quinta-feira, 20 de março de 2025

Miguel do Rosário: Porque um PIB forte e bem distribuído é mais importante que pesquisa de aprovação

O PIB de 2024 fechou com um crescimento vigoroso de 3,4%, segundo o IBGE. O desempenho foi especialmente positivo em função de alguns fundamentos por trás desse número, como o crescimento de 7,3% no investimento e de 4,8% no consumo das famílias.

Uma comparação internacional organizada pelo Ministério da Fazenda colocou o país em quarto lugar dentre os países do G20 que mais cresceram no ano passado, atrás apenas da Índia (6,7%), Indonésia (5%) e China (5%).

A saudosa Maria da Conceição Tavares imortalizou o dito de que “o povo não come PIB”, mas essa é apenas uma frase de efeito. Genial, mas imprecisa. Tinha mais sentido no tempo em que foi pronunciada, quando o Brasil emergia de um longo período autoritário, durante os quais experimentamos anos de forte crescimento econômico associados ao declínio dos salários, e do avanço da pobreza e da desnutrição infantil. Era um tempo em que não havia os grandes programas sociais que foram implementados após a redemocratização, especialmente a partir da eleição de Lula em 2002.

Hoje o povo come PIB, sim. Não todo, mas uma parte expressiva, como se podem constatar pelo aumento na massa salarial, na renda média real, nos números do consumo e na diminuição do desemprego.

Além disso, o crescimento do PIB gerou mais receita para o governo, o que por sua vez permitiu um crescimento vigoroso nas despesas com saúde, educação e assistência social.

Outro ponto muito positivo nos relatórios sobre o PIB foi a recuperação da produção industrial brasileira, especialmente o setor de transformação, ou seja, aquele que mais propriamente chamamos de “manufatureiro”, e que exclui a chamada indústria extrativa, muito inflada no Brasil por causa da nossa riqueza em minérios.

Esses números me parecem tão ou mais importantes, para a análise política, do que números de pesquisa de aprovação, porque eles nos permitem olhar a floresta, e não a árvore. Se o país estivesse num processo de forte crise econômica, aumento no desemprego e desindustrialização, a interpretação sobre uma queda nas pesquisas, seria inteiramente distinta. Como não é isso que vem ocorrendo, mas exatamente o oposto, temos que abordar a conjuntura por outro ângulo.

Em certo sentido, a tirada da professora Conceição também vale para essa situação, porque é um fato que a melhora no emprego e na economia em geral não elimina os problemas de segurança pública e mobilidade urbana. Muitas vezes, agrava-os. O cidadão que obtém um emprego formal muitas vezes precisa fazer um deslocamento diário que antes não fazia, e por isso irá experimentar problemas de mobilidade que antes não tinha. A mesma coisa vale para a sensação de segurança. O cidadão que não possui nada tem menos preocupação com segurança do que aquele que melhora de condição e consege adquirir um celular novo, por exemplo.

Aliás, por essas mesmas razões é tão comum, apesar de contra-intuitivo, que se note aumento da insatisfação em momentos de bonança. O cidadão, menos pressionado por aquele desespero primevo de não ter como se alimentar ou sustentar a família, terá mais condições psicológicas de prestar atenção a outros problemas da cidade e do país.

De qualquer forma, o crescimento econômico registrado em 2024 tem um valor político infinitamente superior a uma pesquisa de aprovação, ainda mais considerando que o presidente Lula ainda mantém, mesmo tendo perdido alguns pontos, aprovação pessoal igual ou superior a 40% em quase todas as sondagens. Refiro-me, naturalmente, as pesquisas que oferecem pontuação binária de aprovação versus rejeição, e não àquelas que dividem a avaliação em três grandes tipos ótimo/bom, regular e ruim/péssimo. A grosso modo, a nota de regular tende a se converter metade em aprovação e metade em rejeição.

Uma economia em recuperação, quando associada ao emprego e oferta crescente de programas sociais, cria um ambiente de estabilidade política que torna muito mais fácil, para  o governo, construir uma campanha de recuperação da confiança popular. Isso é óbvio.

Além disso, agora já está mais claro, por exemplo, que a inflação dos alimentos não é um problema estrutural. Não está havendo nada de excepcional nessa esfera, e tudo indica – embora isso seja o tipo de coisa que a gente só poderá cravar quando se materializar – que este índice deverá ceder ao longo de 2025, especialmente no segundo semestre, quando a nova supersafra de grãos entrar no mercado.

A estabilização do câmbio também me parece um fator a ser levado em conta nos prognósticos para inflação. Eu sempre defendi, por aqui, um ponto básico: um país com a capacidade de exportar quase US$ 350 bilhões em 12 meses dificilmente terá problema de “desvalorização” cambial por muito tempo. Somos vulneráveis à especulação cambial, isso sim, até por nossa instabilidade política. Mas elas tendem a durar pouco. Não estamos mais nos anos 90, quando nossa exportação era ridícula. Os ataques especulativos vistos no segundo semestre de 2024 serviram pelo menos para gerar anticorpos: será mais difícil, ao menos durante o resto do mandato do presidente Lula, que isso volte a acontecer.

Enfim, o governo Lula continua firme, e favorito para a reeleição em 2026, como inclusive mostram pesquisas. Mas não será fácil, naturalmente, até porque a população ficará, a cada dia, mais exigente. Não é esse, afinal, o grande trunfo do regime democrático?

Alguns analistas lembram que o governo Biden também registrou bons números econômicos, mas isso não foi suficiente para reelegê-lo. Ora, hoje me parece mais forte a hipótese de que o governo Biden foi devorado por sua obsessão por guerras. Uma administração que havia iniciado com grandes expectativas de transformação econômica terminou melancolicamente, associada a anúncios pomposos e frequentes, de que o governo estaria assinando um novo cheque multiblionário para novas guerras no exterior. Isso tirou completamente o brilho de Biden. O presidente Lula jamais terá esse problema. Muito pelo contrário. O desdobramento dos problemas internacionais tendem a dar razão a Lula, pois agora está mais claro para todos que a guerra na Ucrânia precisa ser encerrada através de ações diplomáticas, e que a tragédia em curso na Palestina é um genocídio abominável.

Abaixo, alguns gráficos que considero úteis para o internauta ter uma ideia melhor do que aconteceu na economia brasileira em 2024.

Chamo atenção para alguntos pontos.

O avanço da indústria brasileira de transformação tem sido impressionante. Ela foi a grande responsável pelo desempenho do PIB no ano passado.

O investimento também chamado tecnicamente de Formação Bruta de Capital Fixo, e que corresponde ao investimento de empresas na construção de novas instalações industriais, aquisição de máquinas e equipamentos, além da contratação do pessoal necessário para geri-los, experimentou um crescimento extremamente forte em 2024. A construção civil, sempre um termômetro importante para o nível de atividade econômica, também vem crescendo bastante nos últimos meses.

As exportações da indústria de transformação, por sua vez, alcançaram, nos últimos 12 meses, até fevereiro, o segundo maior resultado da história, na verdade particamente repetindo o recorde histórico registrado nos 12 meses até fevereiro de 2023.

Enfim, quem precisa estar bem é a população, não o governo. Se a economia vai bem, tudo ficará mais fácil, desde que o governo também faça a sua parte, de oferecer mais infra-estrutura e logística, para que este crescimento possa prosseguir de maneira sustentável, e melhorar em qualidade.

¨      Bom desempenho de setores de alta complexidade gera expectativa de renascimento da indústria nacional

Após décadas de estagnação e declínio, a indústria nacional está renascendo? Há pouquíssimo tempo atrás, a resposta a essa pergunta será imediata e peremptória: um sonoro e melancólico NÃO! Assim mesmo, em caixa alta e com exclamação.

Desde o final da década de 80, o Brasil vinha registrando um acelerado processo de desindustrialização. Parte disso era explicada por mudanças tectônicas na divisão internacional do trabalho, que impactou o planeta inteiro, causadas pela entrada violenta da China no mercado mundial de manufaturados.

Mas nem tudo poderia ser atribuído a isso, sobretudo quando se notava que alguns países, como Alemanha, Coreia do Sul e Vietnã, para citar alguns, avançavam de maneira formidável nessa nova etapa da história econômica global. Hoje em dia, por razões geopolíticas muito específicas, a Alemanha parece ter se descolado desse grupo e vive um ciclo de declínio industrial preocupante.

Dessa vez, todavia, temos indícios promissores de que a indústrial nacional está se recuperando. Se ela resistir a essa última onda de apertamento dos juros, deflagrada pelo Banco Central, poderemos estar diante de um verdadeiro renascimento industrial no país.

Os números divulgados hoje, 11 de março de 2025, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), autorizam alguns prognósticos otimistas, sobretudo quando examinamos os os setores mais sofisticados da indústria: bens de capital e bens de consumo duráveis.

No acumulado dos últimos 12 meses, de fevereiro de 2024 a janeiro de 2025, a produção de bens de capital teve um expressivo avanço de 9,6% em relação aos 12 meses anteriores. Já os bens de consumo duráveis cresceram impressionantes 11,7% nesse mesmo período, refletindo o aquecimento da demanda por automóveis e eletrodomésticos.

Outros setores de alta complexidade também tiveram desempenhos notáveis no acumulado dos últimos 12 meses.

A fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias avançou 13,4% em comparação com os 12 meses anteriores.

A produção de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos cresceu 13,3% no mesmo período, enquanto máquinas, aparelhos e materiais elétricos registraram alta de 13,1%.

A indústria moveleira também teve um crescimento significativo, com aumento de 10,1% em relação ao período anterior. Esse crescimento reforça a retomada do setor produtivo nacional, com maior dinamismo nos segmentos de maior valor agregado.

Na comparação com janeiro de 2024, a produção industrial de janeiro de 2025 registrou alta de 1,4%, marcando o oitavo resultado positivo consecutivo.

Mais uma vez, os bens de consumo duráveis lideraram a expansão, com crescimento de 16,6% em relação a janeiro de 2024. Os bens de capital também tiveram um desempenho expressivo, com alta de 8,2% na mesma comparação.

Entre os setores que mais cresceram na comparação entre janeiro de 2025 e janeiro de 2024, a produção de produtos têxteis teve o maior avanço, com alta de 17,5%. Máquinas, aparelhos e materiais elétricos cresceram 14,5%, enquanto máquinas e equipamentos tiveram expansão de 14,1%. A produção de veículos automotores, reboques e carrocerias subiu 13,4% na mesma comparação, consolidando a recuperação da indústria automobilística.

Já na variação mensal, a indústria interrompeu três meses seguidos de queda e manteve-se estável (0,0%) na passagem de dezembro de 2024 para janeiro de 2025, evidenciando um processo de adaptação após o impacto das paralisações típicas de fim de ano. O setor de máquinas e equipamentos teve alta de 6,9% e reverteu a perda registrada em dezembro, enquanto a produção de veículos cresceu 3,0%.

Apesar da recuperação de diversos segmentos, alguns setores ainda enfrentam dificuldades. No acumulado dos últimos 12 meses, a produção das indústrias extrativas recuou 0,9% em relação aos 12 meses anteriores, impactada por paralisações em plataformas de petróleo e menor extração de minério de ferro. No mesmo período, a impressão e reprodução de gravações teve queda de 2,5%, enquanto a fabricação de produtos do fumo recuou 1,5%.

Na comparação entre janeiro de 2025 e janeiro de 2024, as indústrias extrativas registraram uma queda ainda maior, de 5,2%, influenciada principalmente pela redução na extração de petróleo e minério de ferro. Outros setores também tiveram quedas expressivas, como a produção de bebidas (-5,1%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,8%) e celulose, papel e produtos de papel (-3,1%).

Embora os desafios persistam em algumas áreas, os dados indicam que a recuperação da indústria tem ganhado força. Os segmentos de bens de capital e bens duráveis seguem liderando o crescimento e consolidando um novo ciclo de expansão do setor produtivo no Brasil.

 

Fonte: O Cafezinho

 

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