sábado, 3 de junho de 2023

Moisés Mendes: É a imposição do cara pálida, estúpido

Imaginemos que, por obra da sua articulação política, Lula enchesse o bucho do centrão com o dinheiro farto das emendas. Todos os seus problemas estariam resolvidos no Congresso?

Se Lula tivesse uma articulação política perfeita e mais recursos e menos escrúpulos até do que Bolsonaro, para manter o centrão empanturrado de dinheiro público, os desencontros com Arthur Lira deixariam de existir?

Sabe-se que não. Porque o bucho cheio do centrão não basta para que sejam resolvidas questões que independem dos esforços de Lula e da tática do embuchamento.

Porque na questão do marco temporal o problema é outro. É o interesse inegociável do cara pálida, estúpido.

Talvez não exista dinheiro capaz de conter o lobby dos caras pálidas na luta contra os indígenas. Caras pálidas ricos, médios e até miseráveis.

Eles querem as terras dos indígenas, as que ainda não tomaram e as que já foram tomadas e não desejam devolver.

O centrão não vai votar contra os interesses dos caras pálidas. E não são, nesse caso, apenas os brancos do entorno da reserva Raposa Terra do Sol, em Roraima.

Não são brancos bandidos do Norte, com proteção política precária, nem grileiros distantes de nós, misturados a garimpeiros que matam yanomamis. São caras pálidas aqui de perto, do agro pop do Sul.

A origem da guerra por terra, que acionou o embate jurídico do marco temporal, está em Santa Catarina, o mais branco e mais reacionário Estado brasileiro.

O Estado mais bolsonarista, sempre envolvido em conflitos raciais, um dos mais armamentistas. O Estado onde Bolsonaro venceu com 77% dos votos.

Ali está o conflito que o Supremo não revolveu, oferecendo a chance de invertida da direita e da extrema direita na Câmara, com o projeto que tira as terras dos índios.

Uma guerra que envolve o Estado, os brancos e os xokleng de Ibirama, no Vale do Itajaí, ameaçados de perder terras que o governo requer em nome dos caras pálidas.

Os xoklengs são o que chamavam antigamente de bugres, afugentados de onde moravam pelo avanço da bandidagem e da grilagem nos séculos 19 e 20.

Eles, os kaingangs e os guaranis moradores das mesmas áreas lutam por terras que os caras pálidas continuam dizendo que são deles. São mais de 37 mil hectares.

Os xoklengs tentam resistir na vizinhança de uma região ultraconservadora e de forte militância de extrema direita.

No período golpista das aglomerações em torno dos quartéis, a cidade portuária de Itajaí chegou a ter 5 mil acampados no entorno do prédio da Marinha.

A guerra ainda silenciosa de brancos e xoklengs, que acontece nesse ambiente, tem ou teve similares em outros Estados. O Rio Grande do Sul já teve guerras sangrentas entre kaingangs e agricultores tão miseráveis quanto eles.

O marco temporal limita o acesso à terra aos que estavam nas áreas em 1988 e ignora as lutas dos indígenas desprotegidos, desprezados e perseguidos pela ditadura e sem suporte nenhum dos governos estaduais para manter os pedaços de chão em que viviam.

Sabemos agora que, na sabotagem da montagem dos ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente, há também uma briga por cargos paroquiais.

Chefes dos caras pálidas, alguns da direita da direita, cujos partidos fazem parte do governo, querem chefias do Ibama e da Funai nos Estados.

Não querem dinheiro de ministérios que lidam com obras e licitações milionárias, mas o poder de interferir em políticas decisivas para o ambiente e para os indígenas.

A direita quer postos em ministérios que a própria direita combate, para sabotar Marina Silva e Sonia Guajajara.Então, a derrota não foi de Lula. Foi do Brasil que esperava ver Lula montando sua estrutura de governo, para que as coisas funcionem conforme o prometido.

A conversa de que foi mais uma derrota de Lula engana uma certa classe média que sente prazer com a própria alienação.

Por isso levam a sério que só Lula foi o derrotado, a partir da conta segundo a qual 83% dos votos de MDB, PSD e União Brasil, com nove ministérios na Esplanada, foram pela aprovação do marco temporal. Foram 95 deputados sabotadores da ‘base’ contra 18 que votaram contra.

Mas a base deles mesmo é a base do cara pálida, estúpido. São deputados que não votariam, por questão de fundo, contra os brancos que têm a hegemonia dos seus eleitorados.

Por isso é desonesta a conversa que põe no mesmo balaio todas as votações que asseguram maioria à direita e à extrema direita no Congresso.

O marco temporal é uma vitória da velha direita aliada à nova extrema direita, em defesa das terras que seus líderes pensam ser dos amigos. A direita é fiel ao agro branco, pop e grileiro.

 

       Deputados mentem sobre terras indígenas nas redes e na Câmara para defender marco temporal

 

Deputados de oposição espalharam mentiras nas redes e no plenário da Câmara para defender a tese do marco temporal, tema do PL 490/2007, aprovado na Casa na terça-feira (30) e que agora segue para o Senado. A informação falsa de que as terras indígenas demarcadas passariam de 14% para cerca de 30% do território brasileiro, caso a tese não fosse aprovada, foi compartilhada por ao menos três parlamentares — Bibo Nunes (PL-RS), Caroline de Toni (PL-SC) e Rafael Pezenti (MDB-SC).

Defendido pela bancada ruralista, o marco temporal determina que só poderiam ser demarcados territórios ocupados por indígenas até a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). Apesar de o texto constitucional não ter qualquer definição explícita nesse sentido, os defensores da tese afirmam que o STF (Supremo Tribunal Federal) criou jurisprudência sobre durante o julgamento do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O ministro Edson Fachin, no entanto, já negou que o caso tenha aplicação geral.

A alegação de que a rejeição ao marco temporal dobraria a área composta por terras demarcadas é mentirosa por dois motivos principais:

1.       A rejeição ao marco temporal não levaria à aprovação automática de novos processos de demarcação, conforme explica a advogada Juliana Batista, assessora jurídica do ISA (Instituto Socioambiental).

Para que um território seja demarcado, é necessário comprovar por meio de estudos técnicos, ambientais e antropológicos que a população possui vínculo histórico com o território analisado e depende dele para o bem-estar, a reprodução física e a manutenção da própria cultura.

O processo é definido em lei e envolve diversas etapas e órgãos, como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas);

2.       Ainda que houvesse uma aprovação automática dos processos atualmente em análise, a área destinada aos povos originários não chegaria a 30% do território nacional, mas a 13,75%;

De acordo com a Funai, o Brasil tem atualmente 475 terras regularizadas e 296 com processo de demarcação pendente. A autarquia afirma ainda que há outras 478 reivindicações em análise, que podem ou não virar processos formais, mas não informa a extensão ou a localização dessas terras.

A informação falsa foi encampada pela Frente Parlamentar Agropecuária, que compartilhou no Twitter um vídeo em que o deputado Rafael Pezenti a usa como referência para defender a tese. Até o ano passado, a alegação era citada de forma recorrente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o contador de declarações do Aos Fatos, o ex-mandatário disseminou a mentira ao menos 11 vezes entre setembro de 2021, quando a discussão foi retomada pelo STF, e julho de 2022.

Após a aprovação na Câmara, o PL 490/07 segue agora para análise no Senado. O tema também será debatido no STF, que pautou para o dia 7 de junho o julgamento de um caso de repercussão geral que pode validar o marco temporal. Dois ministros votaram até agora: o relator Edson Fachin, que se manifestou contra a tese, e Nunes Marques, que se posicionou a favor.

Em nota divulgada após a aprovação na Câmara, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o projeto de lei representa "um genocídio legislado", porque, além de dificultar processos de demarcação, abre brechas para o contato com povos isolados.

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) classificou o projeto como inconstitucional por violar os direitos fundamentais dos povos indígenas. "O direito à terra é originário. Sem território não há saúde e não há educação para os povos originários", afirmou a associação em nota.

OUTRO LADO

Contatados por Aos Fatos para que comentassem a reportagem, os parlamentares Bibo Nunes, Caroline de Toni e Rafael Pezenti não responderam. A Frente Parlamentar Agropecuária também não se posicionou sobre o caso.

 

       Festejo macabro no Congresso. Por Paulo Moreira Leite

 

Os setores mais reacionários da política brasileira já podem festejar. Ainda o mais influente grupo de comunicação do país, mais uma vez as Organizações Globo acabam de amarrar seus destinos à atual liderança do Congresso brasileiro, instituição mais do que nunca marcada por um papel nefasto na história brasileira. 

Em editorial publicado hoje, o jornal saúda a aprovação do Marco Temporal das Terras Indígenas, decisão que busca legalizar sucessivas pilhagens contra os povos originários, acumuladas desde a chegada das caravelas de Cabral ao litoral brasileiro, cinco séculos atrás.

Num texto que não esconde um viés anti-Lula e anti-PT, é preciso ler para acreditar:  

"A aprovação pelos deputados reflete um movimento parlamentar sólido contra a agenda do governo nos campos indígena e ambiental. Sua força se faz notar no esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e no encaminhamento de outras pautas correlatas.

No caso das demarcações, o projeto aprovado estabelece que povos indígenas terão direito apenas a terras ocupadas ou disputadas até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Com isso, desfaz a dúvida que paira sobre terras ocupadas depois, cuja demarcação é questionada no STF."

Sem manifestar qualquer pudor pelos traços de uma instituição conhecida por impulsos notórios, hoje identificados pelo sugestivo nome Orçamento Secreto, o editorial destinado a orientar a linha de cobertura de um oligopólio de jornais, emissoras de rádio e tv, além de sites informativos, afirma que a decisão " é mais que um revés para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi também um recado do Parlamento ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao país sobre seu papel na democracia brasileira," refletindo "um movimento parlamentar sólido contra a agenda do governo nos campos indígena e ambiental. Sua força se faz notar no esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e no encaminhamento de outras pautas correlatas."

Destinada a proteger interesses de grandes proprietários, que, envolvendo 1% da população, controlam 50% das terras do país, o Marco Regulatório nada mais é do que uma tentativa de consolidar as regras que desde sempre estimularam a concentração propriedade da terra  na história brasileira. Num levantamento nacional, a professora Maria Lucia Brant de Carvalho, pesquisadora com 30 anos dedicados a Funai, explica:

"O 1% mais rico de proprietários rurais (agronegócio), possuem mais de 50% das terras do Brasil. Os proprietários rurais com menos de 10 hectares, (agricultura familiar), são mais de 36% e possuem menos de 2,3% das terras. Os 305 povos indígenas possuem 13,75% das terras do Brasil."

Com essa matemática da desigualdade, a celebração de ontem só pode ser compreendida como mais um festejo macabro em nossa história, a ser denunciado e combatido sem trégua.

Alguma dúvida?

 

Fonte: BBC News Brasil/Aos Fatos

 

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