Zanin
ficará impedido de julgar ações de Lula na Lava Jato, diz Marco Aurélio
Conhecido por suas posições antagônicas e fortes no
Supremo Tribunal Federal, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello avalia que
a indicação de Cristiano Zanin Martins, advogado do presidente Lula, não é
polêmica e que o criminalista ‘tem tudo para se mostrar um grande juiz’ na
Corte máxima, assim que perceber a ‘envergadura da cadeira’ que pode ocupar –
que foi do ministro Ricardo Lewandowski.
“O momento de
agradecer a indicação antecede a colocação da capa de magistrado sobre os
ombros. Por isso, o cargo é vitalício. Ser juiz é opção de vida”, anotou.
Marco Aurélio ressalta que o único impedimento que
Zanin tem à sua frente no STF tem relação com os processos em que ele participou
como advogado, uma previsão do Código de Processo Civil. Nessa seara, estão
incluídos as ações e recursos que Zanin impetrou enquanto advogado do
presidente Lula no bojo da Operação Lava jato.
Questionado sobre a possibilidade de Zanin
eventualmente se deparar com um processo que atinja Lula, Marco Aurélio
rememorou o raciocínio que teve quando o ex-presidente Fernando Collor, que o
indicou ao Supremo, foi julgado na Corte máxima: “Saí (dos processos) por uma
questão simplesmente ética e de foro íntimo. Se eu votasse a favor dele, iam
dizer que eu estaria agradecendo com a capa. Se votasse contra, diriam que
estaria sendo mais realista que o rei, demonstrar simplesmente independência”.
LEIA A ENTREVISTA:
• Qual a
avaliação do ministro sobre a indicação?
MARCO AURÉLIO MELLO: Apenas espero que ele perceba a
envergadura da cadeira, percebendo que ser juiz pressupõe pureza d’alma,
atuando segundo ciência e consciência. O momento de agradecer a indicação
antecede a colocação da capa de magistrado sobre os ombros. Por isso, o cargo é
vitalício. Ser juiz é opção de vida.
• Considera
ela polêmica?
MARCO AURÉLIO MELLO: Para mim não é uma indicação
polêmica, a escolha é do presidente. Quanto ao perfil jurídico, a presunção é a
de que ele tem a ilibada conduta. Nós precisamos nos acostumar com o sistema,
quem escolhe é o presidente da República e a tendência é ele escolher gente que
ele conhece.
• Há
algum impedimento ou limite para atuação de Zanin no STF?
MARCO AURÉLIO MELLO: O impedimento diz respeito
aqueles processos em que ele participou, chegando ao STF ele não poderá atuar
porque já o fez como advogado. É o impedimento legal, que está no Código de
Processo Civil.
• Ele
poderia vir a julgar Lula?
MARCO AURÉLIO MELLO: Eu quando fui indicado pelo
ex-presidente Fernando Collor não participei dos processos dele, não estava
impedido, mas não o fiz porque evidentemente ninguém compreenderia um voto meu.
Saí por uma questão simplesmente ética e de foro íntimo. Se eu votasse a favor
dele, iam dizer que eu estaria agradecendo com a capa. Se votasse contra,
diriam que estaria sendo mais realista que o rei, demonstrar simplesmente
independência.
Na época todo mundo esqueceu que eu tivera três nos
no MP, três anos no TRT, oito anos ou quase nove no TST e todo mundo me acusava
de primo do presidente, o que eu não era, por que infelizmente ele é que é meu
primo porque ele nasceu antes de mim.
Então é justamente isso. Agora ele ter sido advogado
não quer dizer que ele juiz com capa sobre os ombros perderá equidistância para
julgar processos do presidente Lula. Aqui é um problema de foro íntimo.
• O
ministro vê algum desafio para o Zanin no STF ou na sabatina?
MARCO AURÉLIO MELLO: Na sabatina ele deve ser
questionado pelos senadores como convém e na atuação como juiz ele precisará
perceber que ser juiz não é a mesma coisa que ser advogado. Ele deverá atuar
segundo a ciência e consciência, sempre tendo presente a formação humanística
já que as leis são feitas para os homens e não o inverso. Ele é jovem, tem 47
anos, tem o domínio, tem tudo para se mostrar um grande juiz no Supremo. É se
aplicar e perceber a envergadura da cadeira e também a missão sublime de atuar
como juiz, substituindo a vontade das partes em conflito.
Transparência
Internacional ataca indicação e diz que Lula quer STF como ‘anexo’ do governo
A Transparência Internacional-Brasil publicou nesta
quinta-feira, 1º, posicionamento contrário à indicação de Cristiano Zanin
Martins pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de ministro no
Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com a entidade, que atua no combate à
corrupção, Lula repete o ex-presidente Jair Bolsonaro e tenta transformar a
Corte em um “anexo do governo de ocasião”. A ONG argumenta que o fato de o
indicado ser advogado pessoal de Lula afronta o “princípio constitucional de
impessoalidade” e a “independência do Judiciário”, contrariando compromissos
internacionais já assumidos pelo País no contexto da separação entre os
Poderes.
“É fundamental que a sociedade brasileira promova
amplo debate sobre a composição de seu tribunal constitucional, para que nossos
representantes eleitos no Senado cumpram seu papel na defesa do interesse
público e da democracia. Transformar o tribunal constitucional em anexo do
governo de ocasião foi um projeto central do bolsonarismo, do qual Lula parece
querer repetir a receita. O Brasil está diante das escolhas que reverterão ou
avançarão essa trajetória de enfraquecimento e captura das instituições”, disse
a entidade.
Durante o governo Bolsonaro, o ex-presidente declarou
que indicaria ao STF nomes que pudessem defender seus interesses e pautas no
tribunal. Seus escolhidos foram os ministros Kassio Nunes Marques e André
Mendonça; esse segundo sendo seu ministro da Justiça, amigo próximo e
“terrivelmente evangélico”, um dos desejos do ex-chefe do Executivo para a
Corte. O fato foi explorado por Lula durante a campanha eleitoral de 2022, que
agora contradiz o próprio discurso.
De acordo com a Transparência Internacional-Brasil,
o ato de Lula acumula vários problemas que impactam a própria democracia e o
combate à corrupção. “A nomeação de advogado pessoal ao STF contraria
compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil sobre independência do
judiciário, afronta o princípio constitucional de impessoalidade e trai a promessa
de resgate das instituições democráticas. A indicação de Zanin ainda contradiz
o discurso de inclusão e aprofunda, ainda mais, a dívida brasileira com os
segmentos sociais historicamente marginalizados e excluídos dos espaços de
poder. Esta exclusão está também na raiz da corrupção sistêmica brasileira”,
disse.
Zanin, que atuou na defesa da Lula na Lava Jato, foi
escolhido para a vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Ricardo
Lewandowski. “Zanin será excepcional ministro se for aprovado pelo Senado, e
acredito que será. O Brasil vai se orgulhar de ter Zanin como ministro da
Suprema Corte”, declarou o petista nas redes sociais.
Para assumir o posto, Zanin deverá passar por uma
sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e,
posteriormente, ser aprovado por pelo menos 41 dos senadores em votação no
plenário. Caso atinja o feito, o advogado poderá ser ministro até 2050, quando
completa 75 anos, idade da aposentadoria compulsória a todos os integrantes da
Corte; totalizando quase 3 décadas na posição.
Aos 47 anos, Zanin ganhou projeção nacional por seu
empenho na defesa de Lula nos processos da Operação Lava Jato, quando se tornou
uma espécie de porta-voz do petista, com boletins sobre a situação jurídica do
presidente atualizados na saída da Polícia Federal em Curitiba. Foi também de
sua autoria o recurso ao Supremo que provocou uma reviravolta na investigação,
com a declaração de parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro e a reabilitação
política de Lula.
Zanin também foi coordenador jurídico da campanha do
presidente em 2022 e, no governo de transição, assumiu a área de cooperação
jurídica internacional.
Lava Jato
A Transparência Internacional-Brasil teve atuação
próxima da força-tarefa no auge da Lava Jato e foi contestada por integrantes
do governo ao criticar a cassação do mandato de deputado federal e
ex-procurador da operação Deltan Dallagnol. Na ocasião, o secretário-executivo
do Ministério da Justiça condenou o “palpite” da ONG sobre a sentença do
Tribunal Superior Eleitoral.
Em nota, a assessoria de imprensa da Presidência da
República afirmou que a indicação de Zanin respeita a legislação do País. “A
indicação segue a legislação brasileira e será analisada pelo Senado Federal. O
cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal tem sua independência garantida
pela Constituição brasileira, pelo mandato de ministro e pela supervisão do
legislativo”, disse em nota.
Quase
metade dos senadores que votarão indicação de Zanin ao STF foi alvo de
inquérito na corte
Quase metade da atual composição do Senado, que em
breve votará a indicação do presidente Lula (PT) ao STF (Supremo Tribunal
Federal), já foi alvo de inquérito ou de processo criminal conduzido pela
corte.
Nesta quinta (1º), Lula anunciou a escolha do
advogado Cristiano Zanin, seu advogado e amigo, para ocupar uma vaga no
tribunal. Para ser confirmado, ele precisa passar pela aprovação do Senado.
Como têm foro especial no STF, senadores costumam
ser cautelosos ao votarem em indicados à corte, mesmo que tenham ressalvas ou
se oponham ao perfil do escolhido pelo presidente da República.
Parte do Senado foi renovada neste ano após a posse
dos eleitos em 2022. Ainda assim, ao menos 35 dos 81 senadores -43% do total-
tiveram ou ainda têm inquérito criminal aberto contra si no Supremo.
Uma parcela desses procedimentos continua em
tramitação e aguarda decisões dos ministros para que sua continuidade seja
definida. Além disso, também existe uma série de ações da área cível
relacionadas a senadores que aguardam análise de integrantes do Supremo.
Historicamente, não há uma rejeição do Senado a um
ministro do Supremo desde 1984, no governo Floriano Peixoto, quando cinco nomes
foram recusados.
Nos últimos anos, houve dois indicados para o STF
que tiveram maiores dificuldades para serem aprovados pelo Senado, mas ainda
assim eles acabaram passando em uma votação folgada.
Em 2015, com a então presidente Dilma Rousseff (PT)
enfraquecida e a poucos meses da abertura do processo de impeachment, Edson
Fachin recebeu 52 votos dos senadores, 11 acima do necessário. Foram 27 votos
contrários.
Em 2021, após mais de quatro meses de espera por
resistência do Senado, André Mendonça foi sabatinado e teve o seu nome aprovado
para o Supremo. Foram 47 votos a favor e 32 contra -houve duas ausências.
Lula vinha sinalizando há meses que pretendia
indicar Zanin -que fez sua defesa durante a Operação Lava Jato- para a vaga
aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, em abril.
A possibilidade levantou críticas de oposicionistas,
por ele ter atuado na defesa particular de Lula durante anos. Porém seu nome
sofre resistência apenas de uma pequena parte do Senado, mais alinhada à Lava
Jato.
Mesmo o líder da minoria e ex-ministro da Casa Civil
do governo Jair Bolsonaro (PL), senador Ciro Nogueira (PP-PI), já disse em
entrevista à Jovem Pan que não votaria contra a indicação de Zanin.
"O direito de indicar um ministro do Supremo é
do presidente da República. Se ele cumpre os preceitos [constitucionais para
ser escolhido], você não tem por que rejeitar", afirmou Ciro.
"Eu mesmo não tenho como votar [contra] se ele
cumprir isso. Eu não quero entrar aqui se é o Zanin, o Pedro ou o João. Mas não
é porque você é contra que você vai votar contra um indicado do governo se ele
cumpre todas as exigências que o cargo obriga."
A Constituição prevê apenas que os escolhidos para o
STF sejam cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, com notável
saber jurídico e reputação ilibada.
Ciro Nogueira foi investigado em ao menos sete
inquéritos abertos pelo STF, o primeiro deles autuado em 2002. Um deles,
oriundo da Lava Jato, ainda está aberto e teve denúncia apresentada pela PGR
(Procuradoria-Geral da República) em 2020.
Na ocasião, ele foi acusado de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, sob acusação de recebimento de R$ 7,3 milhões da Odebrecht
em vantagens indevidas.
Procurado, o senador não se manifestou. À época, sua
defesa negou irregularidades e disse que o inquérito era baseado somente em
delações premiadas.
Dois senadores são réus em ações penais em curso por
acusação de crime contra a honra. Jorge Kajuru (PSB-GO) teve acusações aceitas
por injúria e difamação em processos movidos pelo também senador Vanderlan
Cardoso (PSD-GO) e pelo ex-deputado Alexandre Baldy (PP-GO).
Essas ações são tratadas no Supremo como eventuais
marcos para a imunidade parlamentar -ou seja, até que ponto é possível dizer
que um parlamentar extrapolou os limites da expressão política.
Já o senador Magno Malta (PL-ES) se tornou réu por
calúnia por ter afirmado, em um evento de bolsonaristas, que o ministro Luís
Roberto Barroso "batia em mulher". Barroso apresentou uma
queixa-crime contra Malta, que foi aceita pelo tribunal.
O crime de calúnia é o ato de atribuir falsamente um
crime a alguém. Sua defesa tem argumentado que não houve intenção de cometer
irregularidade ou indícios de crime.
O ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL)
tem cinco inquéritos abertos no Supremo contra ele, em geral oriundos da
Operação Lava Jato.
Em dezembro de 2019, o Supremo recebeu uma denúncia
contra Renan. Esse recebimento torna Renan réu na Justiça, mas sua defesa
questiona esse recebimento.
Renan é acusado pela PGR de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, por supostamente ter solicitado propina ao então
presidente da Transpetro Sérgio Machado, entre 2008 e 2010, na forma de doações
eleitorais a aliados políticos.
O ex-presidente do Senado sempre negou ter cometido
qualquer irregularidade.
Outro senador alvo de inquérito é Chico Rodrigues
(PSB-RR), que em 2020 foi flagrado com dinheiro na cueca em uma operação da
Polícia Federal.
Um dos investigados em inquérito que tramita no STF
e que faz oposição ao governo federal é o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Em fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes
determinou a abertura de um procedimento para apurar suspeita da prática dos
crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo
pelo parlamentar.
O motivo foi ele ter feito uma transmissão ao vivo
afirmando que Bolsonaro tentou coagi-lo a dar um golpe de Estado e, depois, ter
recuado e apresentado diferentes versões, inclusive à Polícia Federal.
O ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro
(União Brasil-PR) também é um dos investigados no âmbito no Supremo, em caso
relatado por Moraes. Ele responde ao inquérito sobre suposta interferência na
Polícia Federal na gestão de Bolsonaro. O ex-presidente também é um dos alvos
da investigação.
Fonte: Agencia Estado/FolhaPress

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