![]() |
Miguel do Rosário: Porque um PIB forte e bem
distribuído é mais importante que pesquisa de aprovação
O PIB de 2024 fechou com um crescimento
vigoroso de 3,4%, segundo o IBGE. O desempenho foi especialmente positivo em
função de alguns fundamentos por trás desse número, como o crescimento de 7,3%
no investimento e de 4,8% no consumo das famílias.
Uma comparação internacional organizada pelo
Ministério da Fazenda colocou o país em quarto lugar dentre os países do G20
que mais cresceram no ano passado, atrás apenas da Índia (6,7%), Indonésia (5%)
e China (5%).
A saudosa Maria da Conceição Tavares
imortalizou o dito de que “o povo não come PIB”, mas essa é apenas uma frase de
efeito. Genial, mas imprecisa. Tinha mais sentido no tempo em que foi
pronunciada, quando o Brasil emergia de um longo período autoritário, durante
os quais experimentamos anos de forte crescimento econômico associados ao
declínio dos salários, e do avanço da pobreza e da desnutrição infantil. Era um
tempo em que não havia os grandes programas sociais que foram implementados
após a redemocratização, especialmente a partir da eleição de Lula em 2002.
Hoje o povo come PIB, sim. Não todo, mas uma
parte expressiva, como se podem constatar pelo aumento na massa salarial, na
renda média real, nos números do consumo e na diminuição do desemprego.
Além disso, o crescimento do PIB gerou mais
receita para o governo, o que por sua vez permitiu um crescimento vigoroso nas
despesas com saúde, educação e assistência social.
Outro ponto muito positivo nos relatórios
sobre o PIB foi a recuperação da produção industrial brasileira, especialmente
o setor de transformação, ou seja, aquele que mais propriamente chamamos de
“manufatureiro”, e que exclui a chamada indústria extrativa, muito inflada no
Brasil por causa da nossa riqueza em minérios.
Esses números me parecem tão ou mais
importantes, para a análise política, do que números de pesquisa de aprovação,
porque eles nos permitem olhar a floresta, e não a árvore. Se o país estivesse
num processo de forte crise econômica, aumento no desemprego e
desindustrialização, a interpretação sobre uma queda nas pesquisas, seria
inteiramente distinta. Como não é isso que vem ocorrendo, mas exatamente o
oposto, temos que abordar a conjuntura por outro ângulo.
Em certo sentido, a tirada da professora
Conceição também vale para essa situação, porque é um fato que a melhora no
emprego e na economia em geral não elimina os problemas de segurança pública e
mobilidade urbana. Muitas vezes, agrava-os. O cidadão que obtém um emprego
formal muitas vezes precisa fazer um deslocamento diário que antes não fazia, e
por isso irá experimentar problemas de mobilidade que antes não tinha. A mesma
coisa vale para a sensação de segurança. O cidadão que não possui nada tem
menos preocupação com segurança do que aquele que melhora de condição e consege
adquirir um celular novo, por exemplo.
Aliás, por essas mesmas razões é tão comum,
apesar de contra-intuitivo, que se note aumento da insatisfação em momentos de
bonança. O cidadão, menos pressionado por aquele desespero primevo de não ter
como se alimentar ou sustentar a família, terá mais condições psicológicas de
prestar atenção a outros problemas da cidade e do país.
De qualquer forma, o crescimento econômico
registrado em 2024 tem um valor político infinitamente superior a uma pesquisa
de aprovação, ainda mais considerando que o presidente Lula ainda mantém, mesmo
tendo perdido alguns pontos, aprovação pessoal igual ou superior a 40% em quase
todas as sondagens. Refiro-me, naturalmente, as pesquisas que oferecem
pontuação binária de aprovação versus rejeição, e não àquelas que dividem a
avaliação em três grandes tipos ótimo/bom, regular e ruim/péssimo. A grosso
modo, a nota de regular tende a se converter metade em aprovação e metade em
rejeição.
Uma economia em recuperação, quando associada
ao emprego e oferta crescente de programas sociais, cria um ambiente de
estabilidade política que torna muito mais fácil, para o governo,
construir uma campanha de recuperação da confiança popular. Isso é óbvio.
Além disso, agora já está mais claro, por
exemplo, que a inflação dos alimentos não é um problema estrutural. Não está
havendo nada de excepcional nessa esfera, e tudo indica – embora isso seja o
tipo de coisa que a gente só poderá cravar quando se materializar – que este
índice deverá ceder ao longo de 2025, especialmente no segundo semestre, quando
a nova supersafra de grãos entrar no mercado.
A estabilização do câmbio também me parece um
fator a ser levado em conta nos prognósticos para inflação. Eu sempre defendi,
por aqui, um ponto básico: um país com a capacidade de exportar quase US$ 350
bilhões em 12 meses dificilmente terá problema de “desvalorização” cambial por
muito tempo. Somos vulneráveis à especulação cambial, isso sim, até por nossa
instabilidade política. Mas elas tendem a durar pouco. Não estamos mais nos
anos 90, quando nossa exportação era ridícula. Os ataques especulativos vistos
no segundo semestre de 2024 serviram pelo menos para gerar anticorpos: será
mais difícil, ao menos durante o resto do mandato do presidente Lula, que isso
volte a acontecer.
Enfim, o governo Lula continua firme, e
favorito para a reeleição em 2026, como inclusive mostram pesquisas. Mas não
será fácil, naturalmente, até porque a população ficará, a cada dia, mais
exigente. Não é esse, afinal, o grande trunfo do regime democrático?
Alguns analistas lembram que o governo Biden
também registrou bons números econômicos, mas isso não foi suficiente para
reelegê-lo. Ora, hoje me parece mais forte a hipótese de que o governo Biden
foi devorado por sua obsessão por guerras. Uma administração que havia iniciado
com grandes expectativas de transformação econômica terminou melancolicamente,
associada a anúncios pomposos e frequentes, de que o governo estaria assinando
um novo cheque multiblionário para novas guerras no exterior. Isso tirou
completamente o brilho de Biden. O presidente Lula jamais terá esse problema.
Muito pelo contrário. O desdobramento dos problemas internacionais tendem a dar
razão a Lula, pois agora está mais claro para todos que a guerra na Ucrânia
precisa ser encerrada através de ações diplomáticas, e que a tragédia em curso
na Palestina é um genocídio abominável.
Abaixo, alguns gráficos que considero úteis
para o internauta ter uma ideia melhor do que aconteceu na economia brasileira
em 2024.
Chamo atenção para alguntos pontos.
O avanço da indústria brasileira de
transformação tem sido impressionante. Ela foi a grande responsável pelo
desempenho do PIB no ano passado.
O investimento também chamado tecnicamente de
Formação Bruta de Capital Fixo, e que corresponde ao investimento de empresas
na construção de novas instalações industriais, aquisição de máquinas e
equipamentos, além da contratação do pessoal necessário para geri-los,
experimentou um crescimento extremamente forte em 2024. A construção civil,
sempre um termômetro importante para o nível de atividade econômica, também vem
crescendo bastante nos últimos meses.
As exportações da indústria de transformação,
por sua vez, alcançaram, nos últimos 12 meses, até fevereiro, o segundo maior
resultado da história, na verdade particamente repetindo o recorde histórico
registrado nos 12 meses até fevereiro de 2023.
Enfim, quem precisa estar bem é a população,
não o governo. Se a economia vai bem, tudo ficará mais fácil, desde que o
governo também faça a sua parte, de oferecer mais infra-estrutura e logística,
para que este crescimento possa prosseguir de maneira sustentável, e melhorar
em qualidade.
¨
Bom desempenho de
setores de alta complexidade gera expectativa de renascimento da indústria
nacional
Após décadas de estagnação e declínio, a
indústria nacional está renascendo? Há pouquíssimo tempo atrás, a resposta a
essa pergunta será imediata e peremptória: um sonoro e melancólico NÃO! Assim
mesmo, em caixa alta e com exclamação.
Desde o final da década de 80, o Brasil vinha
registrando um acelerado processo de desindustrialização. Parte disso era
explicada por mudanças tectônicas na divisão internacional do trabalho, que
impactou o planeta inteiro, causadas pela entrada violenta da China no mercado mundial
de manufaturados.
Mas nem tudo poderia ser atribuído a isso,
sobretudo quando se notava que alguns países, como Alemanha, Coreia do Sul e
Vietnã, para citar alguns, avançavam de maneira formidável nessa nova etapa da
história econômica global. Hoje em dia, por razões geopolíticas muito
específicas, a Alemanha parece ter se descolado desse grupo e vive um ciclo de
declínio industrial preocupante.
Dessa vez, todavia, temos indícios
promissores de que a indústrial nacional está se recuperando. Se ela resistir a
essa última onda de apertamento dos juros, deflagrada pelo Banco Central,
poderemos estar diante de um verdadeiro renascimento industrial no país.
Os números divulgados hoje, 11 de março de 2025, pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), autorizam alguns prognósticos otimistas,
sobretudo quando examinamos os os setores mais sofisticados da indústria: bens
de capital e bens de consumo duráveis.
No acumulado dos últimos 12 meses, de
fevereiro de 2024 a janeiro de 2025, a produção de bens de capital teve um
expressivo avanço de 9,6% em relação aos 12 meses anteriores. Já os bens de
consumo duráveis cresceram impressionantes 11,7% nesse mesmo período,
refletindo o aquecimento da demanda por automóveis e eletrodomésticos.
Outros setores de alta complexidade também
tiveram desempenhos notáveis no acumulado dos últimos 12 meses.
A fabricação de veículos automotores,
reboques e carrocerias avançou 13,4% em comparação com os 12 meses anteriores.
A produção de equipamentos de informática,
produtos eletrônicos e ópticos cresceu 13,3% no mesmo período, enquanto
máquinas, aparelhos e materiais elétricos registraram alta de 13,1%.
A indústria moveleira também teve um
crescimento significativo, com aumento de 10,1% em relação ao período anterior.
Esse crescimento reforça a retomada do setor produtivo nacional, com maior
dinamismo nos segmentos de maior valor agregado.
Na comparação com janeiro de 2024, a produção
industrial de janeiro de 2025 registrou alta de 1,4%, marcando o oitavo
resultado positivo consecutivo.
Mais uma vez, os bens de consumo duráveis
lideraram a expansão, com crescimento de 16,6% em relação a janeiro de 2024. Os
bens de capital também tiveram um desempenho expressivo, com alta de 8,2% na
mesma comparação.
Entre os setores que mais cresceram na
comparação entre janeiro de 2025 e janeiro de 2024, a produção de produtos
têxteis teve o maior avanço, com alta de 17,5%. Máquinas, aparelhos e materiais
elétricos cresceram 14,5%, enquanto máquinas e equipamentos tiveram expansão de
14,1%. A produção de veículos automotores, reboques e carrocerias subiu 13,4%
na mesma comparação, consolidando a recuperação da indústria automobilística.
Já na variação mensal, a indústria
interrompeu três meses seguidos de queda e manteve-se estável (0,0%) na
passagem de dezembro de 2024 para janeiro de 2025, evidenciando um processo de
adaptação após o impacto das paralisações típicas de fim de ano. O setor de
máquinas e equipamentos teve alta de 6,9% e reverteu a perda registrada em
dezembro, enquanto a produção de veículos cresceu 3,0%.
Apesar da recuperação de diversos segmentos,
alguns setores ainda enfrentam dificuldades. No acumulado dos últimos 12 meses,
a produção das indústrias extrativas recuou 0,9% em relação aos 12 meses
anteriores, impactada por paralisações em plataformas de petróleo e menor
extração de minério de ferro. No mesmo período, a impressão e reprodução de
gravações teve queda de 2,5%, enquanto a fabricação de produtos do fumo recuou
1,5%.
Na comparação entre janeiro de 2025 e janeiro
de 2024, as indústrias extrativas registraram uma queda ainda maior, de 5,2%,
influenciada principalmente pela redução na extração de petróleo e minério de
ferro. Outros setores também tiveram quedas expressivas, como a produção de
bebidas (-5,1%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis
(-3,8%) e celulose, papel e produtos de papel (-3,1%).
Embora os desafios persistam em algumas
áreas, os dados indicam que a recuperação da indústria tem ganhado força. Os
segmentos de bens de capital e bens duráveis seguem liderando o crescimento e
consolidando um novo ciclo de expansão do setor produtivo no Brasil.
Fonte: O Cafezinho

Nenhum comentário:
Postar um comentário