segunda-feira, 26 de junho de 2023

Democracia precisa de defesa contra "truques furtivos", alerta economista venezuelano"

O economista, escritor e ex-ministro do Comércio e Indústria da Venezuela Moisés Naím destacou a importância de se proteger os pesos e contrapesos que regem as democracias no mundo. Em sua visão, defendida em seu livro mais recente, Vingança do Poder, lançado em março no Brasil, o mundo vive uma tendência ao autoritarismo que requer uma luta diária contra "agentes que tentam derrubar a democracia com truques furtivos, dissimulados".

Em entrevista ao Correio, ele diz que a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, e a das sedes dos Três Poderes, em Brasília, demonstraram que as instituições democráticas foram capazes de resistir à tentativa autoritária. Porém, alerta, a ameaça ainda não passou.

Naím comentou ainda sobre a política externa do governo brasileiro. Ele diz ser bem-vinda a liderança de de Luiz Inácio Lula da Silva para representar os interesses na América do Sul no xadrez mundial. Mas as falas do presidente sobre a ditadura venezuelana, comandada pelo presidente Nicolás Maduro, podem colocar em xeque sua estratégia.

Sobre o tratado comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), tema da viagem mais recente de Lula à Europa, Naím defende que é preciso sair do "blá blá blá" dos últimos 20 anos.

<<<< Confira os principais trechos da entrevista.

•        O senhor defende que há no mundo uma tendência autoritária, contra a democracia. Como impedir esse avanço?

O que precisa ser feito passa pelo reconhecimento mais amplo da urgência e da importância do problema. Procurar por medidas que vão lidar com essa propensão à autocracia que nós vemos hoje. As pessoas precisam aprender que a democracia não é algo que acontece somente a cada quatro anos, mas, também, o que acontece entre os períodos eleitorais. É necessária a proteção dos direitos e dos pesos e contrapesos que impedem a concentração de poder na Presidência, no Legislativo ou na Suprema Corte. Para que nenhum desses três pilares da democracia aja por conta própria. Infelizmente, eles estão agindo por conta própria e existe um ataque global aos pesos e contrapesos.

•        Como isso se relaciona com os atos de 8 de janeiro no Brasil?

Ao mesmo tempo em que temos que tomar cuidado com isso, precisamos celebrar que, em casos recentes, as instituições democráticas prevaleceram. Nós vimos a situação nos Estados Unidos, com o ataque ao Capitólio, e agora estamos vendo como as pessoas que participaram disso estão sendo presas por um longo tempo. A mesma coisa no Brasil, onde também houve um ataque que tentou imitar o que houve nos Estados Unidos e falhou, porque as instituições funcionaram. Nós estamos vendo um dos grandes debates do nosso tempo, que é sobre liberdade e a divisão entre liberdade individual e liberdade nacional. É uma batalha que deve ser enfrentada com o objetivo de proteger a democracia. Não há nada mais importante que isso.

•        As medidas tomadas pelo Brasil contra o ataque foram bem recebidas pelo mundo?

O mundo reconhece e aplaude o Brasil, e entende que os diferentes atores que jogaram o jogo o fizeram de forma que a democracia ganhou. Isso precisa ser reconhecido. Agora, isso não é um ato único. É uma proteção constante contra tentativas que vêm de todos os lados contra as instituições, contra a Constituição, contra os pilares que sustentam a democracia. É uma luta diária contra os que tentam derrubar a democracia com truques furtivos, dissimulados.

•        Como o senhor vê o papel que Lula assume de ser um porta-voz da América do Sul, como visto na visita ao papa Francisco e na Cúpula em Paris?

A América Latina sempre lamentou a falta de ativismo internacional representando a região — que o Brasil um dia teve, especialmente com Lula. Vemos com bons olhos que o Brasil atue não somente para si, mas para toda a região. É o maior país, com a maior economia e merece ser o líder. Infelizmente, ao longo dos anos, isso não aconteceu. Agora, Lula criou uma estratégia na qual ele é um protagonista como estadista internacional. No seu último mandato, ele ofereceu ajuda para mediar o conflito entre Palestina e Israel. Ele também teve uma grande iniciativa na África e já falou sobre a tragédia na Venezuela.

•        As falas sobre a Venezuela podem atrapalhar esse esforço?

Ele está tentando ser um porta-voz internacional, um líder, mas essa boa intenção é anulada, neutralizada, tornada ineficaz quando se ouve o que ele está pensando sobre esses problemas. No caso da Venezuela, ele basicamente disse que a situação no país é o resultado de uma "terrível narrativa negativa" contra o governo do Maduro. Isso o fez se tornar motivo de piada entre todos que acompanham a situação. Você só precisa de cinco minutos para saber que a tragédia na Venezuela não é questão de narrativa, mas é uma desgraça, uma situação horrível que pode ser parada, porque é engendrada pelo governo Maduro.

•        O presidente erra ao insistir nessa "narrativa"?

Em sua conversa com o papa, espero que ele tenha se lembrado, e que tenha sido lembrado, que está falando de um país no qual as pessoas estão sendo — normalmente, como uma política de Estado — detidas e torturadas. E isso está acontecendo agora, enquanto nós conversamos e enquanto Lula estava conversando com o papa. Sim, damos boas-vindas à liderança do Brasil, ao papel do Lula. Mas, para que ele seja efetivo, deve parar de ouvir e repetir a falsa história sobre quais são as raízes e causas da tragédia venezuelana e sobre quais são as melhores formas de intervir.

•        Temos também a negociação para o tratado União Europeia-Mercosul, que se estende por décadas. O acordo vai se concretizar agora?

Essa é uma situação de ganha-ganha, e seria perfeito que o Mercosul e a UE tivessem um acordo comercial. Como você disse, isso está sendo negociado há décadas. Já passou da hora para mais ações e menos discursos. Você pode ler os discursos de 10 anos atrás, e eles vão dizer exatamente a mesma coisa: são duas regiões que têm muito em comum, há valores e interesses compartilhados, e um acordo de comércio é natural, indispensável, bom para a Europa e para o Brasil e blá blá blá. Nada aconteceu. Precisamos saber quais são as mudanças que estão sendo feitas agora para tornar o acordo viável. Esse vai ser um novo blá blá blá ou haverá ação? De que forma os dois lados estão mudando as condições e aceitando as alternativas para tornar isso prático, viável e real? Precisamos saber não o que eles querem fazer e por que não conseguem, mas, sim, quais mudanças estão sendo feitas às suas posições.

•        O tema ambiental é um dos principais entraves para o acordo. O Brasil está se adequando ao combate às mudanças climáticas?

Lula já tomou medidas. Nós tivemos, durante o governo Bolsonaro, os aspectos ambientais ignorados. Foi um período triste para qualquer um que tenha alguma preocupação com as mudanças climáticas. O Lula tem a oportunidade de ser um líder e entrar na história não como um presidente que foi preso por corrupção, mas como um presidente que assumiu a liderança trazendo medidas práticas pela solução das mudanças climáticas.

 

       Conservadores gregos ganham nova eleição

 

O partido de direita do ex-primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis estava confortavelmente à frente nas pesquisas de boca de urna nas eleições parlamentares gregas deste domingo (25), garantindo possivelmente uma maioria absoluta para formar um novo "governo estável".

A Nova Democracia (ND), no poder desde 2019, teria obtido entre 40% e 44% dos votos, à frente do partido de esquerda Syriza, de Alexis Tsipras, que obteve entre 16,1% e 19,1% dos votos, um resultado pior do que na eleição anterior, em 21 de maio, de acordo com pesquisas divulgadas na televisão no fechamento das seções eleitorais.

De acordo com as pesquisas, entre cinco e nove partidos teriam ultrapassado o limite de 3% para entrar no parlamento grego que possui 300 assentos. Os primeiros resultados parciais devem ser publicados a partir da noite de hoje. Alexis Tsipras, do Syriza, prometeu lutar "até o último segundo", apesar do resultado ruim na eleição anterior, em 21 de maio, na qual Mitsotakis ficou a apenas cinco cadeiras da maioria absoluta.

Mitsotakis, de 55 anos, formado em Harvard e chefe do governo de 2019 ao final de maio passado, obteve uma vitória arrebatadora há cinco semanas, com 40,8% dos votos, o dobro do Syriza. No entanto, o tamanho de sua vitória, que surpreendeu os analistas, não permitiu que ele alcançasse a maioria absoluta.

O líder conservador, à frente do partido Nova Democracia, descartou a possibilidade de uma coalizão com outras formações e conduziu à repetição da eleição deste domingo, onde alcançou entre 37,8% e 45% das intenções de voto, de acordo com as últimas pesquisas. Depois de votar em um bairro residencial da capital, Mitsotakis disse que os gregos estão votando "pela segunda vez em poucas semanas para obter um governo estável e eficaz".

Em uma escola no subúrbio de Pangrati, em Atenas, Aris Manopoulos, um comerciante na casa dos 50 anos, disse que havia optado "pela razão". "Votei na Nova Democracia para que o país possa avançar e continuar a crescer economicamente", disse.

 Tsipras na corda bamba

O Syriza, legenda de esquerda, que obteve 20,07% dos votos em 21 de maio, pode cair ainda mais, de acordo com as projeções, que agora lhe dão entre 16,8% e 20%. A eleição decidirá se a Grécia terá um "governo sem controle" ou "um equilíbrio democrático" na segunda-feira, com "uma oposição forte, capaz de desempenhar seu papel", disse Tsipras após votar.

Desta vez, o vencedor da eleição terá um bônus de 50 deputados na casa dos 300, o que poderia ajudar Mitsotakis de forma decisiva. Ao dar à Nova Democracia a maioria absoluta nas eleições de julho de 2019, em detrimento do Syriza, os gregos queriam virar a página de anos de crise financeira e planos de resgate, que destruíram 25% do PIB nacional e ameaçaram tirar o país da zona do euro.

Kyriakos Mitsotakis, filho de um ex-primeiro-ministro e tio do atual prefeito de Atenas, não deixou de se vangloriar de seu balanço econômico, marcado por um crescimento de 8,3% em 2021 e 5,9% em 2022, com queda no desemprego. No entanto, Tsipras, que já foi a esperança da esquerda na Europa, advertiu durante a campanha que seu rival não deveria receber um "cheque em branco" que lhe permitisse levar adiante uma "agenda oculta" de políticas antissociais.

O líder do Syriza está apostando seu futuro político nas eleições deste domingo, depois de admitir, após 21 de maio, que pensou em renunciar.

 

Fonte: Correio Braziliense/RFI

 

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