Moisés
Mendes: É a imposição do cara pálida, estúpido
Imaginemos que, por obra da sua articulação
política, Lula enchesse o bucho do centrão com o dinheiro farto das emendas.
Todos os seus problemas estariam resolvidos no Congresso?
Se Lula tivesse uma articulação política perfeita e
mais recursos e menos escrúpulos até do que Bolsonaro, para manter o centrão empanturrado
de dinheiro público, os desencontros com Arthur Lira deixariam de existir?
Sabe-se que não. Porque o bucho cheio do centrão não
basta para que sejam resolvidas questões que independem dos esforços de Lula e
da tática do embuchamento.
Porque na questão do marco temporal o problema é
outro. É o interesse inegociável do cara pálida, estúpido.
Talvez não exista dinheiro capaz de conter o lobby
dos caras pálidas na luta contra os indígenas. Caras pálidas ricos, médios e
até miseráveis.
Eles querem as terras dos indígenas, as que ainda
não tomaram e as que já foram tomadas e não desejam devolver.
O centrão não vai votar contra os interesses dos
caras pálidas. E não são, nesse caso, apenas os brancos do entorno da reserva
Raposa Terra do Sol, em Roraima.
Não são brancos bandidos do Norte, com proteção
política precária, nem grileiros distantes de nós, misturados a garimpeiros que
matam yanomamis. São caras pálidas aqui de perto, do agro pop do Sul.
A origem da guerra por terra, que acionou o embate
jurídico do marco temporal, está em Santa Catarina, o mais branco e mais
reacionário Estado brasileiro.
O Estado mais bolsonarista, sempre envolvido em
conflitos raciais, um dos mais armamentistas. O Estado onde Bolsonaro venceu
com 77% dos votos.
Ali está o conflito que o Supremo não revolveu,
oferecendo a chance de invertida da direita e da extrema direita na Câmara, com
o projeto que tira as terras dos índios.
Uma guerra que envolve o Estado, os brancos e os
xokleng de Ibirama, no Vale do Itajaí, ameaçados de perder terras que o governo
requer em nome dos caras pálidas.
Os xoklengs são o que chamavam antigamente de
bugres, afugentados de onde moravam pelo avanço da bandidagem e da grilagem nos
séculos 19 e 20.
Eles, os kaingangs e os guaranis moradores das mesmas
áreas lutam por terras que os caras pálidas continuam dizendo que são deles.
São mais de 37 mil hectares.
Os xoklengs tentam resistir na vizinhança de uma
região ultraconservadora e de forte militância de extrema direita.
No período golpista das aglomerações em torno dos
quartéis, a cidade portuária de Itajaí chegou a ter 5 mil acampados no entorno
do prédio da Marinha.
A guerra ainda silenciosa de brancos e xoklengs, que
acontece nesse ambiente, tem ou teve similares em outros Estados. O Rio Grande
do Sul já teve guerras sangrentas entre kaingangs e agricultores tão miseráveis
quanto eles.
O marco temporal limita o acesso à terra aos que
estavam nas áreas em 1988 e ignora as lutas dos indígenas desprotegidos,
desprezados e perseguidos pela ditadura e sem suporte nenhum dos governos
estaduais para manter os pedaços de chão em que viviam.
Sabemos agora que, na sabotagem da montagem dos
ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente, há também uma briga por
cargos paroquiais.
Chefes dos caras pálidas, alguns da direita da
direita, cujos partidos fazem parte do governo, querem chefias do Ibama e da
Funai nos Estados.
Não querem dinheiro de ministérios que lidam com
obras e licitações milionárias, mas o poder de interferir em políticas
decisivas para o ambiente e para os indígenas.
A direita quer postos em ministérios que a própria
direita combate, para sabotar Marina Silva e Sonia Guajajara.Então, a derrota
não foi de Lula. Foi do Brasil que esperava ver Lula montando sua estrutura de
governo, para que as coisas funcionem conforme o prometido.
A conversa de que foi mais uma derrota de Lula
engana uma certa classe média que sente prazer com a própria alienação.
Por isso levam a sério que só Lula foi o derrotado,
a partir da conta segundo a qual 83% dos votos de MDB, PSD e União Brasil, com
nove ministérios na Esplanada, foram pela aprovação do marco temporal. Foram 95
deputados sabotadores da ‘base’ contra 18 que votaram contra.
Mas a base deles mesmo é a base do cara pálida,
estúpido. São deputados que não votariam, por questão de fundo, contra os
brancos que têm a hegemonia dos seus eleitorados.
Por isso é desonesta a conversa que põe no mesmo
balaio todas as votações que asseguram maioria à direita e à extrema direita no
Congresso.
O marco temporal é uma vitória da velha direita
aliada à nova extrema direita, em defesa das terras que seus líderes pensam ser
dos amigos. A direita é fiel ao agro branco, pop e grileiro.
Deputados
mentem sobre terras indígenas nas redes e na Câmara para defender marco
temporal
Deputados de oposição espalharam mentiras nas redes
e no plenário da Câmara para defender a tese do marco temporal, tema do PL
490/2007, aprovado na Casa na terça-feira (30) e que agora segue para o Senado.
A informação falsa de que as terras indígenas demarcadas passariam de 14% para
cerca de 30% do território brasileiro, caso a tese não fosse aprovada, foi
compartilhada por ao menos três parlamentares — Bibo Nunes (PL-RS), Caroline de
Toni (PL-SC) e Rafael Pezenti (MDB-SC).
Defendido pela bancada ruralista, o marco temporal
determina que só poderiam ser demarcados territórios ocupados por indígenas até
a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). Apesar de o texto
constitucional não ter qualquer definição explícita nesse sentido, os defensores
da tese afirmam que o STF (Supremo Tribunal Federal) criou jurisprudência sobre
durante o julgamento do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra
do Sol. O ministro Edson Fachin, no entanto, já negou que o caso tenha
aplicação geral.
A alegação de que a rejeição ao marco temporal
dobraria a área composta por terras demarcadas é mentirosa por dois motivos
principais:
1. A
rejeição ao marco temporal não levaria à aprovação automática de novos
processos de demarcação, conforme explica a advogada Juliana Batista, assessora
jurídica do ISA (Instituto Socioambiental).
Para que um território seja demarcado, é necessário
comprovar por meio de estudos técnicos, ambientais e antropológicos que a
população possui vínculo histórico com o território analisado e depende dele
para o bem-estar, a reprodução física e a manutenção da própria cultura.
O processo é definido em lei e envolve diversas
etapas e órgãos, como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas);
2. Ainda
que houvesse uma aprovação automática dos processos atualmente em análise, a
área destinada aos povos originários não chegaria a 30% do território nacional,
mas a 13,75%;
De acordo com a Funai, o Brasil tem atualmente 475
terras regularizadas e 296 com processo de demarcação pendente. A autarquia
afirma ainda que há outras 478 reivindicações em análise, que podem ou não
virar processos formais, mas não informa a extensão ou a localização dessas
terras.
A informação falsa foi encampada pela Frente
Parlamentar Agropecuária, que compartilhou no Twitter um vídeo em que o
deputado Rafael Pezenti a usa como referência para defender a tese. Até o ano
passado, a alegação era citada de forma recorrente pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL). De acordo com o contador de declarações do Aos Fatos, o ex-mandatário
disseminou a mentira ao menos 11 vezes entre setembro de 2021, quando a
discussão foi retomada pelo STF, e julho de 2022.
Após a aprovação na Câmara, o PL 490/07 segue agora
para análise no Senado. O tema também será debatido no STF, que pautou para o
dia 7 de junho o julgamento de um caso de repercussão geral que pode validar o
marco temporal. Dois ministros votaram até agora: o relator Edson Fachin, que
se manifestou contra a tese, e Nunes Marques, que se posicionou a favor.
Em nota divulgada após a aprovação na Câmara, o
Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o projeto de lei representa "um
genocídio legislado", porque, além de dificultar processos de demarcação,
abre brechas para o contato com povos isolados.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)
classificou o projeto como inconstitucional por violar os direitos fundamentais
dos povos indígenas. "O direito à terra é originário. Sem território não
há saúde e não há educação para os povos originários", afirmou a associação
em nota.
OUTRO LADO
Contatados por Aos Fatos para que comentassem a
reportagem, os parlamentares Bibo Nunes, Caroline de Toni e Rafael Pezenti não
responderam. A Frente Parlamentar Agropecuária também não se posicionou sobre o
caso.
Festejo
macabro no Congresso. Por Paulo Moreira Leite
Os setores mais reacionários da política brasileira
já podem festejar. Ainda o mais influente grupo de comunicação do país, mais
uma vez as Organizações Globo acabam de amarrar seus destinos à atual liderança
do Congresso brasileiro, instituição mais do que nunca marcada por um papel
nefasto na história brasileira.
Em editorial publicado hoje, o jornal saúda a
aprovação do Marco Temporal das Terras Indígenas, decisão que busca legalizar
sucessivas pilhagens contra os povos originários, acumuladas desde a chegada
das caravelas de Cabral ao litoral brasileiro, cinco séculos atrás.
Num texto que não esconde um viés anti-Lula e
anti-PT, é preciso ler para acreditar:
"A aprovação pelos deputados reflete um
movimento parlamentar sólido contra a agenda do governo nos campos indígena e
ambiental. Sua força se faz notar no esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e
dos Povos Indígenas e no encaminhamento de outras pautas correlatas.
No caso das demarcações, o projeto aprovado estabelece
que povos indígenas terão direito apenas a terras ocupadas ou disputadas até 5
de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Com isso, desfaz a
dúvida que paira sobre terras ocupadas depois, cuja demarcação é questionada no
STF."
Sem manifestar qualquer pudor pelos traços de uma
instituição conhecida por impulsos notórios, hoje identificados pelo sugestivo
nome Orçamento Secreto, o editorial destinado a orientar a linha de cobertura
de um oligopólio de jornais, emissoras de rádio e tv, além de sites
informativos, afirma que a decisão " é mais que um revés para o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi também um recado do Parlamento ao
Supremo Tribunal Federal (STF) e ao país sobre seu papel na democracia
brasileira," refletindo "um movimento parlamentar sólido contra a
agenda do governo nos campos indígena e ambiental. Sua força se faz notar no
esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e no
encaminhamento de outras pautas correlatas."
Destinada a proteger interesses de grandes
proprietários, que, envolvendo 1% da população, controlam 50% das terras do
país, o Marco Regulatório nada mais é do que uma tentativa de consolidar as
regras que desde sempre estimularam a concentração propriedade da terra na história brasileira. Num levantamento
nacional, a professora Maria Lucia Brant de Carvalho, pesquisadora com 30 anos
dedicados a Funai, explica:
"O 1% mais rico de proprietários rurais
(agronegócio), possuem mais de 50% das terras do Brasil. Os proprietários
rurais com menos de 10 hectares, (agricultura familiar), são mais de 36% e
possuem menos de 2,3% das terras. Os 305 povos indígenas possuem 13,75% das
terras do Brasil."
Com essa matemática da desigualdade, a celebração de
ontem só pode ser compreendida como mais um festejo macabro em nossa história,
a ser denunciado e combatido sem trégua.
Alguma dúvida?
Fonte: BBC News Brasil/Aos Fatos

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