segunda-feira, 17 de março de 2025

Como painéis solares se tornaram indispensáveis na Europa

Ela e López fazem parte de uma alta na adesão à energia solar que se estende pelo mundo todo e é particularmente notável na Ásia e na Europa.

O boom solar da Europa é impulsionado pelas políticas adotadas pela União Europeia, que se comprometeu se tornar climaticamente neutra até 2050. A energia renovável já era a pedra angular desse plano, mas a crise energética desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 levou o bloco das 27 nações a pressionar por uma "implantação rápida e massiva de energia renovável" em uma tentativa de se libertar dos combustíveis fósseis russos.

"A energia solar será o ponto principal desse esforço", afirma com a Comissão Europeia – o poder Executivo da UE – em sua Estratégia de Energia Solar de 2022. "Painel por painel, a energia infinita do sol ajudará a reduzir nossa dependência dos combustíveis fósseis."

A DW, juntamente com a European Data Journalism Network, analisou como os governos europeus apoiam a expansão da energia solar no continente.

•        Como a energia solar se popularizou tão rápido?

Hoje em dia, vários países da UE têm uma capacidade de cerca de um quilowatt — aproximadamente dois painéis solares — por pessoa. A Holanda lidera com 1,4 quilowatts per capita, seguida de perto pela Alemanha com 1,2 quilowatts.

"A primeira onda de energia solar ocorreu em meados dos anos 2000", explicou Raffaele Rossi, chefe de inteligência de mercado do grupo industrial Solar Power Europe. "Os países começaram a introduzir tarifas de alimentação, onde você é pago pela eletricidade que injeta na rede." Isso desencadeou um crescimento notável em países pioneiros como Alemanha, Grécia, Bélgica, Espanha, Itália e França.

Ainda assim, o alto custo da tecnologia solar afastava a maioria dos proprietários de imóveis, disse Rossi. Mas, ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos reduziram os custos globais de instalação em quase 90%.

Com o impulso adicional causado pela crise energética global, a capacidade solar da UE dobrou apenas entre 2021 e 2024.

O mercado solar agora deve exceder as metas dos países da UE estabelecidas para 2030. Uma análise recente da Solar Power Europe mostra que todos os Estados-membros da UE – exceto três países – provavelmente atingirão suas metas no prazo, com vinte deles devendo atingir ou exceder esses objetivos antes de 2030.

Instalações residenciais de pequena escala em varandas e telhados contribuem para essa mudança, respondendo por um quarto de toda a capacidade solar da UE.

Embora os preços tenham caído, a energia solar ainda requer um investimento inicial considerável. A instalação na varanda de Corinna Gutmann custou 650 euros (R$ 4.144), enquanto o sistema no telhado de Jesus Vera López tinha um preço de 6.000 euros.

"É um investimento lucrativo", disse Vera López, cuja conta de luz passou de mais de 100 para euros 15 por mês. Isso está de acordo com um estudo de 2023 da Solar Power Europe, que descobriu que residências familiares na Alemanha, Itália e Espanha poderiam economizar mais de 1.000 euros por ano em suas contas de energia instalando painéis solares.

•        Tornando a energia solar acessível a todos

Contudo, nem todos podem arcar com os custos iniciais. "Precisamos focar especialmente em lares vulneráveis e de baixa renda", disse Seda Orhan, gerente de energia renovável da Climate Action Network (CAN) Europe, um coletivo de ONGs que defendem políticas climáticas e energéticas sustentáveis. "Essas são as camadas da sociedade que não foram envolvidas na transição energética."

A UE pede aos Estados-membros que ajudem os cidadãos a fazer a transição, facilitando regulamentações e fornecendo suporte financeiro, especialmente para as residências de renda mais baixa. Os Estados-membros abordam a questão de várias maneiras.

•        Onde se paga menos pela energia solar

Ao menos nove países europeus, incluindo a Alemanha, reduziram as taxas do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre a venda e instalação de painéis solares. Isso deve resultar em uma redução direta de preço para os consumidores em vez de reembolsos que podem implicar processos de aplicação complexos.

Em toda a Europa, os governos também oferecem financiamento direto aos cidadãos que investem em energia solar, embora os valores e condições variem drasticamente.

A Hungria lidera com subsídios generosos, cobrindo até dois terços dos custos de painéis solares para proprietários de imóveis, desde que atendam a requisitos específicos e invistam também em armazenamento de energia. A Suécia adota uma abordagem diferente com seu programa Grön Teknik ("Tecnologia verde") que oferece um desconto de 20% com o mínimo de burocracia.

Para Gutmann, instalar painéis solares em sua varanda em Bonn provou ser algo surpreendentemente acessível. A cidade cobriu quase metade de seus custos – 300 euros – por meio de um processo simples. "Tive que preencher um pequeno formulário, enviar minha fatura e uma foto da minha varanda e recebi o dinheiro em duas semanas", contou à DW. "Meus painéis solares se pagarão em dois anos."

•        Subsídios locais mais generosos

Embora os inquilinos alemães possam acessar esses programas, a maioria dos países europeus limita seu apoio aos proprietários de imóveis, como Vera López.

Ele se inscreveu no programa Plan Eco Vivenda da região de Andaluzia que terminou em dezembro de 2024. Ele espera ter 40% de seus custos reembolsados, mas sua inscrição ainda não foi aprovada. O espanhol também achou o processo difícil de se cumprir: "Não tenho um nível de educação muito alto, e eles me pediram coisas que eu não entendi", disse ele.

O sistema de subsídios da Espanha tem requisitos particularmente complexos e é conhecido pelos longos atrasos.

"Embora o dinheiro seja alocado, menos da metade dos subsídios solares solicitados foram pagos após dois anos", disse Seda Orhan, da CAN. No entanto, a Espanha também oferece alguns dos pagamentos máximos mais generosos da Europa para as instalações de telhados mais caras.

•        Empréstimos favoráveis e incentivos fiscais

Muitos governos e bancos também oferecem empréstimos com juros baixos para instalações solares, com a região da Valônia, na Bélgica, incluindo opções de juros zero para famílias de baixa renda.

Além disso, os proprietários podem reivindicar deduções significativas no imposto de renda sobre seus investimentos solares na Espanha e na Itália, enquanto a Alemanha e a Suécia reduzem os impostos sobre a eletricidade vendida à rede.

Incerteza sobre futuros programas de suporte

A análise da DW também mostrou vários subsídios solares se aproximando de suas datas de término, enquanto muitos já foram encerrados.

Seda Orhan aponta para a incerteza em torno do futuro financiamento da UE. O Quadro Financeiro Plurianual do bloco termina em 2027 e as negociações para um novo orçamento estão apenas começando. "Precisaremos garantir um orçamento ambicioso ", disse Orhan. "Então, poderemos ver como ele pode ser alocado."

Alguns governos começam a pressionar pela eliminação gradual dos subsídios, disse a especialista em mercado Raffaelle Rossi à DW.

"Se as condições certas estiverem em vigor, os subsídios diretos podem ser reduzidos um pouco. Mas isso deve ser feito com cuidado. Já podemos ver o mercado reagindo negativamente à redução dos subsídios." Ele diz que para famílias de baixa renda, em especial, os subsídios continuam sendo particularmente úteis.

"Será muito importante continuar apoiando a energia solar", acrescentou Seda Orhan. Além da ação climática, ela também enfatiza o potencial econômico do setor solar. O setor já emprega mais de 800.000 pessoas na UE, principalmente em trabalhos de instalação local, gerando retornos econômicos diretos para governos que mantêm os programas de apoio financeiro.

•        Crescimento depende de infraestrutura confiável

Apesar das incertezas dos subsídios, a Solar Power Europe prevê outra duplicação da capacidade na UE antes de 2030. A energia solar em telhados continua sendo o maior segmento, em meio a uma recuperação das instalações em larga.

O sucesso dependerá de uma infraestrutura solar robusta. De acordo com a Estratégia de Energia Solar da UE, isso inclui treinar trabalhadores suficientes para fabricar, instalar e manter sistemas de energia solar, bem como modernizar a rede elétrica europeia para lidar com o aumento de fontes de energia descentralizadas de instalações solares.

As soluções de armazenamento de energia também são essenciais, observa Rossi. Elas permitem que a energia seja usada onde é gerada, reduzindo a pressão sobre a rede em geral.

Para Corinna Gutmann, enquanto isso, os painéis fotovoltaicos em sua de sacada já valeram a pena. "Quando as pessoas veem mais painéis solares em suas ruas, isso as deixa curiosas", afirmou. "Eu acho que é um pouco contagioso, e é muito mais fácil começar agora."

•        Renováveis já geram quase metade da energia elétrica da UE

O aumento acentuado do uso das energias solar, eólica, hidrelétrica e de biomassa na União Europeia (UE) elevou a participação das energias renováveis na matriz elétrica do bloco de 34% em 2019 para 47,5% em 2024, segundo um relatório divulgado nesta quinta-feira (23/01) pelo think tank climático Ember, com sede no Reino Unido.

Responsável por 11% do fornecimento de eletricidade para os 27 Estados-membros do bloco, a energia solar se tornou a fonte de energia de crescimento mais rápido da UE. Com isso, ela ultrapassou o carvão pela primeira vez em 2024. No ano passado, apenas 10% da energia do bloco foi gerada com carvão.

O relatório do Ember destacou um declínio contínuo na dependência de combustíveis fósseis – registrando uma baixa histórica de 29% – com a geração de gás natural liquefeito (GNL) em queda pelo quinto ano consecutivo.

Com participação de 17%, a utilização de energia eólica superou a de gás natural pelo segundo ano consecutivo. Em 2024, a geração de eletricidade a partir do gás caiu pelo quinto ano seguido e representou pouco menos de 16% do total.

"Os combustíveis fósseis estão perdendo o controle sobre a energia da UE", observou Chris Rosslowe, especialista em energia da Ember.

<><> Guerra na Ucrânia e Acordo Verde

O Acordo Verde Europeu, de 2019, foi fundamental para acelerar a transição da UE para as energias limpas. O pacto prevê a redução das emissões do bloco em 55% até o final da década, além de tornar a Europa climaticamente neutra até 2050.

"Quando o Acordo Verde Europeu foi lançado, poucos imaginariam que a transição energética na UE pudesse estar tão avançada", disse Rosslowe.

O aumento dos preços do gás natural após a invasão da Ucrânia pela Rússia também forçou a Europa a recorrer à energia renovável em busca de alternativas de menor custo e limpas. A queda da demanda na UE reduziu significativamente a dependência do gás russo.

Com o uso cada vez maior de novas capacidades eólica e solar, a região conseguiu evitar importações de combustíveis fósseis no valor de quase 61 bilhões de dólares (R$ 362 bilhões) desde 2019, diz o relatório.

"Isso envia um sinal claro de que as necessidades [europeias] de energia serão atendidas por meio da energia limpa, não através das importações de gás", disse Pieter de Pous, analista de energia do think tank europeu E3G, em Bruxelas.

<><> Esforços europeus por energia limpa

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou nesta terça-feira que a Europa "continuará trabalhando com todas as nações que querem proteger a natureza e deter o aquecimento global".

O relatório chega em um momento em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou o país do Acordo Climático de Paris, criado para conter o aquecimento global, e optou por uma política energética que prioriza a utilização de combustíveis fósseis.

Trump declarou que os EUA têm as maiores reservas de petróleo e gás do mundo e pretendem usá-las. Os EUA são o segundo maior emissor de gases causadores do efeito estufa no mundo.

Rosslowe, da Ember, enfatizou que a liderança da UE em energia limpa se torna ainda mais importante em meio a esses desenvolvimentos. Segundo o especialista, "trata-se de aumentar a independência energética europeia e de demonstrar essa liderança climática".

 

Fonte: DW Brasil

 

 

 

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