência do Bem e a Casa Fluminense.
A
constatação sobre os efeitos catastróficos do atual modelo agrícola praticado
pelo agronegócio suscitou, desde a segunda metade do século passado, debates
sobre um modelo de desenvolvimento econômico que não ponha em risco a
sociedade, a vida humana e o meio ambiente. Inúmeros esforços vêm sendo
empreendidos para evitar as tragédias ambientais, cada vez mais comuns, e que
atingem especialmente as populações mais vulneráveis. Falar em “agroecologia”, portanto, deve
levar em consideração questões sociais, políticas, ambientais, culturais,
energéticas e éticas ao modo de produzir e se relacionar com a natureza. Hoje,
as áreas verdes nas favelas são raras, como o Parque Ecológico da Maré, única
área verde no Complexo da Maré (RJ) e a Serra da Misericórdia, patrimônio
ambiental na Zona Norte do Rio de Janeiro. Diante desse contexto, há diversos
projetos agroecológicos em favelas e periferias que atuam na preservação dos
espaços verdes e têm promovido, historicamente, iniciativas que envolvem saúde,
educação, cultura, infraestrutura e meio ambiente.
Os mutirões são um exemplo
de prática comum a esses projetos, onde moradores se encontram para fazer a limpeza
de espaços públicos, cuidar das hortas, realizar o plantio de mudas nativas e
outras atividades, fortalecendo assim a participação comunitária e o sentido de
pertencimento àquele território. Já as hortas comunitárias são uma
importante ferramenta de garantia da segurança alimentar, com a produção de
alimentos saudáveis e sem venenos para o consumo dessas populações. E o excedente
geralmente é doado para famílias vulneráveis ou vendido em feiras do território
ou do entorno, impulsionando a geração de renda dos envolvidos.
Além
disso, muitos projetos agroecológicos nas favelas promovem rodas
de conversas e oficinas sobre práticas como o plantio de mudas, a produção de
hortas, o desenvolvimento de tecnologias agroecológicas, constituindo-se em
espaços de partilha de saberes populares entre os moradores. Muito mais do que
novas práticas e técnicas, a agroecologia é justamente o resgate dos saberes
dos mais velhos, dos antepassados que produziam seus alimentos nas hortas e roçados
de forma agroecológica.
Nas
favelas da Babilônia e Chapéu Mangueira, na Zona Sul do Rio de Janeiro, existe
desde 2011, o Favela Orgânica, uma iniciativa
pioneira que trabalha com uma abordagem holística que engloba conceitos como
consumo consciente, gastronomia alternativa, compostagem caseira e hortas em
pequenos espaços, o projeto já levou suas oficinas e palestras para diversos
estados do Brasil, bem como países como França, Itália e Uruguai. “O Favela
Orgânica também promove uma mudança na cultura de consumo e desperdício:
compra-se menos e gera-se mais comida com a mesma quantidade de alimentos
quando esses são aproveitados integralmente. As partes não aproveitadas na produção
da refeição passam a ser vistas como matéria prima para a produção de adubo e
não mais como lixo”.
O Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA), movimento social de quase três décadas
e de alcance nacional, que tem como objetivo organizar o campesinato brasileiro
e lutar por soberania alimentar, realiza em diversos estados brasileiros, junto
às favelas, periferias, quilombos e campos, eventos, congressos e formações
sobre agroecologia e clima para reversão das mudanças climáticas. Para eles, “a
soberania alimentar e agroecologia é a grande chave para incluir milhões de
famílias camponesas na produção sustentável de alimentos, promovendo produção
de alimentos, protegendo a biodiversidade, as fontes de água e ampliando a
oferta de comida de verdade, diversificada e nutritiva para o povo brasileiro”.
Neste trabalho, eles criam ainda espaços de diálogo nas
comunidades,
cidades, escolas, institutos e universidades, a fim de debater com diferentes
setores sociais, sobre os problemas da fome e das mudanças climáticas, assim
como apresentar as alternativas estratégicas que o movimento propõe.
Temos
ainda exemplos de soluções quando falamos de reciclagem. Em 2008, foi criado
o Projeto Coletando, empresa criada por
Saulo Ricci que possui 12 pontos de coleta distribuídos em comunidades de 6
estados do país. Nascido e criado na região do Jaraguá, Saulo encontrou
inspiração na profissão da mãe para criar o “Coletando”, uma startup que
incentiva a prática de reciclagem nas favelas do Brasil por meio de
ecopontos itinerantes dentro de comunidades da periferia. “Esses ecopontos
operam como franquias e são financiados por grandes corporações que, de acordo
com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), são obrigados a reciclar
pelo menos 30% das embalagens que distribuem no mercado. Desse modo, os
materiais recicláveis coletados são trocados por dinheiro creditado em uma
conta digital no nome dos recicladores”.
Havendo
percebido a importância existencial de as próprias favelas coletarem dados para
incidência durante a pandemia, as Comunidades Catalisadoras (ComCat)
promoveram, em 2022, o curso ‘Pesquisando e Monitorando a
Justiça Hídrica e Energética nas Favelas’, no âmbito das discussões do Painel
Unificador das Favelas e da Rede Favela Sustentável. O curso foi construído com
o objetivo de desmistificar o processo de coleta e compreensão de dados e
garantir o controle na geração de dados pelos próprios territórios, mirando a
incidência política. O tema definido para o curso inaugural foi justiça hídrica
e energética, pela natureza fundamental de ambos para o pleno desenvolvimento e
inclusão das favelas.
Como
resultado desses movimentos que vêm sendo feitos dentros dos territórios mais
tradicionais do nosso país, organizações e movimentos sociais lançaram, em
2024, uma campanha por justiça climática no Rio de Janeiro e cobram mudanças na
legislação municipal: “Rio, Capital do Caô Climático” leva em
pauta ondas de calor insuportáveis e enchentes causadas pelo colapso climático,
que mais uma vez atingem com maior força as comunidades mais vulneráveis. Além
disso, existem a Coalizão pelo Clima SP e a Coalizão pelo Clima RJ, ambos grupos de articulação de
ativistas que desejam reverter o colapso climático em seus respectivos estados.
A Marcha Global pelo Clima é realizada
mobilizando iniciativas de lideranças, coletivos e ativistas da área ambiental
e a sociedade civil para se reunirem em prol do direito de um futuro mais justo
e saudável. Para conhecer melhor cada uma destas iniciativas apresentadas aqui
no artigo, leia o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
- Mas o que os
governos têm feito?
O
Brasil está se preparando para receber a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças
Climáticas, a COP30,
que ocorrerá em novembro no estado do Pará, na região Norte. Entre os temas
discutidos durante todo o evento, destacamos: 1. Adaptação às mudanças
climáticas; 2. Preservação de florestas e biodiversidade; e 3. Justiça
climática e os impactos sociais das mudanças climáticas. Mas, para além dos
discursos e das mesas de debate, o que temos efetivamente?
Quando
falamos de políticas públicas pensadas para sanar esse problema, é difícil
mapear o que de fato é executado por parte do estado. Em Manguinhos, no Rio de
Janeiro, há a maior horta comunitária da América Latina. Ocupa espaço
equivalente a quatro campos de futebol e chega a produzir duas toneladas de
alimentos por mês. Foi criada em 2013. É originária do programa Hortas
Cariocas, desenvolvido pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Ainda sobre a cidade
carioca, foi desenvolvido o PDS – Plano de Desenvolvimento Sustentável
e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro, documento cujo objetivo central é a
construção das políticas municipais alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030, e assim nortear as ações da Prefeitura ao longo das
diferentes administrações.
No
âmbito federal, o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2025 reduz os
recursos que serão empregados nas áreas de saneamento e urbanismo,
segundo análise do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc). Segundo o estudo, o orçamento de iniciativas para o
saneamento foi reduzido de R$3,1 bilhões em 2024 para R$1,9 bilhão em 2025,
enquanto os projetos de urbanismo passarão a contar com R$2,8 bilhões este ano
ao invés dos R$3,2 bilhões do ano anterior. A análise frisa que o programa Periferia Viva, voltado ao “apoio à
urbanização de assentamentos precários” vai sofrer um corte de 30% em seu
orçamento para o ano de 2025, enquanto o programa Cidades Melhores, que
requalifica áreas urbanas e leva em conta a adaptação climática, será cortado
pela metade; passará a contar com R$60 milhões para gastar em 2025, contra R$116
milhões que estavam a disposição em 2024. Os dados se referem a projetos do
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Ministério das Cidades.
Em entrevista para o InVivo – Museu
da Vida Fiocruz,
a pesquisadora Julia Rossi destaca algumas ações que poderiam ser realizadas
para solucionar alguns dos problemas encontrados. Suas linhas de pesquisa são
desigualdade espacial e a luta por justiça ambiental, principalmente o acesso
ao saneamento básico em favelas no Rio de Janeiro. “(…) implantar sistemas de
drenagem que utilizem técnicas como bioengenharia (área de atuação
que une os conceitos de engenharia aos da biologia), valas de infiltração (vala
escavada no solo utilizada no tratamento e manejo sustentável de águas
residuais) e chão permeável para reduzir alagamentos”. Trazendo para a
tecnologia, Julia aponta que “outra estratégia é desenvolver aplicativos que
ajudem os moradores a reportar problemas, como alagamentos ou deslizamentos,
permitindo o compartilhamento de informações sobre riscos. Sem falar na
possibilidade de implementação de sistemas de monitoramento em tempo real para
alertar sobre condições climáticas extremas e riscos potenciais”.
O certo
é que, para cidades e favelas resilientes frente à emergência da crise
climática, é necessário o reconhecimento das várias iniciativas de moradores e
moradoras na conscientização e denúncia sobre o racismo ambiental e na mitigação
de seus efeitos em seus territórios. Porém, a vida das populações é
responsabilidade do Estado e seus governos, sendo o direito à natureza e ao
meio ambiente um direito fundamental de cidadania. Para tanto, apenas mudanças
estruturais a nível macro, como as relacionadas a políticas públicas de saúde e
habitação para populações vulneráveis, bem como políticas de transição
energética em consideração ao atual processo produtivo, serão capazes de
garantir direitos básicos às populações. Os movimentos sociais são atores
importantes no desenvolvimento de estratégias, mas não podem ser ainda mais
onerados pela falta de ação dos poderosos. Como aponta Ailton Krenak, líder
indígena, ambientalista e filósofo, o futuro é ancestral. Não teremos futuro
sem o resgate das cosmovisões sustentáveis do passado e a responsabilização
daqueles que historicamente nos destroem.
Fonte:
Por Gizele Martins, Juliana Pinho e Clara Polycarpo,
no Wikifavelas

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