Junho
de 2013: os protestos que mudaram o país, 10 anos depois
Começou com um protesto de jovens em São Paulo
contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus, que entrou em vigor em 2 de
junho de 2013. O movimento cresceu, ganhou adesão e repressão, repercutiu no
estado e no Brasil. Pressionados, governadores e prefeitos reduziram as
tarifas, mas elas já não eram a única pauta: a insatisfação se virou para os
gastos com a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, as denúncias de corrupção na
política e o governo de Dilma Rousseff (PT).
O mês de junho de 2013 — e o que aconteceu a partir
de então — mudou o país para sempre: vieram, ano após ano, um descontentamento
generalizado com a classe política, a Operação Lava Jato, o impeachment de
Dilma, a projeção nacional de Jair Bolsonaro (e do bolsonarismo como movimento
político), a polarização e o fortalecimento da extrema direita no Brasil, entre
outros aspectos.
O g1 ouviu especialistas, colunistas políticos —
além de protagonistas daquele período — para analisar as consequências de junho
de 2013 para o Brasil de 2023. O resultado você pode acompanhar em uma série de
reportagens que serão publicadas a partir deste domingo (4). Entre elas:
• Onde
estão e como vivem os líderes dos protestos de junho
• 2013
como primeiro envolvimento na política de jovens de todo o país
• A
ascensão e queda de Sérgio Cabral
• O
temor de prefeitos até hoje de aumentar a tarifa de ônibus.
"Junho de 2013 despertou uma inquietação social
que ainda não acalmou, que ainda não se assentou", diz Pablo Ortellado,
coordenador do monitor do debate político digital, professor da Universidade de
São Paulo (USP) e colunista do jornal "O Globo".
Ele prossegue:
"É um terremoto político, mas despertou uma
inquietação tão grande que foi se repetindo, a gente teve mobilizações muito
grandes a partir de junho que não conseguimos imaginar possíveis antes".
Entre essas mobilizações, está a greve de
caminhoneiros de 2018, que causou estragos na economia ao paralisar rodovias e
impedir o transporte de alimentos e mercadorias: o Produto Interno Bruto (PIB)
caiu 3,8% no mês de maio daquele ano — o mesmo em que houve a greve.
<<< Impacto político
O principal impacto das manifestações de 2013 foi
para a vida política nacional, avaliam as colunistas do g1 e da Globonews
Andréia Sadi, Julia Duailibi e Natuza Nery.
• O
bolsonarismo, por Andréia Sadi
"Foi o começo de uma série de inquietações que
de fato não eram só pelos 20 centavos, era em relação à saúde, educação, à
corrupção. Acabou desaguando em outras indignações e cobranças que a gente viu
depois nas eleições, de movimentos contra o sistema de política, contra 'tudo
isso que estava aí'."
"E o candidato que melhor soube aproveitar
aquele momento surfou naquela onda que foi Bolsonaro, acho que acabou
desaguando em Bolsonaro, que era um político com 30 anos de Câmara [dos
Deputados]."
• A
volta das pessoas às ruas, por Julia Duailibi
"2013 é marcado pela volta das pessoas às ruas.
As pessoas passam a fazer manifestações, algo que não se via desde talvez as
Diretas Já. Tinha um elemento único, que era um elemento de insatisfação, que
unia tudo: insatisfação com a política, com a economia, com o Estado —inclusive
internacional, não só no Brasil."
"É claro que 2013 foi um elemento fundamental
também para a queda de Dilma, para o impeachment. Ela representava o governo de
ocasião, então grande parte das críticas se volta a ela. O governo passava por
uma crise política, uma crise econômica, tinha Lava Jato ainda como um elemento
importante."
"Então as ruas, as manifestações contribuem
para a queda de Dilma. E mais, 2013 contribui para o que foi 8 de janeiro.
Talvez se não tivesse acontecido junho de 2013, não tivesse acontecido a
tentativa."
• Cambalhotas
na política, por Natuza Nery
"A partir das manifestações de junho de 2013 a
política brasileira daria cambalhotas – tantas – que passaria a se tornar algo
muito imprevisível. A análise política, no Brasil, era de uma forma antes das
manifestações de junho de 2013 e ela virou uma outra coisa. Ali havia ventos de
mudança muito contundentes."
"Uma parte da política conseguiu ler aqueles
ventos de mudanças, a esquerda não tinha mais a primazia das ruas, a direita
tomava conta dessas ruas, criava-se ali um ambiente muito, muito contrário à
política tradicional."
"A Lava Jato transformaria a cara da política
eleitoral brasileira. Uma presidente da República sofreria um processo de
impeachment, como aconteceu com Dilma Rousseff. Uma ascensão da extrema-direita
com o bolsonarismo, que acaba se beneficiado de um sopro lavajatista na
sociedade brasileira. Então, junho de 2013 foi um marco na história do Brasil e
um marco na política brasileira."
Cenário
de revolta e insatisfação social ajudou a compor junho de 2013
Era início da noite, quando o Movimento Passe Livre
(MPL) queimou uma catraca de papelão, interrompendo o tráfego na Avenida 23 de
Maio, na altura do Vale do Anhangabaú, centro da cidade de São Paulo. Naquele 6
de junho de 2013, os manifestantes lutavam contra o aumento das tarifas do
transporte público, que haviam subido de R$ 3 para R$ 3,20 no início do mês.
Atos semelhantes haviam acontecido nos anos anteriores pelo mesmo motivo. Da
mesma maneira, a polícia reprimiu o protesto como tinha feito de outras vezes.
Porém, em menos de duas semanas, o Brasil todo perceberia que aquilo tinha sido
o começo de uma mobilização muito maior.
No dia 17 de junho, as ruas da capital paulista
seriam tomadas por dezenas de milhares de pessoas, paralisando o trânsito em
parte das avenidas mais importantes da cidade. Naquela noite, os protestos já
haviam chegado a outras cidades, como Belo Horizonte e o Rio de Janeiro.
Ações do tipo seriam vistas durante toda a onda de
protestos, desde o primeiro dia, quando, após ser reprimida no centro
paulistano, a multidão foi em direção à Avenida Paulista, onde quebrou vidraças
de agências bancárias. A adesão de parte dos manifestantes à chamada tática
black block, em que, com o rosto coberto, participantes dos protestos promoviam
a depredações, barricadas e respondiam às bombas da polícia com rojões e
pedras, também foi um elemento novo da onda de atos.
A repressão policial, com centenas de prisões, e
manifestantes feridos, alguns com sequelas permanentes, pelo uso da munição
menos letal foi outra marca do momento. A reação da sociedade a essa violência
foi determinante para aumentar a adesão aos protestos.
Mas, dez anos depois, pesquisadores e ativistas
ainda têm dificuldades em determinar porque os atos de rua daquele ano
evoluíram daquela forma. Parece ser consenso, entretanto, que junho de 2013 é
um marco na história política brasileira e que a interpretação do momento segue
em disputa.
Uma das questões difíceis de responder, mesmo em
perspectiva, é por que os atos contra o aumento das passagens cresceram e se
tornaram grandes manifestações com diversas pautas ligadas às condições de vida
da população – saúde, educação, habitação e transportes.
• Cenário
de insatisfação
“Você já tinha uma disputa aberta pelos territórios.
Por exemplo, a retomada indígena é em 2013 [série de ocupações de terras por
indígenas em Mato Grosso do Sul]. No Rio de Janeiro você já tinha uma
intensificação das mobilizações, primeiro, por causa das pessoas desalojadas
para a construção da Cidade Olímpica. Já tinha uma disputa pela terra urbana. O
movimento indígena do que se chama de campo, o não urbano”, relaciona o
professor do curso de relações internacionais da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) Acácio Augusto, ao lembrar que já havia um contexto de
mobilizações naquele momento.
Além disso, ele destaca o “crescimento gigantesco
das greves no ano anterior”. Segundo dados do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos, em 2011, foram realizadas no Brasil, 554
greves. Em 2012, foram 877 movimentos de paralisação, e, em 2013, 2.050.
O cenário de insatisfação popular foi alimentado, na
avaliação do pesquisador, pela forte repressão policial aos atos.
“Isso destravou uma série de demandas, entre elas, a
própria questão do transporte. Cabe-se dizer, não se resumia à questão do
transporte propriamente dito, dizia respeito à circulação na cidade, a
possibilidade de acesso que as pessoas tinham à cidade. Foi isso que fez também
a pauta escalar tão rápido, essa combinação com disputas territoriais que já
estavam acontecendo e a combinação com a violência policial”, analisa.
• Piora
das condições de vida
Essas demandas estavam relacionadas a uma
“degradação geral das condições de vida nas grandes cidades”, de acordo com o
professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Erick Omena. Ao analisar diversos
dados, ele aponta que em 2013 as populações dos centros urbanos enfrentavam uma
acentuada piora das condições de mobilidade, acesso à saúde e habitação,
associada a um crescente descrédito na política institucional.
A partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), Omena mostra que, entre 2004 e 2012, há um aumento na
proporção de trabalhadores que levam mais de uma hora no percurso entre a
residência e o emprego. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, o percentual
sobe de 18% para 24,7% no período, e, na Grande São Paulo, de 20% para 23,5%.
O preço dos aluguéis, entre janeiro de 2008 e junho
de 2013, subiu, segundo o pesquisador, 131%, no Rio de Janeiro, e 88%, em São
Paulo.
“Na medida em que você aumenta o preço da habitação,
você vai forçar as pessoas a irem para as regiões mais periféricas, que são
mais distantes dos centros, que [é] onde estão a maior parte dos empregos.
Portanto, o deslocamento casa-trabalho também vai aumentar”, explica o
pesquisador sobre como a soma dos fatores afeta a vida da população.
Há ainda indicativos, segundo Omena, de uma
crescente insatisfação com o sistema público de saúde. “Mais ou menos nesse
período, você tem uma adesão bastante expressiva e relativamente rápida de um
grande número de pessoas à assistência médica privada”, acrescenta.
Esse cenário de “precariedade da vida” contrastava,
na avaliação da professora de história contemporânea da Fundação Cásper Líbero
Joana Salém, com os preparativos do Brasil para receber os grandes eventos
esportivos. “Se tinha uma percepção que se estava gastando muito dinheiro com
aquelas obras em vez de gastar com saúde e educação para o povo”, diz em
referência aos estádios e outros investimentos feitos para a Copa de 2014 e as
Olimpíadas de 2016.
Os avanços em algumas áreas também ajudaram a
impulsionar, segundo a professora, parte da população a buscar mais direitos.
“Um marco de dez anos de governos do PT, que tinham ampliado determinados
direitos, sobretudo para essa juventude trabalhadora, como, por exemplo, o
direito à universidade. E parte dessas pessoas que entra na universidade,
existe uma expectativa, uma certa pressa de que aqueles direitos se concretizem
mais rapidamente”, acrescenta.
• Revoltas
no Brasil e no mundo
O MPL de São Paulo tinha como inspiração jornadas de
luta contra o aumento das tarifas de transporte em outros lugares do país, como
a chamada Revolta do Buzu, ocorrida em Salvador, em 2005. “Em 2011 teve uma
luta muito grande contra o aumento em São Paulo, que durou dois, três meses,
toda a quinta-feira tinha atos. E foi bem intenso para a época”, contextualiza
Frederico Ravioli, que em 2013 fazia parte do Passe Livre.
Houve ainda, na opinião do militante que deixou o
movimento em 2016, influência do cenário internacional. “[O ano de] 2013
captura também um pouco dessas ondas de protestos que estão acontecendo no
mundo inteiro, em 2008, no Chile; na Primavera Árabe, no Oriente Médio; no
Norte da África. Talvez seja um pouco do momento que essa ideia do consenso –
de que a gente vai avançar devagar para todo mundo crescer – vai por água
abaixo”, diz.
Uma semelhança entre as revoltas que atingiram,
entre 2010 e 2012, diversos países, como o Egito, a Líbia, a Síria, o Iêmen, o
Barein e o Marrocos, e as jornadas de junho foi o papel da internet e das redes
sociais. “Toda essa insatisfação crescente vai achar um veículo
excepcionalmente novo e muito mais capilarizado de expressão, que é a
internet”, enfatiza Erick Omena. O pesquisador destaca que, de 2003 a 2013, o
acesso à rede se expandiu de 13% da população para 51%.
“Junho de 2013 não poderia ter acontecido sem esse
rápido acesso da população a esse novo meio de comunicação, em especial as
redes sociais”, acredita.
• Disputa
e legado
A mobilização de dezenas de milhares de pessoas nas
ruas começou a ser disputada por grupos de direita e extrema direita antes
mesmo de junho acabar, diz Acácio Augusto. “Reagindo a essa radicalização que
junho traz, você vai ter não só uma intensificação da atuação institucional das
forças de segurança, como também uma tentativa de disputar isso por forças mais
à direita – de liberais a neomonarquistas”, pontua.
“Tem o Vem pra Rua, tem o MBL [Movimento Brasil
Livre], que rouba a nossa sigla”, cita Frederico Ravioli sobre os movimentos de
direita que se inspiram diretamente no sucesso das mobilizações do MPL. “É
interessante para pensar como a direita se apropriou das táticas de esquerda,
da forma de organização da esquerda radical, enquanto a esquerda tradicional
ficou defendendo a democracia, a ordem e a estabilidade”, reflete o
ex-militante.
Para ele, esses movimentos entenderam “as
potencialidades de junho” e partiram para uma luta “disruptiva”.
O descontentamento foi canalizado por esses grupos,
na avaliação de Joana Salém, em insatisfação com os governos do PT, partido que
estava há dez anos à frente do governo federal e, na ocasião, recém-eleito para
a prefeitura de São Paulo. “Muitas pessoas não se identificavam como direita e
passaram a se identificar a partir de 2014, 2015, com uma ocupação das ruas
pelo impeachment da [então presidente] Dilma Rousseff”, diz ela sobre a
aproximação com a parcela da população que não tinha convicções políticas bem
definidas.
“A direita soube aproveitar essa subjetividade
política difusa para fazer uma campanha muito bem-sucedida de ganhar espaço
contra o petismo. Até o limite do ódio que se chegou nos anos Bolsonaro [Jair
Bolsonaro foi presidente, de 2018 a 2022]”, acrescenta Joana.
Ao mesmo tempo, as jornadas de junho foram
inspiração para diversos movimentos de lutas por direitos nos anos seguintes.
“Se você pensar nas características dos jovens que se juntaram na ocupação das
escolas, você não estava só na questão da escola, a questão de gênero estava
colocada, modos de vida, modos de educar, de aprender. Essa dimensão, que é bem
difícil de captar do ponto de vista objetivo, era muito marcante em junho”,
relaciona Augusto sobre o movimento dos estudantes secundaristas contra a
reforma escolar no estado de São Paulo, em 2015 e 2016.
Para o pesquisador, os protestos contra a tarifa
marcaram ainda a “retomada da rua como espaço de sociabilidade”. Como exemplo,
ele cita outras mobilizações ocorridas nos anos seguintes na capital paulista.
“A mobilização que tentava impedir a construção de mais um condomínio ali no
centro, e acabou criando o que hoje se chama de Parque Augusta, tem a ver com
junho também. Isso não tem a ver especificamente com a criação de um parque ou
não, mas com a questão ecológica, de como se vive na cidade, como se vive no centro”,
ressalta. “A mobilização de vários coletivos em torno dos abusos que são
cometidos pelas forças na repressão à Cracolândia, na Favela do Moinho, tudo
isso está conectado a junho de 2013”, acrescenta.
Repressão
a manifestações ganhou força após 2013
Desde o primeiro dia em que os manifestantes foram
às ruas de São Paulo para protestar contra o reajuste das tarifas do transporte
público, em 2013, houve repressão por parte da Polícia Militar. A partir dali,
as ações policiais para conter e até impedir as manifestações de rua ganharam
força e diversos níveis de sofisticação.
“A gente não
pode deixar de entender junho de 2013 como um marco no processo de
criminalização das lutas sociais”, defende Raísa Cetra, coordenadora da
organização não governamental Artigo 19, com foco na liberdade de expressão.
Para ela, falta no país o entendimento das manifestações como parte importante
da democracia. “As ruas sempre foram vistas, para vários setores políticos,
como ameaça. Inclusive para setores progressistas”, diz.
Assim, os protestos por direitos acabaram, segundo
ela, sendo entendidos como uma ação de desestabilização política. “Ali, não
houve a leitura de quem era o inimigo de fato e se entendeu que era a população
que estava reivindicando por direitos. Naquele momento as pessoas estavam na
rua por educação, por um transporte seguro, por saúde pública.”
Naquele momento as forças de segurança em diferentes
níveis, em todo o país, se preparavam para a realização dos megaeventos
esportivos – a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. “Você já estava em um
processo de mudança da atuação das tropas de choque, isso é fato”, enfatiza
Acácio Augusto, que coordena o Laboratório de Análise em Segurança
Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp).
A grande violência usada contra os manifestantes
foi, segundo Augusto, um dos fatores que mobilizaram a solidariedade de
diversos setores da sociedade, proporcionando o crescimento dos protestos.
“O estopim propriamente dito foi muito mais a
violência policial do que o transporte”, enfatiza o coordenador.
Apesar da rejeição às formas de repressão
empregadas, com a prisão de centenas de pessoas e o uso indiscriminado de balas
de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, o especialista avalia que os modelos
de ação continuaram a ser aprimorados nos meses e anos seguintes. Após a
jornada de protestos contra o aumento, vieram manifestações contra os gastos
excessivos nas obras de preparação para a Copa do Mundo. “O primeiro ato contra
a Copa eles vão aplicar o Caldeirão de Hamburgo, que é o isolamento de uma
parte dos manifestantes com cordão policial. Acho que tem uma questão forte
ligada à mudança de como a polícia passa enfrentar esses protestos”, diz.
Esse mesmo tipo de tática seria empregado, de acordo
com Augusto, para manifestações semelhantes nos anos seguintes, como os
protestos dos secundaristas contra a reorganização escolar, em São Paulo, em
2016. “Você tinha no máximo 200 estudantes secundaristas caminhando na
[Avenida] Paulista, cercados pela polícia por todos os lados. A ideia de
envelopar a manifestação vem daí. Com a tática muda, uma das características da
manifestação autônoma é não ter carro de som, sem liderança explícita. Você tem
as faixas e todo mundo no mesmo nível na rua. A resposta da polícia para essas
manifestações era envelopar”, conta.
• As
vítimas
As ações violentas da polícia marcaram de forma
definitiva a vida de algumas pessoas, como o fotógrafo Sérgio Silva. Na
repressão ao ato de 13 de junho de 2013, na Rua da Consolação, ele perdeu a
visão do olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha. As cenas
daquele dia foram um ponto de virada na opinião pública e para vários meios de
comunicação, que passaram a se pronunciar abertamente a favor das manifestações.
“É um dia que, com toda a certeza, jamais
esquecerei”, conta Silva. O fotógrafo diz que parte dos manifestantes realmente
fazia depredações no calor do momento, mas não consegue acreditar que essas
ações justifiquem a forma como as forças policias agiam. “O que tinha ali eram
jovens revoltados, alguns focados na pauta do aumento da tarifa, outros por
outros motivos também. E a polícia agia de maneira desproporcional”, avalia.
Essas ações chegavam, segundo Silva, a afetar o
trabalho da imprensa. “Nós tivemos muitos e muitos colegas que passavam por
revistas que ultrapassavam o limite da abordagem policial e impedia que esses
policiais trabalhassem”, relata.
O fotógrafo tenta uma reparação na Justiça pelo
ferimento sofrido durante a repressão. Após ter o pedido negado em duas
instâncias na Justiça de São Paulo, uma apelação ao Supremo Tribunal Federal
determinou que a solicitação seja reconsiderada pelo tribunal estadual. “Eu
estou a todo instante tendo que provar para o estado de São Paulo que eu tomei um
tiro disparado pela polícia e perdi a visão”, reclama a respeito da forma como
os magistrados têm tratado o seu caso.
Segundo ele, as alegações do governo estadual é que
não há provas de que ele foi efetivamente atingido por uma bala de borracha.
“Podem ter sido muitos outros objetos, como, por exemplo uma bola de futebol, a
cabeça de um manifestante. Essas foram as palavras que eu ouvi nessa última
audiência”, diz sobre a situação que classifica como absurda.
No mês seguinte, em 14 de julho, no Rio de Janeiro,
a violência policial se tornaria um tema de mobilização social depois do
desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza. Ele nunca mais foi visto após
ser levado por policiais militares para a base da Unidade de Polícia
Pacificadora na favela da Rocinha. Durante os anos seguintes, o desaparecimento
de Amarildo que, foi torturado e morto pelos agentes do Estado, foi alvo de
diversas manifestações.
Em agosto de 2022, a
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a
condenação do estado do Rio de Janeiro ao pagamento de pensão e de indenização
por danos morais no valor de R$ 500 mil para a companheira e cada um dos filhos
do pedreiro.
“É uma resposta importante do Judiciário, para
mostrar para o Estado que ele tem que saber recrutar os seus agentes, se não
ele é responsabilizado”, disse o advogado que defende os interesses da esposa e
filhos de Amarildo, João Tancredo.
Segundo ele, apesar da concessão da indenização, os
trâmites para que o dinheiro chegue efetivamente à família devem demorar pelo
menos três anos. Na próxima terça-feira (6), o STJ deve ainda julgar um recurso
para que a mãe de criação e a sobrinha do pedreiro também sejam contempladas.
O advogado criticou o tempo para que houvesse
reparação à família. “Lamentável o tempo que esse processo demorou. É um
processo simples, onde uma pessoa é retirada da sua casa, torturada e
desaparecem com ela, por agentes do Estado que foram condenados. O tempo que
ficou no STJ, foram três anos. Isso é muito ruim. Justiça que tarda, é justiça
que falha.”
Militante do Movimento Passe Livre de Brasília,
Paique Duques Santarém diz ainda que, além da repressão policial, os ativistas
sofreram diversas calúnias, como as de que receberiam financiamento de agentes
estrangeiros
“Essa repressão aos movimentos sociais de rua
enfraqueceu não só nós, mas outros movimentos sociais de rua. Esse
enfraquecimento foi um enfraquecimento da luta popular e da participação social
na política”, diz.
• Anos
Bolsonaro
Com a chegada da extrema-direita ao poder, Raísa
Cetra avalia que o cenário e retrocessos no direito à manifestação foram ainda
maiores. “O que a gente viu nos anos de bolsonarismo é uma série de novas
ferramentas de repressão e criminalização da luta popular, sobretudo passando
por estratégias de silenciamento, desmobilização e tentativa de que as pessoas
não fossem para as ruas”, analisa sobre os impactos da chegada de Jair
Bolsonaro à Presidência em 2018.
“O uso de crimes contra a honra para criminalizar
manifestantes foi uma ferramenta usada durante o bolsonarismo que a gente não
via de maneira tão sistemática antes. Então, a gente teve muita gente presa por
escrever ‘fora Bolsonaro’ em cartazes ou falar preposições contrárias ao
governo em manifestações”, exemplifica.
Para a especialista, esse é “um outro formato de
repressão que está mais próximo à censura do que aquela mobilização de um
aparato repressivo enorme contra manifestantes”. Nesse sentido, Raísa acredita
que as ações de repressão aos protestos dos últimos anos se aproximaram do
período da ditadura militar (1964-1985), provocando medo na população, que
deixa de se manifestar por temer represálias.
Fonte: g1/Dinheiro Rural

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