Andy
Robinson: Arquitetura do poder - de Kubitschek a Lula
"Mais de 70 anos depois do governo de Juscelino
Kubitschek, os prédios de Niemeyer, ao invés de emblemas de uma democracia
dinâmica, começam a parecer símbolos da paralisia presidencial", escreve
Andy Robinson, jornalista, correspondente 'La Vanguardia' e colaborador do Ctxt
desde a sua fundação, que pertence ao Conselho Editorial deste meio. Seu último
livro é 'Ouro, petróleo e abacates: as novas veias abertas da América Latina'
(Arpa 2020).
<<<< Eis o artigo.
Brasília, a capital de um futurismo ultrapassado, é
uma prova assombrosa do que pode fazer um presidente brasileiro se tiver amplo
apoio social. Especificamente Juscelino Kubitschek, chefe de estado entre 1956
e 1961. Talvez por isso, a modernista Praça dos Três Poderes tenha sido tão
violentamente atacada em 8 de janeiro. A agressão não foi apenas contra um Estado
que os bolsonaristas consideram uma democracia corrupta e infiltrada pelo
“marxismo cultural”, mas também contra a modernidade e o modelo de
desenvolvimento de Getúlio Vargas e Kubitschek.
Depois de decidir quase unilateralmente construir
uma nova capital política no cerrado do interior brasileiro, a 1.000
quilômetros do Rio de Janeiro, Kubitschek inaugurou a primeira obra em outubro
de 1956. Menos de quatro anos depois, em outubro de 1960, Brasília já havia
substituído Rio como capital.
Obra do arquiteto preferido de Kubitschek, o
revolucionário modernista Oscar Niemeyer, as torres retangulares do Congresso,
encimadas por duas estruturas semicirculares – uma côncava e outra convexa –
para simbolizar a Câmara e o Senado, tornaram-se ícone de um novo poder e de um
presidente ousado.
Com o apoio do Congresso para seu plano de
desenvolvimento nacional, Kubitschek lideraria o chamado milagre econômico
brasileiro, com uma vertiginosa industrialização impulsionada pelo Estado e
taxas de crescimento anual em torno de 10%.
Mas, mais de 70 anos depois, com o governo de outro
presidente icônico, Luiz Inácio Lula da Silva, já em seu quinto mês, os prédios
de Niemeyer, ao invés de emblemas de uma democracia dinâmica, começam a parecer
símbolos da paralisia presidencial. Como em outros países latino-americanos –
Colômbia, Peru, Chile – nos quais a esquerda recuperou o poder executivo, mas
não o legislativo ou o jurídico, as promessas de mudança da campanha eleitoral
começam a se chocar contra um parlamento insubmisso.
“Lula acredita que a correlação de forças está
contra ele, mas tem que promover medidas que mudem essa correlação e não está
fazendo isso”, disse o filósofo Vladimir Safatle, autor de Só mais um esforço,
livro que detalha as diretrizes para a refundação da esquerda na América
Latina. Safatle, que está prestes a publicar um artigo na revista Piauí sobre a
estética do assalto de Bolsonaro a Brasília, contra a jugular do modernismo,
sustenta que se o presidente não souber recuperar a iniciativa, a extrema direita
o fará. "Eles cortaram a tela de um quadro de Candido Portinari com uma
faca", diz, referindo-se ao grande pintor modernista e militante, como
Niemeyer, do Partido Comunista.
Como se verificou em 8 de janeiro, quando soldados
do quartel de Brasília conhecido como Forte Apache – outra construção do
modernismo de Niemeyer no setor militar –, este talvez menos desprezado pelo
bolsonarismo, se recusaram a cumprir as ordens de Lula para deter os
insurgentes, nada pode ser descartado no Brasil, dado o apoio que Bolsonaro
tem.
A agenda legislativa do governo Lula, que enfrenta
uma oposição agressiva de Bolsonaro – 102 das 513 cadeiras do Congresso – e um
bloco central de sete partidos – 189 cadeiras alinhadas com os lobbies
habituais – ainda não começou.
As 222 cadeiras do bloco governista são
insuficientes e cresce o pessimismo no ambiente governista em relação à
implementação do ambicioso programa com o qual Lula venceu as eleições,
especificamente uma nova fase de desenvolvimento industrial após quase uma década
de privatizações e estagnação econômica.
Se a arquitetura modernista do Congresso lembra uma
prisão, a imponente torre de concreto e vidro preto do banco central, na outra
ponta do eixo monumental, encarna o poder intransigente de uma autoridade
monetária determinada a manter os juros reais mais altos do mundo. Na frente
está o ex-CEO do Banco Santander Roberto Campos Neto, que ia votar vestido à
moda de Bolsonaro: camisa amarela do time de futebol.
Enquanto isso, na elegante sede do Supremo Tribunal
Federal (também de Niemeyer), tudo indica que uma ação movida pelo governo
contra a privatização da gigante elétrica Eletrobras, aprovada durante o
governo Bolsonaro, será arquivada.
Embora a grande mídia, liderada pela Rede Globo, não
apoie a extrema direita como em outros países da região, ela ataca qualquer
tentativa do presidente de esquerda de reativar a economia por meio de
estímulos fiscais.
“Lula vive um paradoxo: foi eleito com mais ambições
do que nas eleições anteriores. Mas tem muito menos poder do que antes”,
explicaram assessores do presidente
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“Lula vive um paradoxo: foi eleito com mais ambições
do que nas eleições anteriores e estava determinado a não fazer concessões. Mas
agora ele tem muito menos poder do que antes”, explicaram assessores do
presidente, ouvidos pela jornalista Mônica Bergamo. O veterano dirigente do PT
sente-se "ansioso e até triste", segundo estes assessores.
Lula precisa mobilizar as ruas como os presidentes
desenvolvimentistas dos anos 40 e 50 e como o próprio PT dos anos 80 e 90. Mas
não está claro se há um movimento de mobilização. Nem mesmo o deputado de
esquerda Guilherme Boulos, que fundou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto,
parece ter condições de colocar seu povo nas ruas, apesar dos milhares de
sem-teto dormindo nas ruas de São Paulo e do Rio. Enquanto isso, a mídia de
direita e de centro-direita rotula o histórico Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra como terrorista, apesar de não ameaçar as lojas de produtos
naturais nos bairros progressistas de classe média de São Paulo.
Por enquanto, Lula e seu ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, foram obrigados a apoiar a criação de um arcabouço
orçamentário mais restritivo do que desejavam, que dificilmente permitiria a
expansão econômica e que vem sendo criticado por líderes do Congresso. grupo, o
Partido dos Trabalhadores (PT).
Lula, sim, conseguiu aumentar o salário mínimo e
implantar um novo sistema de benefícios para as famílias pobres, além de um
novo programa habitacional popular. Além disso, acaba de anunciar a queda dos
preços dos combustíveis (fixados pela estatal Petrobras) para ajudar a
estimular o consumo.
Mas outras medidas, como a proibição de notícias
falsas geradas pelo “gabinete do ódio” de Bolsonaro ou a reversão da
privatização do saneamento público, foram derrubadas no Congresso. O presidente
da Câmara, Arthur Lira, um apoiador de Bolsonaro em sua época, insiste em não
permitir "um passo atrás" em relação às medidas pró-mercado adotadas
no governo anterior na área de privatizações e desregulamentação.
Até o plano de Lula para salvar a Amazônia pode
estar em risco. O compromisso presidencial de criar novas reservas de
conservação esbarrou no lobby dos grandes monocultores e na poderosa bancada
ruralista, com 350 deputados na Câmara. Para apaziguar o lobby, Lula nomeou o
empresário da soja Carlos Bávaro como ministro da Agricultura. Mas crescem as
pressões para reduzir poderes à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
politicamente formada no movimento de defesa da Amazônia.
“O governo não tem uma base consolidada na Câmara
dos Deputados enquanto a frente parlamentar agrícola é uma das bancadas mais
organizadas do Congresso”, alertou o jornal Folha de São Paulo.
Embora o desmatamento já esteja começando a diminuir
após a devastação dos anos Bolsonaro, novas concessões a grandes grupos do
“agronegócio” podem enviar sinais perigosos aos criminosos ambientais.
Nem mesmo Lula, com seu conhecido pragmatismo,
parece saber o que fazer. Ele tem optado por uma série de viagens ao exterior
onde a reconstrução da imagem externa brasileira é mais fácil do que a
construção de uma política interna. De sua casa no Palácio da Alvorada (outra
obra espetacular de Niemeyer) ele anseia não apenas pelas façanhas de
presidentes como Kubitschek, mas também pelo poder que ele mesmo exerceu
durante os primeiros governos do PT (2003-2011).
Assim, Lula ganhou apoio do Congresso para a maior
parte de seu programa de transformação social; aumentos constantes do salário
mínimo, subsídios e empréstimos baratos aos mais pobres, fortes investimentos
públicos. Dezenas de milhões de pessoas excluídas ingressaram no mercado de
trabalho formal e saíram da pobreza e da marginalização.
Claro: às vezes, em um sistema político
profundamente clientelista, o apoio parlamentar é obtido fechando os olhos para
o presidente, como no caso do financiamento irregular de partidos, conhecido
como Mensalão.
Agora, depois de uma campanha eleitoral em que Lula
prometeu reconstruir o país depois dos anos Bolsonaro, os obstáculos são
enormes. "Lula nunca teve tanta dificuldade em criar uma base no Congresso
Nacional", alerta Matheus Leitão, na revista Veja.
“Há necessidade de novas articulações na Câmara ou
de uma forma de pressão da mídia ou de empresários ligados ao Congresso”, disse
Jorge Chaloub, analista político da Universidade de Juiz de Fora, em Minas
Gerais. A alternativa seria convocar "manifestações de massa em apoio a
Lula", acrescenta. "Mas tudo isso é muito difícil".
Se serve de consolo para o presidente em seu
labirinto, Kubitschek também teve problemas nos anos dos milagres, começando
com duas tentativas de golpe. Três anos depois de ter sido afastado da
presidência, os militares tomaram o poder em uma ditadura que duraria até 1984.
Mas, como escreve Michael Reid, ex-correspondente do The Economist no Brasil,
Kubitschek era dotado do “mais cobiçado patrimônio político de todos: um
otimismo sem limites”.
Balcão
de secos e molhados de Lira. Por César Fonseca
O negócio está escancarado.
A filosofia
predominante na Câmara dos Deputados é o dinheiro.
Dinheirismo.
Se não tiver
grana na frente, a mercadoria, o voto, não sai.
Emendas
parlamentares, emendas de bancadas, emendas de comissão: no circuito pelo qual
os projetos precisam passar para serem aprovados, a lei é uma só: pingar a grana.
O que menos
importa é debater o assunto do ponto de vista das idéias.
Os
parlamentos se primam por ser locais onde a circulação de ideias e argumentos
se unem para formar convicções políticas, morais, éticas, etc.
Esquece, isso
é coisa da antiga.
Agora, não, é
outro papo.
Para o
assunto andar, é preciso molhar as mãos de vossas excelências com o vil metal, expresso em emenda
parlamentar.
A entrega da
mercadoria, a tempo e a hora, depende, portanto, desse pressuposto fundamental,
como diria Tom Jobim, quando, nos anos 1960, foi contatado por Lúcio Rangel,
para fazer música solicitada por Vinícius de Moraes, segundo depoimento de
Sérgio Cabral: "Tem dinheirim nesse negócio aí".
O craque da
Bossa Nova, que iria, junto com o poetinha diplomata, explodir no mundo com
Garota de Ipanema, na voz de Frank Sinatra, era, naquela ocasião, um tremendo
Durango Kid, tocando na noite do Rio, em meio a fumaças e cervejas, nas boates,
para comprar o lei das crianças etc.
Mas, então, é
isso, voltando ao Armazém do Lira: a galera no plenário, de boca aberta, quer
mamar.
E o apetite é
profundo.
Lula, hoje,
teve que soltar R$ 1,7 bi, para preservar organogranama do seu ministério com
37 pastas.
Caso
contrário, o desenho ministerial da Esplanada, voltaria a ser de 23
ministérios, conforme deixou Bolsonaro.
Seriam
eliminados os que Lula criou para conformar base social e econômica forte:
Povos Indígenas, Cultura, Igualdade Racial, Transportes e Desenvolvimento e
Indústria.
Já foram
liberados, segundo Planalto, R$ 4,5 bilhões para o Armazém do Lira.
Tem, ainda,
em estoque, outros R$ 9,8 bilhões, que corresponderiam ao espúrio Orçamento
Secreto, considerado ilegal pelo STF.
A Câmara, na
gestão Arthur Lira, virou esgoto.
Lula tentou
romper o cerco, para impedir derrota do chamado marco temporal, para demarcação
das terras indígenas.
Perdeu,
fragorosamente, de lavada.
O avisão foi
dado.
Se não
acelerar liberação de grana para o Armazém do chefe, que comanda 150
parlamentares, do chamado Centrão, não conseguirá governar, e o drama se
arrastará numa briga sem fim, comprometendo o ano parlamentar.
Acossado, o
titular do Planalto, sem maiores delongas, resolveu, nessa semana, tapar o
nariz é atravessar o mar de merda, para ver se consegue se salvar.
No limite da
transação, cada vez mais espúria, emoldurada no formato legal, haverá ou não
solicitação ao STF para colocar ordem no cabaré legislativo, como aconteceu com
o orçamento secreto?
Fonte: Ctxt/Brasil 247

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