segunda-feira, 26 de junho de 2023

Imigração: presença de brasileiros provoca paixão e ódio em Portugal

A professora aposentada Júlia Gonçalves, 67 anos, moradora de Braga, faz questão de ressaltar: "Não tenho dúvidas de que a migração maciça de brasileiros para Portugal fez bem ao país". Na avaliação dela, os brasileiros, no geral, são trabalhadores e estão suprindo necessidades de mão de obra em vários setores da economia lusitana. Mas há queixas — e muitas — em relação à comunidade oriunda do Brasil, que, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), somava 239,7 mil cidadãos até dezembro do ano passado, a maior entre os imigrantes. "O que eu mais detesto em relação aos brasileiros é o fato de, mesmo tendo se mudado para Portugal, usufruindo de tudo o que o país lhes proporciona, ficarem bradando que, no Brasil, tudo é melhor", diz Júlia, que indaga: "Por que, então, se mudaram para Portugal?".

Ao longo das últimas duas semanas, o Correio conversou com mais de duas dezenas de portugueses raízes para ouvir deles as 10 coisas que mais odeiam nos brasileiros. No topo da lista está a mesma reclamação de Júlia, ou seja, que tudo no Brasil é melhor. O rosário de queixas inclui, ainda, a insistência em mostrar uma intimidade que não existe, serem muito barulhentos, não respeitarem as regras de silêncio em constantes festinhas, sempre arrumarem uma desculpa para justificar os erros, pedirem descontos em aluguéis, encherem as residências por meio de sublocação de quartos, passarem a perna nos próprios brasileiros, não terem compromisso com a pontualidade e acreditarem sempre no jeitinho para tentar se dar bem.

"Fico realmente aborrecido quando me deparo com esse tipo de comportamento", diz o comerciante João Antunes, 41, morador do Porto. "E me aborreço, também, quando encontro uma pessoa e, na primeira vez, ela quer mostrar que é minha amiga íntima. Não há razão para se forçar uma amizade", enfatiza.

Para a corretora Cristina Fernandes, 59, que vive em Montijo, não se pode falar em preconceito quando se critica determinados comportamentos dos brasileiros. "Os que escolheram Portugal para viver devem respeitar a cultura do país, o jeito de ser dos portugueses. Não estou falando em subserviência, mas em respeito. Chegar a Portugal e achar que continua no Brasil não é correto, creio eu", afirma. Segundo ela, por conta de históricos nada abonadores, muitos donos de imóveis — inclusive brasileiros — não querem mais negócio com cidadãos vindos do Brasil. "O primeiro motivo é que eles já chegam pedindo descontos nos aluguéis. Cria um constrangimento. Outra coisa pavorosa: os brasileiros mentem, dizem que uma família de três pessoas vai ocupar o imóvel. Contudo, depois de assinado o contrato, aparecem oito, 10 pessoas para viver em um apartamento de dois quartos, uma loucura", frisa.

Cristina vai além: "Hoje, com o mercado de arrendamento de imóveis aquecido, há disputa por casas e apartamentos. E, pode crer, sempre os brasileiros são os que fazem as piores propostas. Por isso, enfrentam dificuldades para locar um lugar para morar." Ela reconhece ser triste dizer esse tipo de coisa, "mas, infelizmente, é o que ocorre". E, mesmo com aqueles que conseguem passar pelo crivo das imobiliárias e dos donos de imóveis, as exigências sempre serão maiores, como antecipação de aluguéis, comprovantes do Imposto de Renda e fiador. "É o preço a pagar por aqueles que acham que podem tudo, que podem desrespeitar as regras, e acham que vão sempre se dar bem."

·         Fora da lei

Para o barbeiro Luís Dias, 47, morador de Alcochete, o que mais irrita quando se trata de brasileiros é o barulho exagerado. "Eles não levam em conta quem são os vizinhos, se há pessoas doentes, idosos que precisam de um pouco mais de silêncio", diz. "Na minha rua, todo fim de semana tem festa na casa de brasileiros. Até aí, tudo bem. É bom ver gente feliz. O problema é que o tal churrasquinho de fim de semana começa no sábado pela manhã e vai até domingo de madrugada. Música alta e gritaria", conta. Ele já viu, várias vezes, chamarem a polícia para interromper a bagunça. Mas o compromisso com a lei dura pouco. "No outro dia, tudo começa de novo. A sensação que tenho é a de que, para os brasileiros, lei do silêncio após determinado horário da noite é ficção, mas não é", complementa.

A design gráfica Filipa Barbosa, 37, que vive em Lisboa, tem horror aos "brasileiros folgados" que adoram um jeitinho para se darem bem. "Há alguns brasileiros que estão sempre perguntando se conheço alguém em tal lugar para ajudar a resolver um problema. Já me pediram para falar com um médico amigo para furar fila de atendimento em hospital, já me pediram para arrumar convites para shows e até para forjar documentos. Lógico que sempre recusei tudo", comenta, ressaltando que, depois de dizer não, esses brasileiros nunca mais a procuraram. "Ou seja, eram amizades de conveniência."

Gerente de um badalado restaurante em Lisboa, Pedro Lima, 39, destaca que o mais terrível para ele é ver um brasileiro prejudicando outro brasileiro. Ele relata que, no ano passado, um jovem recém-chegado do Brasil o procurou em busca de uma vaga de garçom. O emprego era vital para que ele reunisse todas as condições para obter a autorização de residência em Portugal. "Qual foi a minha surpresa quando um funcionário do restaurante, também brasileiro, me disse que, se eu desse emprego para o jovem, ele denunciaria o estabelecimento às autoridades por contratar ilegais. Fiquei perplexo", detalha. "Mas me vinguei daquela traição. Dias depois, demitimos aquele mau-caráter e estendemos a mão ao jovem que se mostrou uma excelente pessoa e está conosco até hoje", emenda.

·         Defeitos em casa

É verdade que tudo o que os portugueses dizem odiar nos brasileiros eles também fazem. "Vamos deixar claro, há pessoas com hábitos ruins em qualquer lugar do mundo. Sou português, mas já tive de lidar com situações complicadas provocadas por meus conterrâneos, um deles, a mesquinharia", afirma o advogado Nuno Marques, 44, morador de Lisboa. "Temos uma sociedade muito conservadora, que resiste em se abrir para os estrangeiros. Já perguntei a todos os brasileiros que conheço se haviam sido convidados para visitar a casa de um português. A maioria disse não. Isso é muito ruim", reconhece.

A brasileira Cíntia Lopes, 52, moradora em Cascais, reforça esse quadro de distanciamento. "Uma das minhas melhores amigas é portuguesa. Mas, por incrível que pareça, ela nunca me chamou para a casa dela, nem para tomar um copo de água", relata.

 

       350 paquistaneses em naufrágio na Grécia: do que eles estavam fugindo?

 

Aos menos 350 dos migrantes que estavam em um barco de pesca que naufragou em 14 de junho, no litoral da Grécia, eram paquistaneses, segundo afirmou o ministro do Interior do Paquistão, Rana Sanaullah, nesta sexta-feira (23).

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que entre 400 e 750 pessoas de várias nacionalidades estavam no barco, o qual naufragou a cerca de 80 km da cidade litorânea de Pilos. Além de paquistaneses, havia um número significativo de egípcios e sírios.

Até o momento, há 82 mortes confirmadas e 104 pessoas resgatadas — entre elas, 12 paquistaneses. Ainda há centenas de pessoas consideradas desaparecidas, embora tema-se que tenham perdido a vida no acidente.

Sanaullah afirmou que o Paquistão "possivelmente nunca teve uma perda tão grande [de vidas] em qualquer incidente, mesmo em ataques terroristas."

Embora a emigração seja algo que há anos faz parte do cotidiano do país asiático, o acidente na Grécia revelou que talvez o número de pessoas tentando sair do Paquistão por vias ilegais esteja crescendo, segundo disse à BBC News Brasil Asif Farooqi, editor da BBC Urdu.

"O número de mortes e de pessoas tentando migrar [no barco que naufragou] surpreendeu muitos no Paquistão, inclusive o governo. Isso sugere que há um aumento recente no número de pessoas tentando deixar o país usando rotas irregulares", explicou Farooqi.

"A motivação para este recente aumento na imigração ilegal pode ser atribuída à crise econômica e política que atingiu o país. Ela resultou em níveis sem precedentes de inflação e desemprego."

A inflação no país vem crescendo fortemente desde 2021, chegando em um recorde anual de 37,97% em maio deste ano. Os números são do Departamento de Estatísticas do Paquistão.

Enquanto isso, as reservas internacionais — que pagam pelas importações, incluindo de combustíveis — caíram para um dos níveis mais baixos em décadas.

Soma-se a esse quadro o crescimento sem precedentes no desemprego.

Números registrados pela Organização Internacional do Trabalho desde 1990 mostram que, a partir do primeiro ano da pandemia de coronavírus, o desemprego chegou a níveis jamais registrados — e ainda não houve recuperação satisfatória desde então.

Em 2019, o nível de desemprego no Paquistão era de 4,8% do total da força de trabalho; em 2020, passou para 6,5%; em 2021, foi de 6,3%; em 2022, 6,4%.

É importante lembrar que, embora esteja diminuindo com o passar das décadas, a taxa de natalidade no país é alta se comparada a vários outros países: em 2021, foi de 3,5 nascimentos por mulher, segundo a ONU.

Assim, a organização prevê que o Paquistão será um dos oito países que deve puxar o crescimento da população mundial até 2050.

Mas uma população jovem também traz seus problemas: Asif Farooqi afirma que o desemprego preocupa porque "73% da população tem menos de 35 anos".

"A maioria dos emigrantes ilegais vêm do centro do país, da província central de Punjab. Ali há principalmente áreas agrícolas, mas devido ao aumento da população, a renda familiar desses agricultores não é suficiente", diz o editor da BBC.

"Essa é a principal razão pela qual os mais jovens, que não têm terras suficientes para agricultura e não conseguem encontrar emprego no país, optam por correr riscos e deixar o Paquistão ilegalmente."

O paquistanês Muhammad Hamza, de 30 anos, optou por essa via e entrou no barco que acabou naufragando no último dia 14 na Grécia. Ele conseguiu se salvar pulando na água a partir do convés, onde ficou durante todo o trajeto.

"As pessoas gritavam por socorro, algumas balançavam camisas [para chamar a atenção]", conta, emocionando-se ao lembrar do naufrágio.

"Eu consegui encontrar uma garrafa vazia de 1,5L [no mar]. Eu fiquei segurando nela."

"Encontrei alguns sírios e egípcios na minha frente, eles estavam com um tubo. Eu me juntei a eles e nós nadamos por cerca de 30, 40 minutos. Até que uma lancha nos resgatou."

Muhammad estava desempregado no Paquistão e diz que decidiu sair de seu país em busca de uma vida melhor, mesmo que tenha tido que desembolsar milhares de dólares pela viagem.

O paquistanês voou de Carachi (Paquistão) para Dubai (Emirados Árabes), depois para o Egito e finalmente pousou na cidade de Bengazi (Líbia).

Acredita-se que o barco que naufragou partiu do Egito e passou na cidade líbia de Tobruk, onde pegou passageiros.

Muhammad relata que o barco, no qual passou seis noites, tinha péssimas condições.

"Egípcios e líbios nos batiam e nos obrigavam a ficar sentados."

"Não tínhamos permissão para levantar. Não podíamos nem esticar as pernas. Eles também não nos deixavam falar um com o outro."

Os migrantes ficaram sem comida e água, necessitando beber água do mar e urinar no oceano.

Hamza está morando em Atenas depois de ser liberado do centro de detenção onde os sobreviventes do naufrágio foram mantidos inicialmente.

Ele espera ganhar a vida na Grécia e diz que conseguiu se comunicar com a família na cidade de Gujranwala, em Punjab.

Os parentes estão "aliviados" por ele estar vivo, diz o jovem.

Mas Asif Farooqi, editor da BBC Urdu, diz que mesmo quando sobrevivem aos acidentes, os migrantes paquistaneses que se estabelecem na Europa normalmente continuam precisando fugir de riscos e problemas.

"O principal destino é a Europa, onde eles costumam encontrar 'bicos'. Essas pessoas escutam de contrabandistas que vão encontrar empregos na Europa e, eventualmente, obter a nacionalidade", aponta Farooqi.

"Mas as leis estão ficando mais rígidas em relação aos imigrantes ilegais, então eles passam a maior parte de suas vidas na Europa se escondendo [da fiscalização] e fazendo bicos com baixos pagamentos."

•        Crise política

Como se não bastassem os problemas econômicos, o Paquistão ainda está se recuperando de enchentes que atingiram o país em 2022 e enfrenta uma série de ataques por grupos radicais — as forças armadas paquistanesas divulgaram recentemente que em 2023 já ocorreram 436 ataques terroristas no país.

A situação política também é crítica, sobretudo depois que o ex-primeiro ministro Imran Khan foi tirado do cargo pelo voto de desconfiança do parlamento, em 2022.

Khan se recursou a aceitar a deposição e promoveu várias manifestações pelo país, enquanto é alvo de diversos processos judiciais e investigações.

Shehbaz Sharif, um experiente político, foi indicado como primeiro-ministro para cobrir o restante do mandato de Khan, de quem é rival.

Espera-se que eleições gerais aconteçam ainda esse ano — ao que tudo indica, mais um capítulo no país que será acompanhado de intensas disputas políticas.

 

Fonte: Correio Braziliense/BBC News Brasil

 

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